Hélio Mesquita e a Justiça (IM)possível

A justiça não pode ser cerceada pela opinião pública. Tem que cumprir a Constituição à risca e ao cidadão, não cabe julgar pelo crime, por maior que seja a indignação e a revolta. O preso, por sua vez, não pode ser tratado como bicho, travados no direito e amordaçados como animais indefesos sem chance de ressocialização. O sistema penitenciário é falido, toda a aparelhagem foi criada para cercear, revoltar, colocar o preso ou condenado, julgado ou não em situação de nada sou, nada valho, nada mereço mais.

A sociedade que degenerou junto com o Estado, ainda acha que “bandido bom é bandido morto” e que o preso deve apodrecer para onde for. Este Cristo esfarrapado,todos os dias nos jornais em artigos de intelectuais fardados de moralistas, acha que o primeiro rojão causou a primeira vítima da tolerância com o vandalismo, ou ainda que o rolezinho é uma brincadeira de negros e sujos que não podem circular nos shoppings ou ainda como um articulista  que escreveu aqui que tatuagem é  coisa de nazista que vai explodir metrô e matar crianças. A  moralidade é perversa porque diminui o homem em sua essência e prolifera a intolerância e o ódio.

Em Aracaju, a justiça tem evoluído mais pelos seus pares que pela sua ideologia. Ainda temos um judiciário conservador, hierárquico ao extremo e precisando urgente de uma aproximação maior com a sociedade. O MPE tem surpreendido com algumas ações de reinserção de adolescentes delinquentes, meninos de rua e projetos como o Florescer criado pela procuradora de justiça e corregedora  Maria Cristina da Gama Mendonça. Outros projetos, ao que sabe, morreu na praia, por pequenas disputas internas e até falta de visão do próprio MPE, como retirar crianças abandonadas pelas mães nas ruas, ao serem presas e ficarem órfãs.

Recentemente uma soltura de um preso chamado Adriano causou repúdio e mesmo já tendo cumprido mais de 9 anos da pena, o que lhe assegura pela Lei soltura imediata, todos queriam que o Adrianinho mofasse na penitenciária. Que condições oferece uma penitenciária a uma pessoa condenada a tantos anos? Que poder de regeneração tem uma pessoa num local daqueles? Nenhuma. As ações do Juiz da Vara de Execuções tem causado muito barulho. Mas ele tem agido correto. Afinal, pra que serve a justiça que não devolve ao homem a sua liberdade? Pra que serve o homem, no exercício de sua atividade, se ele não respeita a Constituição. Nenhuma lei deve ser obedecida se for injusta, nenhuma regra deve ser obedecida se desprezar a virtude, nenhum regime político deve ser obedecido se for tirânico e assassino, dizia Sócrates há tempo.

O trabalho solitário do Juiz Helio Mesquita tem mostrado que existe um outro jeito de encarar o preso, respeitando a lei áurea do país. Não se trata de colocar bandido na rua. A quantidade de presas que estão em liberdade e muitas trabalhando, o recorde de processos analisados e colocados para frente pela sua vara tem mostrado que o preso é ressociável. Hannah  Arendt dizia que " O direito é um poder passivo ou pacificado pelo Estado e é sinônimo de poder, pois sem esta participação e legitimação democrática, só resta a violência, a descrença e a barbárie.”

A barbárie nos faz feios. Menores, desumanos e patéticos. Tratas os desavisados da ética e da moral como cânceres, nos coloca como seriais killers e nós mesmos. Somos aquele que levamos o Cristo ao calvário, exigimos penas tabeliães e não oferecemos nada de nós em troca. Este Cristo enxovalhado, perpassa todo o universo de cumplicidade de nós mesmos com uma sociedade carcomida pelo crime, pela indiferença, pela anti-lei.

Quando Sartre escreveu sobre Genet que foi preso  foi claro ao dizer: ““Como a relação social é ambígua e envolve sempre uma porção de fracasso, como somos ao mesmo tempo a multidão chinesa que ri e o chinês apavorado que levam para o suplício, como cada pensamento divide tanto quanto une (…) como não estamos nunca seguros de retrospectivamente nos tornarmos traidores, como fracassamos sempre na comunicação, no amor, em nos fazermos amar, e cada fracasso nos faz experimentar a nossa solidão (…) como não podemos nos arrancar até a objetividade que nos esmaga nem despir a subjetividade que nos desterra, como não nos é permitido nem nos elevar ao ser nem nos abismar no nada, como em todas as circunstâncias somos impossíveis nulidades, é necessário escutar a voz de Genet, nosso próximo, nosso irmão”.

Eu tenho assistido, no trabalho que desenvolvo no Prefem, as idas e voltas do Juiz Helio Mesquita a celas, delegacias e todo o sistema penitenciário de Sergipe. Deve ser fácil pra ele, ouvir gritos de  presos que nunca tiveram o processo julgado? Sabem quantas cartas o juiz Helio recebe a cada visita.? Precisamos saber que o processo de exclusão moral depende de se conseguir pôr na cabeça das pessoas certas idéias falsas. Uma delas é o 'mito do mérito': as pessoas se convencem de que a vida é só para quem 'merece'. (…) O mito do mérito é profundamente anticristão e desumano.
Nós humanos somos banais no julgamento. O mal não está nos torturadores, e sim nos homens de mãos limpas que geram um sistema que permite que homens banais façam coisas como a tortura, -dizia a nossa Arendt.O trabalho de juízes como Helio Mesquita tem que ser visto com novos olhos.

"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, toda a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Estes versos imortais, pronunciados certa vez pelo poeta inglês John Donne, forneceriam ao norte-americano Ernest Hemingway a inspiração para seu romance sobre a Guerra. A nossa guerra tem que ser pelo outro.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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