Quem fala demais dá bom dia a cavalo

Quem pede intervenção militar no Brasil é ignorante ou desonesto. Não sabe o que aconteceu durante a ditadura porque não viveu aquele tempo ou não procurou se informar e conhecer como foram aqueles duros 21 anos. Ou torce mesmo pelo golpe de ultradireita somente para aniquilar as opiniões divergentes e as ideias com as quais não concorda.

Porque na ditadura é assim, o fundamento é não permitir que haja oposição, nem transparência ou igualdade de direitos. É a própria corrupção, como nas palavras do magistrado Marcelo Semer, membro e ex-presidente da Associação Juízes Para a Democracia. E para citar um pensador da moda, Leandro Karnal resume: o que motiva pedir a ditadura militar de volta é falta de memória ou de caráter.

Por isso que quando um general fala em intervenção militar para resolver a crise ética e moral porque passa o Brasil ele está sendo oportunista e resvalando no mau-caratismo. Por três vezes, durante uma palestra para a maçonaria em Brasília, o general do Exército da ativa Antonio Hamilton Martins Mourão falou na possibilidade de intervenção militar. “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”, arrotou o homem de farda, atiçando os golpistas de plantão e provocando um burburinho na caserna. Mesmo sendo uma bravata, não deixa de ser um perigo para a nossa frágil democracia, que no ano passado já sofrera um golpe parlamentar.

Os militares das forças armadas, especialmente do Exército, têm a mania de achar que podem interferir na política e na administração do país ao bel prazer deles, sempre alegando que essa é uma determinação constitucional. Não é. O nome disso é golpe!

Para os incautos, nunca é demais lembrar que a ditadura militar nascida em 1964 arruinou a democracia no Brasil, permitiu prosperar a corrupção e a impunidade, calou a voz dos contrários, torturou e assassinou quem ousou denunciá-la.

Para jogar um pouco de luz sobre uma área de sombra, o envolvimento deles com escândalos de corrupção, no regime ditatorial, militares fizeram conluio com contrabandistas e traficantes. O próprio delegado Sérgio Paranhos Fleury, homem forte da repressão e torturador sádico, se beneficiava da proteção que dava a um traficante paulista conhecido como Juca.

Governadores biônicos, nomeados pelo presidente de plantão, foram flagrados realizando negócios escusos com o Estado, como Antônio Carlos Magalhães, na Bahia, que beneficiou uma empresa chamada Magnesita, da qual era sócio. Depois disso, seu prestígio só cresceu.

O governador paulista Paulo Maluf foi acusado de corrupção no caso conhecido como Lutfalla, uma empresa têxtil de sua mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDES quando estava em processo de falência. As denúncias envolviam o ministro do Planejamento, Reis Velloso, mas ninguém nunca foi punido.

Em 1976, no governo Ernesto Geisel, o jornalista Ricardo Kotscho publicou no "Estado de São Paulo" reportagens expondo as mordomias de que ministros e servidores, financiados por dinheiro público, dispunham em Brasília. Uma piscina térmica banhava a casa do ministro de Minas e Energia, enquanto o ministro do Trabalho contava com 28 empregados. Na casa do governador de Brasília, “comprava-se” perfumarias e alimentos que dariam para atender a um batalhão.

Antes, no intransigente governo Médici, o ministro do Exército, cuja pasta ficava em Brasília, tinha uma casa de veraneio na serra fluminense, com direito a mordomo. Os generais de exército (quatro estrelas) possuíam dois carros, três empregados e casa decorada; os generais de brigada (duas estrelas) que iam para Brasília contavam com US$ 27 mil para comprar mobília. Cabos e sargentos prestavam serviços domésticos às autoridades.
Delfim Netto, ministro da Fazenda de Costa e Silva e Médici, e ministro da Fazenda de Figueiredo, foi algumas vezes envolvido em escândalos de corrupção, inclusive para beneficiar a empreiteira Camargo Correia e o grupo Coroa-Brastel.

O jornalista Alexandre von Baumgarten, colaborador do SNI, foi assassinado em 1982, pouco depois de publicar um dossiê acusando o general Newton Cruz de planejar sua morte, que teria ligação com seu conhecimento sobre as denúncias envolvendo o general e outros agentes do Serviço no escândalo da Agropecuária Capemi, empresa dirigida por militares, contratada para comercializar a madeira da região do futuro lago de Tucuruí.
Já em 1982, no estertor do regime, uma denúncia apontou que o Grupo Delfin, empresa privada de crédito imobiliário, foi beneficiado pelo governo por meio do Banco Nacional da Habitação ao obter Cr$ 70 bilhões para abater parte dos Cr$ 82 bilhões devidos ao banco. O valor total dos terrenos usados para a quitação era de apenas Cr$ 9 bilhões. Assustados com a notícia, clientes do grupo retiraram seus fundos, o que levou a empresa à falência pouco depois. A denúncia envolveu os nomes dos ministros Mário Andreazza (Interior), Ernane Galvêas (Fazenda) e, mais uma vez, Delfim Netto (Planejamento).

Essa é apenas uma pequena amostra da barbárie da intervenção militar que os néscios acreditam que pode ser a salvação para o Brasil. E se exaltam quando um general ameaça mais uma vez mandar os tanques às ruas. Mas aos trancos e barrancos o país vai manter-se no caminho da democracia e continuar dando voz ao árduo aperfeiçoamento institucional, porque a maioria não tolera mais esse tipo de arroubo tirano. Passado o assombro, não merecerá sequer um rodapé de página na história. Porque, como diz o ditado, quem fala demais dá bom dia a cavalo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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