O maior parceiro de Luiz Gonzaga conta suas histórias
02/07/2007


João Silva: o maior parceiro do 'Rei do Baião'
João Silva, 72 anos. Natural de Arcoverde, em Pernambuco, se auto define como um “poeta profissional”. Ex-boêmio e profeta da noite, que abandonou a prática por, segundo ele, beber mal. “Meu parceiro Luiz Gonzaga bebia bem e me ensinou”. O cafezinho foi o substituto para outras bebidas quentes. “Não posso parar de escrever e o cafezinho é muito estimulante para o poeta”.

 

Morador do Rio de Janeiro, diz que sua passagem por Aracaju, que agora em junho completa dois anos, é temporária. Mas a capital sergipana ele conheceu ainda em 1959, quando saía de sua cidade natal com destino ao Rio, onde se estabeleceu, casou, teve quatro filhos e também onde conheceu e iniciou sua parceria de mais de 30 anos com o ‘Rei do Baião’, Luiz Gonzaga.

 

Ele é um dos últimos parceiros do Gonzagão ainda vivo e com muita história pra contar. Boa parte dela poderá ser conferida no livro “João Silva - Pra não morrer de saudade”, que está prestes a ser lançado. Além disso, no mês de julho ele começa a gravar um CD e DVD para recontar também sua trajetória musical. Numa longa e descontraída conversa ele antecipou ao Portal Infonet algumas informações desses trabalhos. Confira os melhores momentos do bate-papo:

 

Portal Infonet - O senhor continua compondo? Quando foi o último trabalho?

João Silva - Muito pouco, faço uma música por ano, duas no máximo. Meu último trabalho, com 11 composições inéditas, foi gravado há mais de cinco anos. Vivo do que eu já fiz e dos pequenos artistas que precisam de mim. Eles dizem que incentiva a carreira deles contar com um produto meu. Recebo pedidos de todo o país. Os daqui pedem mais, mas eu dou menos, porque eles são musicalmente mal educados. Tenho muitos pedidos, mas tem que pedir autorização, se não eu processo. E também faço questão que mantenha o arranjo original.

 

Infonet - Conte-nos sobre esse projeto do livro. Como surgiu?

JS - O livro já está quase pronto. É biográfico e está sendo escrito pelo doutor José Maria. Deverá ser lançado no mês de agosto em Recife. O autor já vinha pesquisando a minha obra por 10 anos, sem eu saber. Primeiro ele comprou todo o acervo de Luiz Gonzaga e nele descobriu que Humberto Teixeira, Miguel Lima e Zé Marcolino, juntos, gravaram menos do que eu gravei com Gonzaga. Sozinho eu gravei 360 músicas com ele. Então o escritor achou uma covardia eu morrer no anonimato.

 

Infonet - O senhor também gravou com vários artistas, como Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino e Marinês. Sabe ao todo quantas músicas já compôs ou gravou?

JS - Me disseram que eu já gravei mais de 2 mil músicas. Eu mesmo não sei. Não tenho um disco meu em casa, nem quero ter. Cheguei a essa conclusão depois de ouvir um conselho do grande Ataulfo Alves, que me disse para não ouvir um único sucesso meu. ‘Escute primeiro que todos e depois não escute mais’, me falou. ‘Se estiver tocando no rádio, mude’.  Na hora eu achei que ele era louco, mas depois eu conheci Noel Rosa e ouvi a mesma coisa, não dita pra mim, mas presenciei ele dando a explicação disso. É que você ouvindo seu sucesso, você se endeusa. A melodia fica no subconsciente e, primeiro, você plagia, depois se enche de auto-estima, fica vaidoso. Eu fui vendo isso e até comentei com Gonzaga. Ele me disse: “Veja bem, eles estão certos, mas eu quero ser vaidoso”.

 

Infonet - Quando começou sua parceria com Luiz Gonzaga?

