Inconstitucionalidade pode contaminar Plano Diretor

Abelardo: vício de inconstitucionalidade (Fotos: Cássia Santana/Portal Infonet)

A inconstitucionalidade estaria, na ótica do bacharel em Direito Luís Abelardo Mota Fontes, um servidor público vinculado à Justiça Federal, no teor das Leis Complementares 74 e 75, ambas aprovadas pela Câmara Municipal de Vereadores no final de 2007 e sancionadas pelo prefeito Edvaldo Nogueira, no ano de 2008. Estas Leis apresentaram alterações no Plano Diretor, que geram grandes impactos.

“As Leis supra incumbiram-se, respectivamente, de alterar o Plano Diretor em dois de seus pontos cruciais: ampliar o limite do gabarito dos edifícios de Aracaju para 16 andares e alterar o conceito de áreas de preservação municipais, suprimindo da redação original a vedação ao seu parcelamento e edificação”, enaltece Abelardo Mota.

“As leis aprovadas não desclassificam as áreas de preservação, mas admitem edificações e loteamento, antes proibidos nestas áreas”, ressalta ele, citando, entre os focos da legislação, a área onde está instalado o Parque da Sementeira.

Representação no MPF

Grave é que as Leis em questão, de acordo com o servidor da Justiça Federal, apresentam vício formal de ilegalidade, já que foram aprovadas em desacordo com a Lei Orgânica do Município. Ele explica que as mudanças na ocupação e uso do solo só poderiam sofrer modificações após consulta à população, que deveria ter sido feita por meio de plebiscito. Procedimento que, segundo Abelardo Mota, não teria sido observado pelo Poder Executivo antes de encaminhar os respectivos projetos para apreciação da Câmara Municipal.

A exigência legal estaria explícita no artigo 214 da Lei Orgânica do Município, quanto às diretrizes essenciais do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, que estabelece como critério a “prévia consulta através de plebiscito à comunidade, para aprovação de quaisquer projetos de lei que impliquem mudanças de uso do solo, alteração de índices de aproveitamento, normas de parcelamento ou de remembramento”.

Emmanuel Nascimento: aguardando resultados

Os dois Projetos de Lei têm origem distinta, segundo informações da Prefeitura de Aracaju. Um deles articulado pelo próprio Poder Executivo e outro tendo origem no próprio Poder Legislativo, colocados para apreciação da Câmara Municipal de Vereadores no final do ano de 2007, ainda durante o recesso parlamentar, em três discussões ocorridas em um único dia. As Leis foram sancionadas pelo prefeito Edvaldo Nogueira na primeira quinzena de janeiro de 2008. “Não compreendo porque leis tão importantes foram aprovadas em circunstâncias atípicas, debatidas de forma superficial, em um único dia”, comenta Mota.

Coincidência

O interesse pela temática envolvendo a ocupação do solo e o planejamento urbano na cidade de Aracaju se tornou uma consequência e não a finalidade de Abelardo Mota. Tudo aconteceu, segundo explica, ainda na condição de estudante universitário. Ao buscar o título de bacharel em Direito, Abelardo Mota decidiu focar seu trabalho de conclusão de curso em Ação Popular Constitucional e, em sua pesquisa para nortear a monografia, o então estudante acabou se deparando, conforme explicou ao Portal Infonet, com uma situação que ele próprio classifica como “verdadeira aberração urbanística”. E tudo ‘legalizado’ a partir destas duas leis específicas.

Juan Cordovez: índices preservados

Ao constatar os supostos vícios de ilegalidade, Abelardo Mota não hesitou e preparou uma representação endereçada ao Ministério Público Federal (MPF), cujo documento foi protocolado no dia 3 de setembro de 2009. Na representação, o servidor da Justiça Federal solicita que o MPF adote providências ingressando com ações judiciais pelo julgamento incidentalmente a inconstitucionalidade das leis, tornando-as sem efeito; para impor ao município de Aracaju a obrigatoriedade de não conceder novas licenças com base nestas leis; cassar licenças de eventuais empreendimentos não iniciados nas áreas afetadas ou embargar obras no caso em que haja tempo e pela condenação do município a pagamento de indenizações por danos morais coletivos em função de construções realizadas.

