Fazer política e plantar cana

Na sessão do Conselho de Governo do dia 12 de setembro de 1826 o presidente da província de Sergipe, Manoel Clemente Cavalcanti Albuquerque, percebeu que a realização das reuniões naquele mês estava complicada. O motivo: a ausência da maioria dos conselheiros. Antes que o leitor confirme a suspeita – justificadíssima – de que os políticos brasileiros, desde a mais remota época histórica, não gostam de trabalhar, consta na ata de uma reunião posterior, generosamente transcrita por Epifânio Dória no volume II, página 340, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, de 1914, a explicação da falta de seus membros: “uns por doença, outros por impedimentos vários”.

O presidente reconheceu que a causa era “ser a quadra atual aquella em que mais necessitam os proprietários de engenhos estarem a testa das suas propriedades para providenciarem o preciso para o seu andamento”. Combinou-se, então, que as reuniões aconteceriam em fins de outubro, quando “todos” ficariam livres do gerenciamento dos engenhos em moagem, conciliando “deste modo com o bem geral, e a determinação da Lei, o bem e o cômodo particular de cada um dos membros do mesmo Conselho”.

Isso nos remete a organização administrativa brasileira logo após a Independência. Cada província do Brasil passou a ter um Conselho de Governo, também chamado de Conselho da Presidência, formado por seis conselheiros eleitos na localidade com a função de assessorar o presidente da província, cargo indicado pelo governo central. O Imperador nomeava também o Comandante de Armas e o Secretário, que participavam das reuniões. Em Sergipe, o primeiro presidente, Manoel Fernandes da Silveira, tomou posse no governo em março de 1824 e o primeiro Conselho do Governo começou suas atividades em junho desse mesmo ano.

Havia ainda o Conselho da Província, que em Sergipe, por ser província menos populosa, deveria ser composto por 13 membros eleitos. Com sessões a cada dois meses, cabia aos conselheiros tratar de assuntos de interesse local e tomar decisões visando sua prosperidade: “fomentar o desenvolvimento agrícola, comercial, industrial, educacional e sanitário, estabelecer novas Câmaras e abrir estradas, catequizar índios e facilitar a lenta emancipação dos escravos” (art. 24 da Constituição Política do Império de 1824). Trata-se, grosso modo, da origem do poder legislativo no Brasil (embora não pudesse elaborar leis, era um órgão representativo eletivo), uma vez que foram transformados em Assembleias Provinciais pelo Ato Adicional de 1834, vigorando assim até 1891, quando, pela constituição republicana, foram alteradas para Assembleias Legislativas Estaduais e seus membros passaram a ser chamados de deputados.

Lá no Império, o presidente da Província, com o Conselho da Presidência, deveria articular sua administração com esse órgão, para juntos, formarem o poder provincial. O interessante é que no Brasil, após a separação de Portugal, criaram-se instituições inspiradas em princípios modernos e liberais (representatividade, divisão de poderes e eleições) aos quais se acrescentou a necessidade de instalação de órgãos que viabilizassem a participação dos indivíduos na vida política e social na província, demanda das elites que acompanhou todo o processo de nossa Independência. Nossa cultura política oitocentista bebia na fonte das ideias liberais e, mesclada às heranças coloniais, intentou-se criar um Estado centralizador que permitisse a participação controlada das lideranças políticas regionais no governo. Se funcionou conforme o plano, já é outra questão.

O relato sobre os motivos das faltas nas reuniões e a solução combinada nos mostra a efetividade da já conhecida comunhão de interesses do governo imperial e da aristocracia rural. Fornece pistas sobre a coesão interna na elite sergipana visando criar um quadro de estabilidade institucional necessária para a prática governativa. Em troca do apoio ao projeto monarquista do sudeste, ela compartilhpu dos mecanismos legais para manter controladas as disputas políticas locais e a movimentação de grupos sociais “perigosos” – pobres e escravos -, excluídos da participação política oficial ou da contemplação de direitos na organização do novo país.

Para a elite oitocentista dos vários cantos do país, essa importante negociação lhe pemitiu dedicar às atividades econômicas na busca da prosperidade material e participar do governo por meio de órgãos locais de representação política. Construir a nação sem sobressaltos de convulsões sociais ou o perigo de guerra civil. Não deve passar desapercebido que, em Sergipe, governar a província, na modernidade da construção do Estado Nacional brasileiro, era fazer o arranjo entre o bem geral, o interesse particular e a determinação da Lei. Enfim, fazer política e plantar cana. Com tranquilidade.

Edna Maria Matos Antônio é professora do curso de História da Universidade Federal de Sergipe. Membro do grupo de pesquisa Poder, cultura e relações sociais na história (CNPQ/UFS). O texto resulta do projeto de extensão em desenvolvimento “O poder legislativo de Sergipe no Império: documentação e memória” e integra as colaborações feitas à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS)

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