STF e Prisão

Tomou conta do debate político-jurídico nacional a possibilidade de prisão como resultado de condenação criminal, mesmo que ainda não transitada em julgado (portanto ainda não definitiva), desde que determinada ao menos em segunda instância.

Infelizmente, o debate assumiu ares de irracionalidade, presente a perspectiva real de o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ser preso após manutenção de sua condenação criminal à pena de 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A Constituição prevê, como garantia fundamental, que não pode ser abolida nem mesmo por emenda à constituição, o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória:

"Art. 5° […]
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"
(grifou-se).

Como se não bastasse, o Código de Processo Penal é ainda mais direto, ao estabelecer que:

"Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva"           (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011) (grifou-se).

Lamentavelmente, em 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou a sua jurisprudência, ao julgar um caso concreto (HC nº 126.292/SP), sem base jurídica sólida e levado pela onda do combate à corrupção a qualquer custo, inclusive a custo do sacrifício do Estado de Direito e das garantias fundamentais, e passou a admitir a possibilidade de prisão mesmo sem o trânsito em julgado da condenação criminal.

Como esse entendimento – formalizado pelo STF em meio à grave onda de enormes retrocessos em tema de direitos e garantias fundamentais  – implícita ou indiretamente acarretava não aplicação da norma do 283 do CPP (acima transcrita), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs Ação Declaratória de Constitucionalidade em face do mencionado dispositivo legal, oportunizando ao STF a revisão da sua jurisprudência a partir da realização do controle abstrato de constitucionalidade, ou seja, do exame da controvérsia constitucional em tese, impessoal, apartado de casos concretos.

Essa ação (ADC nº 44) está pronta para ser julgada pelo Plenário desde 05/12/2017, ocasião em que foi pedida pelo Relator, o Ministro Marco Aurélio, a sua inclusão em pauta.

Infelizmente, não obstante cobrada por setores da opinião pública preocupados com a irracionalidade do debate, a Presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, optou por colocar em pauta o habeas corpus preventivo do ex-Presidente da República – e não a ADC n° 44 – o que fez com que o STF se debruçasse sobre a tese jurídica a luz do caso concreto e específico de Lula, o que permeia o debate constitucional de paixões políticas e das mais diversas irracionalidades, em detrimento do interesse público.

Com efeito, para além da cruzada de intolerância contra o pensamento divergente que assistimos na atualidade (na qual se inclui a intolerância às garantias fundamentais e aos ativistas em defesa dos direitos humanos, como o caso da execução da militante social e lutadora pelos direitos humanos dos excluídos, Mariele Franco, mais uma vez evidenciou), o inconstitucional sacrifício de garantias fundamentais como a da prisão apenas após o trânsito em julgado da condenação, tomando como parâmetro o julgamento do STF, tem legitimado cada vez mais não exatamente a prisão de corruptos, mas sim a prisão antecipada, arbitrária e abusiva da tradicional clientela do direito penal, mais indefesa, que é a dos marginalizados pelo processo sócio-econômico.

Não é razoável e nem sensato que se coloque à opinião pública que eventual retorno do STF à razão se faça em proveito pessoal do ex-Presidente Lula.

Era indispensável o julgamento da ADC nº 44, o que a irresponsabilidade institucional impediu.

Agora, mais esse desastre institucional está consumado, e qualquer que seja o resultado do julgamento do habeas corpus de Lula será mais combustível para a divisão nacional, para falta de bom senso e para a porta cada vez mais aberta aos fins justificando os meios, em escalada vertiginosa ao fechamento totalitário, dada a crise geral das instituições e dos sistemas de representação e mediação, bem como o esgarçamento do tecido social.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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