Ao Portal Infonet, a Assessoria de Comunicação do MPF informou que os procuradores entenderam que as solicitações do servidor da Justiça Federal não encontrariam amparo na competência do MPF. Os procuradores reconhecem a morosidade nos trâmites, mas alegam que preferiram fazer consultas prévias a diversos órgãos públicos a respeito da competência antes de adotar qualquer procedimento, o que resultou no entendimento de que a competência seria da esfera estadual. “Como de praxe, o procurador encaminhou à respectiva Câmara de Coordenação e Revisão, em Brasília, que concordou que o caso fosse declinado ao MP Estadual”, informa a Assessoria de Comunicação do MPF. “Desta forma, a representação foi encaminhada ao Ministério Público de Sergipe”.

O Portal Infonet apurou que a representação tramitou no Núcleo do Meio Ambiente, Urbanismo, Patrimônio Social e Cultural do MPE e nesta terça-feira (10) mudou de endereço. A equipe do Núcleo entende que o remédio jurídico seria uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), de competência restrita da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ).
O Portal Infonet apurou que a representação ainda não teria chegado à PGJ, mas a Assessoria Jurídica gentilmente informou que, em se tratando de tramitação, assim que receber a representação, o procurador geral Orlando Rochadel juntamente com a sua Assessoria Jurídica analisarão a suposta inconstitucionalidade das leis “a fim de um controle de constitucionalidade dos atos administrativos”.

Na hipótese de encontrar os vícios de inconstitucionalidade nas referidas Leis Municipais, há a probabilidade da PGJ ingressar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

Surpresa

Na Câmara Municipal de Vereadores, o presidente Emmanuel Nascimento recebeu com surpresa a informação de que o servidor da Justiça Federal estaria questionando a legalidade das referidas Leis Municipais. Ele informou que aguardará a reação do Ministério Pública, mas, de imediato, antecipou a informação de que o artigo 214 da Lei Orgânica do Município teria sido modificado por meio de Emenda, aprovada em 22 de junho de 2010, destacando como critérios para aprovação de projetos que impliquem mudanças de uso do solo, alteração de índices de aproveitamento, normas de parcelamento os procedimentos previstos no Estatuto da Cidade, o que, na sua ótica, afasta a possibilidade de existir os vícios de inconstitucionalidade apontados pelo servidor da Justiça Federal.

Abelardo Mota reage à manifestação de Emmanuel Nascimento, alegando que as mudanças ocorreram depois que ambas as Leis foram aprovadas e que, mesmo assim, o Estatuto da Cidade exige a efetiva participação população para estes casos. “O Estatuto da Cidade não exige o plebiscito, mas prevê a participação popular por meio de audiências públicas como pré-requisito, o que não foi feito”, diz o servidor da Justiça Federal.

Índices preservados?

Para dar suporte técnico à análise do Plano Diretor e os respectivos Códigos, que estão em tramitação na Câmara Municipal de Aracaju, o vereador Emmanuel Nascimento contratou o engenheiro Juan Cordovez, profissional que trabalhou na Prefeitura de Aracaju e acompanhou todos os debates envolvendo a reformulação do Plano Diretor. Para o engenheiro, as duas Leis datadas de 2008 não apresentam nenhum indício de inconstitucionalidade.
“Não há inconstitucionalidade porque as Leis não alteram os índices de ocupação e de uso do solo”, justifica Juan Codovez. “Aumenta o número de pavimentos, mas o índice de ocupação e uso continua o mesmo”, considerou o engenheiro. A Prefeitura de Aracaju acompanha o coro do engenheiro. A Secretaria de Comunicação (Secom) admite que a Prefeitura de Aracaju não realizou o plebiscito exigido pela Lei Orgância e utiliza os mesmos argumentos de Juan Codovez para justificar a omissão.

A Secom esclarece que o Poder Executivo tem convicção que foram preservadas as dimensões horizontais, o que constitui o uso do solo, o índice de aproveitamento e a distribuição. O que teria sofrido modificações, a partir das Leis Municipais em questão, segundo explicações da Secom, seriam as dimensões verticais, o que, na ótica da PMA, não se caracteriza o uso do solo e, portanto, dispensado a consulta popular para fazer as alterações.

Mas estas versões também não convencem o servidor público Abelardo Mota. “Como ele consegue esta mágica, aumentando o número de pavimentos das edificações sem mexer no índice de uso e ocupação?”, questiona Mota. “Isto é conversa para boi dormir, para justificar o injustificável. Não vejo plausibilidade nesta justificativa”, diz.

Por Cássia Santana

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