Dos muitos erros que o José Serra cometeu o mais fatal talvez tenha sido contratar o Nizan Guanaes. Apesar de o homem forte do marketing tucano ser muito competente, o profissional certo teria sido o Abdullah Rahmani, que é simplesmente o marqueteiro de Saddam Hussein.
No recente plebiscito para determinar se Saddam continuava ou não no poder, 11.445.638 iraquianos votaram a favor. E contra? Nenhum é claro.
A democracia iraquiana mostrou ao mundo como deve ser uma eleição e uma apuração. Três minutos após o último eleitor votar (o voto é manual) o resultado foi divulgado. Isso é de matar de inveja o nosso TSE, que se gaba de comandar uma eleição totalmente informatizada, mas demora 24 horas - ou mais - para encerrar a contagem.
No poder há 23 anos, Saddam ganhou o direito de passar mais sete anos atazanando os EUA e descabelando o Bush. E ele mereceu, pois fez uma campanha limpa, sem baixarias, sem se atacar (era o único candidato). Também compareceu a todos os debates , com ele mesmo, é claro, exemplo que poderia ser seguido pelo Serra (e deixar o Lula em paz), que certamente deve está arrancando o resto dos cabelos por não ter contratado o Abdullah Racmani.
O marqueteiro cuidou pessoalmente de detalhes importantes, a exemplo da simetria entre as duas pontas do bigode de Saddam, do polimento dos dentes caninos e do alongamento das sobrancelhas. Cuidou ainda do corte dos cabelos do nariz e ouvidos e da pintura de quatro fios brancos de cabelos da cabeça. Isso tudo foi fundamental para a conquista dos votos dos dois iraquianos que estavam indecisos.
Foi Abdullah Rahmani quem também bolou a cédula de votação. E, para não falarem que o Iraque é uma ditadura, colocou quatro opções.
( ) amo o Saddam e quero que ele fique. ( ) amo o Saddam e quero ele mais sete anos. ( ) amo o Saddam e quero que ele continue no poder. ( ) amo o Saddam e não quero que ele deixe o poder.
Lá não tem esse absurdo de voto secreto (coisa de países subdesenvolvidos). As urnas ficam em praça pública e câmaras filmam a opção do eleitor, que antes de votar entrega aos mesários (soldados com metralhadoras) o documento de identidade, cujo número é anotado na cédula (coisa de primeiro mundo).Se Abdullah fosse o marqueteiro do Serra certamente bolaria uma chapa mais ou menos assim (O TSE seria convencido a deixar de lado as confusas urnas eletrônicas).
( ) quero o Serra porque ele vai fazer tudo que FHC fez, principalmente perambular pelo mundo. ( ) não quero o Lula porque ele vai mudar o país e acho bom do jeito que está (adoro ser desempregado e passar fome). ( ) quero o Serra porque ele vai vender o resto do patrimônio público. ( ) não quero o Lula porque ele vai gerar empregos e acabar com a miséria (inclusive o cenário romântico dos barracos de papelão das favelas). ( ) quero o Serra porque ele vai vender a Amazônia( acho besteira ficar cuidando de mata). ( ) não quero o Lula porque ele vai dar um chute nos corruptos e deixar os coitadinhos sem nada para fazer.
Pronto. Seria impossível o candidato da "mudança sem nada mudar" não vencer a eleição.
Os marqueteiros do Serra não ligaram para pontos que certamente não acham importantes em uma campanha presidencial; o conhecimento do país, de suas necessidades, os anseios da população, os eternos problemas causados pela seca, pela falta de habitação popular, postos médicos, escolas, segurança e por aí vai. Como alguém pode falar sobre a miséria e a fome se não conhece, por exemplo, o sertão e as favelas ? E o povo sabe distinguir a realidade da mera teoria acadêmica.
Já as baixarias, certamente tidas como regras essenciais de uma campanha para presidente da República, foram (e estão sendo) competentemente exploradas, como é o caso de insistir em diplomas e títulos, como se os grandes homens da história os tivessem. Abraham Lincoln, considerado um dos melhores - talvez o melhor - presidentes dos EUA era de uma família muito pobre e não tinha essas besteiras de canudos. Se diploma resolvesse alguma coisa o Brasil não teria milhões de pessoas vivendo (sobrevivendo é uma palavra melhor) na mais completa miséria. Não teria jovens vagando pelas ruas, sem nenhuma esperança de conseguir um emprego e pais desesperados por não poder dar o mínimo aos filhos. E nos nossos últimos presidentes pode ter faltado tudo, menos pose e canudos.
O marketing político vem passando por transformações radicais. A princípio atuava como uma espécie de "serviço de inteligência" do candidato. Informava sobre necessidades de Estados, cidades, bairros etc, anseios da população, intenções de votos, datas especiais e por aí vai. O exemplo clássico é o candidato, antes de visitar determinado povoado, receber informações sobre problemas básicos (energia elétrica, água encanada, condições das ruas, escolas, postos médicos, policiamento etc). No momento do discurso, ou em conversa com moradores, teria condições de mostrar intimidade com eles e dizer como pretendia resolvê-los. Mas se o candidato usava as informações para enganar o eleitor,a exemplo de falsas promessas, aí já é análise para outra ocasião.
O profissional que trabalhava com o marketing era chamado de consultor ou assessor, e passou a ser o atual marqueteiro, que, principalmente para quem não é da área, chega a ser um nome pejorativo, porque está ligado ao "fazer qualquer coisa para vencer a eleição”. Ocorre que muitos profissionais atuam de forma ética e não aceitam utilizar baixarias.
Vasculhar a vida pessoal (inclusive dos familiares) de candidatos adversários virou fato normal. Esses "profissionais" acham que é de suma importância divulgar , por exemplo, que o adversário do contratante, transou, aos 15 anos de idade, com a empregada doméstica, ou que experimentou um cigarro de maconha aos 16 anos de idade.
Às vezes, a baixaria cola, mas para os eleitores menos esclarecidos e politizados (e mesmo assim aumenta cada vez mais o número de pessoas que não ligam para tais besteiras).
Gilberto Mestrinho disputava o governo do Amazonas e seus adversários o apelidaram de boto, que, de acordo com a lenda amazônica, em certas noites vira um jovem bonito e engravida moças. O objetivo era mostrar ao eleitor que o candidato era mulherengo.
O tiro foi no pé. Mestrinho foi à televisão e perguntou: "vocês querem um governador frouxo?". Venceu a eleição.
Cuidar da aparência do candidato é tarefa do marketing e nada tem de manipulação. Se para ir, por exemplo, ao supermercado ou à academia de ginástica as pessoas cuidam do visual, por que um candidato não pode cuidar da roupa, do cabelo, da barba, dos dentes? Quem não cuida bem de si, vai cuidar do quê, se a nossa maior riqueza é o nosso corpo?
O marketing ético e sério é importante em qualquer atividade, porque o seu objetivo básico é unir duas partes; uma que tem algo para oferecer e mostrar e outra que precisa ou deseja. O de baixarias talvez esteja com os dias contados, porque não está dando certo.
O povo pode até demorar, mas acaba aprendendo a separar as duas coisas.