Judiciário tem que se dar ao respeito

Respeito é algo a que todos têm direito, mas ainda se usa dizer que para exigi-lo a pessoa tem que primeiro se dar ao respeito. A regra se aplica a todos e não é, na essência, preconceituosamente endereçada às mulheres. É uma regra de reciprocidade: para ser respeitado tem que respeitar.

Soou fingida a cobrança feita pela presidente do STF, Cármen Lúcia, de respeito ao Judiciário. Na abertura dos trabalhos, na quinta-feira, dirigindo-se a exaltados defensores de Lula ou à disparatada da Gleisi Hoffmann, ela disse que é “inadmissível e inaceitável” desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la. E emendou exigindo também respeito à Constituição.

Ora, Dona Cármen, primeiro o Judiciário brasileiro tem que se fazer respeitar. Até o malandrinho da esquina está cobrando mais seriedade dos homens de toga. E os maus exemplos têm vindo em abundância daí de cima. O que abunda não prejudica, mas nesse caso tenha paciência!
Que respeito pode exigir o Judiciário de um país onde há 13 milhões de desempregados e onde outros 45 milhões ganham menos que um salário mínimo, hoje em indecentes R$ 954, enquanto os juízes que moram em ótimos apartamentos e mansões com piscinas não abrem mão de um auxílio-moradia de R$ 4.378?

O juiz Sérgio Moro, por exemplo, reside num apartamento próprio a três quilômetros do seu trabalho na mesma cidade de Curitiba, mas ele tem uma explicação bem sincera para justificar sua necessidade: o auxílio-moradia compensa a falta de reajuste dos vencimentos dos juízes.
Enquanto a régua salarial da maioria é medida por baixo, os juízes, promotores, parlamentares, conselheiros e outros servidores graduados a aferem pelo teto salarial constitucional de R$ 33.763. Teto que invariavelmente é ultrapassado, porque é permitido somar a ele o auxílio-moradia e um auxílio-alimentação de R$ 884.

Claro que todo mundo tem direito de morar dignamente e de se alimentar bem, mas o respeito a essa necessidade básica deveria valer para todos.
Mas que respeito pode exigir uma Justiça onde os juízes deixam de se manifestar nos autos e se tornam midiáticos, fugindo da tradição do seu labor para avidamente não ficarem de fora do bonde moderno da sociedade em rede? Juízes condenam antes do julgamento — ao contrário do STF, que não condena quase ninguém.

Que respeito pode exigir um poder que tem como juiz supremo um Gilmar Mendes, que é a encarnação do político de toga? Quem não lembra do flagrante telefonema dele com Aécio Neves negociando para interferir em votação do Congresso? Quem esquece dos rumorosos casos de bandidos soltos por ele, até mais de uma vez?

A senhora mesmo, dona Cármen, trocou a toga pela articulação política quando se mobilizou para evitar o afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado. E depois, quando a Primeira Turma do Supremo suspendeu o mandato de outro réu, Aécio, a senhora providenciou levar ao plenário, às pressas, uma ação que permitiu ao Senado livrar o tucano de ser afastado.

Como diz o atilado e resistente Mino Carta: “Tudo quanto nos aflige hoje, a situação de descalabro político, econômico, social e moral, decorre do clamoroso descumprimento das suas funções por parte da (in)justiça à brasileira”.

E conclui: “Fosse outro o nosso Supremo, não ocorreria o impeachment de Dilma Rousseff, e todas as demais exceções cometidas pelos golpistas. Impunemente, pois a Constituição foi atirada ao lixo.”

Claro que o Judiciário brasileiro não pode ser desacatado ou achincalhado e merece todo o respeito. Mas esse sentimento de consideração tem que partir de dentro dele mesmo. A Justiça tem que se fazer respeitar.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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