A Ponte e o Imperador

Lá está ela, olhando atenta o horizonte e remoendo saudades do Imperador que foi a razão de ser da sua existência. Lá está ela, a velha Ponte, assentada na margem do rio Sergipe, pescando lembranças nas águas claras do passado. Lembrava-se, como se lembram as eternas enamoradas, de que foi feita exclusivamente para ele e de como se preparou para recebe-lo pela primeira vez: estava coberta com um tapete de baeta azul, como um vestido costurado sobre seu corpo de madeira; adornada com dois torreões castelares, como um par de brincos a enfeita-la e um arco elíptico, como um refinado diadema, e assim toda formosa estendeu os braços de escada até as águas do rio para aguarda-lo. A multidão se juntava curiosa, autoridades civis envergando seus melhores trajes e militares, exibindo os seus uniformes impecáveis, esperavam Sua Majestade Imperial. As senhoras e senhorias enfileiradas faziam uma dissimulada competição de moda e elegância. Todos, ansiosos, aguardavam a presença do Imperador. Mas… muito mais do que todos, a Ponte intacta; ela sorria o sorriso das virgens que se oferecem prazerosamente como fruta apetecida e na singeleza da sua estrutura de madeira, ganhava, naquele momento, a importância de uma Imperatriz. E ele chegou… chegou no dia 11 de janeiro de 1860, a bordo do navio Apa que vinha acompanhado por uma procissão de brancas espumas. O Presidente da Província, Manuel Cunha Galvão, estava orgulhoso com a visita de S. M. o Imperador D. Pedro II, que a bordo de uma embarcação menor, se aproximava da Ponte, e ela, trêmula de emoção, oferecia seus braços de escada para recebê-lo. Ele chegou com o uniforme de Almirante, entregando-se ao primeiro degrau, e aos poucos foi desfrutando cada centímetro da Ponte disponível acariciando-a com passos lentos e cadenciados e só após conhecê-la com intimidade, prosseguiu obediente aos rituais da visita a Sergipe Del Rey. Por fim… a partida. Centenas de lenços brancos acenavam e a velha Ponte suspirava sentindo os passos do Imperador macerando seu corpo numa cadência melancólica, recebendo no último degrau, o abraço da despedida. Viu, chorosa, o navio imperial se afastando com seus gritos rouquenhos, assustando as garças que saíram em revoada, como lenços brancos tremulando soltos no espaço. O imperador D. Pedro II partiu, mas a Ponte saudosa ficou escutando as lamúrias das folhas dos manguezais, fustigadas pelo vento, e o silêncio das ruas desertas, cobertas de lembranças e saudades. Abandonada no velho rio Cotinguiba sentia-se esquecida, solitária, com seu corpo de madeira sendo maltratado pelas mãos fortes do tempo. A Ponte maltrapilha estava entregue à própria sorte, como uma indigente, comovendo o Presidente Dr. José Pereira da Silva Moraes que, em 1867, a socorreu ordenando a sua reparação com pilares de pedra e cal vigame e lastro de ferro. Ela se reconfortou com as novas vestes, mas seu coração ainda era o da velha Ponte de madeira… a Ponte do Imperador. O tempo não parou de persegui-la e deu mostras da sua perversidade açoitando-a como um verdugo, até coloca-la na penosa condição de ruínas. Respeitando sua origem nobre o Presidente do Estado, Dr. Josino Menezes, em 1904, mandou buscar na Inglaterra uma estrutura metálica para vesti-la com nobreza. Presenteou-lhe, ainda, com lampiões para se postarem como soldados vigilantes, afugentando as noites escuras, e bancos de ferro, servindo de assento aos casais de namorados, para entretê-la com suas sinfonias de sussurros e de segredos intermináveis. Com o passar dos anos cobriram-na com outras vestes e lhe colocaram novos adereços procurando adequá-la ao modismo arquitetônico da época, ou à realização de eventos, como as comemorações do Centenário da Emancipação política do Estado. Por diversas vezes alteraram o seu nome: ponte metálica ou Ponte do Presidente, ponte do Governador, mas a partir de 1939, através do Dec. Lei N. 26, da Prefeitura, reconheceram seu verdadeiro e definitivo nome: Ponte Imperador Pedro II, porque fora feita para ele ou, simplesmente, Ponte do Imperador porque assim o povo a identificava. Lá está ela no seu silêncio de pedra escutando canções de velas e ventos, vigiando as embarcações que passam arrastando seus cascos pelo rio Sergipe, na esperança de rever a nau do Imperador. Lá está ela aguardando as gaivotas para saber se trouxeram alguma mensagem, como servidoras do correio imperial. Cada piado das aves que por lá passavam, procurava decifrá-los, para saber se era dele… de Sua Majestade que falavam. Lá está ela definitivamente encravada no centro histórico, integrando a paisagem urbanística de Aracaju; lá está ela como um símbolo, como um marco, como um monumento; lá está ela com o corpo rejuvenescido de ferro e cimento, mas com o espírito da velha ponte de madeira… a Ponte do Imperador. Autor: Guima / Estácio Bahia Guimarães 1º colocado no 2º Concurso de Crônicas sobre a cidade de Aracaju

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