JS - Aí é comprido... Desde pequeno eu era doido pra conhece-lo. Quando ele ia tocar nas cidades do interior, eu ia a pé e quando chegava ele já tinha saído. Sempre chegava atrasado. Vim conhecer Gonzaga no Rio, em 1976. Eu cantava na rádio Mayrink Veiga e ele me ouvia. Foi Marinês que intermediou nosso encontro, pois ela já tinha gravado uma música minha que ele gostava. A primeira música que ele gravou pra mim foi “Crepúsculo Sertanejo”, na década de 60. Sinto ele ter demorado pouco na minha convivência. Por incrível que pareça, ele precisava mais de mim do que eu dele.

Infonet - E como foi que começou a ser o produtor do Rei do Baião?

JS - Em 1964 Luiz Gonzaga tinha voltado para o sertão porque o forró tinha sofrido a sua segunda crise. A primeira foi com a Bossa Nova e depois com o rock. Então ele foi pro interior, não queria mais gravar, nem cantar. O Gonzaga já era o Luiz Gonzaga, mas seu nome somente não vendia disco, porque não sabia usar a mídia. Ele não aceitava pagar pra tocar, não entendia e não queria aceitar. O Gonzaga era uma empresa mal administrada. Foi nos anos 80 que passei a ser seu produtor e passamos a gravar juntos. Mas eu sabia que Luiz iria me chamar, porque a gravadora descobriu que eu vendi 150 mil discos produzindo o Trio Nordestino. E quando ele voltou ao rádio e ao disco, precisava de um produtor para fazê-lo vender. Até então ele não tinha ganhado um disco de ouro. E eu sabia como ganhar dinheiro, só não tinha o nome.

 

Infonet - Vocês se tornaram amigos desde o início?

JS - Ele disse que não queria gravar João Silva. Ele era o rei, o mito, era o nome que estava sendo apostado, no entanto, não tinha o produto, e quem tinha era João Silva. Gonzaga já tinha gravado música minha, mas tinha o seu modo de encarar a situação. Ele disse que não gravava aquele tipo de música. Afirmava: ”eu não estou discordando de você, mas é que ela é muito ligeira”. É o chamado forró quebra língua. Ele era rabugento demais, mas também era espirituoso. Era um amigo. Então quando eu fui lá, levei a fórmula de ganhar dinheiro por escrito e o primeiro sucesso foi “Danado de bom”, na década de 80, que vendeu 1 milhão e 600 mil cópias. Foi aí que ele começou a entender, a cobrar show caro e a ganhar dinheiro. Começou pelo Canecão, onde Gonzaga tinha muita vontade de tocar. Mas foi aí também que ele começou a sofrer de osteoporose. Luiz Gonzaga foi o mito que morreu pobre.

 

Infonet - Em seu novo projeto de CD e DVD, quais sucessos da dupla estarão presentes?

JS - Na hora de gravar, todas as músicas são como um filho só. Serão incluídas as mais expressivas: “Danado de bom”, “Pagode russo”, “Nem se despediu de mim”, “Vou te matar de cheiro”, “Pra não morrer de saudade”, “Deixa a tanga voar” e “Zé do Roque”. Essas daí eu garanto que estarão, mas teremos outras mais. Vamos chamar também vários convidados especiais, como Osvaldinho, Dominguinhos e os sanfoneiros Genário e Camarão, entre outros.

 

Infonet - Apesar de o forró ter se modernizado, o senhor acredita que os músicos ainda mantêm grande respeito por Luiz Gonzaga?

JS - Eles têm o maior respeito e carinho, porque Luiz Gonzaga é a raiz, o esteio de todos eles. Muitos por aí não têm personalidade musical e fazem um ‘disquinho’ só pro São João. Quando termina a temporada junina, passa a fazer axé. As pessoas que vivem o ano todo com o autêntico forró pé-de-serra não mudam e não esquecem o Rei. A identidade do forró está se acabando aos poucos, mas ele não se acaba. Na minha geração o forró caiu duas vezes, mas se levantou. É como bananeira: quanto mais corta, mais nasce. No entanto, ele anda muito prejudicado.

 

Infonet - O que o senhor pensa a respeito das atuais bandas de forró eletrônico?

JS - Elas são o mambembe, o teatro de revista, o can-can, porque na verdade eles não estão vendendo a música ou ritmo, mas o corpo da mulher.

 

Por Camila Santos