O debate promovido pela OAB a respeito da transposição do rio São Francisco foi finalizado com muita confusão. O primeiro a falar foi o governador João Alves Filho, que tinha uma viagem marcada para fora do país. Apesar de encerrada, a reunião não foi marcada por nenhuma deliberação, apenas explanações dos dois lados. Em junho, será realizado outro debate para encerrar a questão, e, da próxima vez, espera-se que os ânimos estejam mais calmos. Foto: José Cruz (ABr)
“Através da OAB, conseguimos o diálogo que nós não tivemos com o Governo Federal”. João Alves esclareceu um ponto que ficou “mal explicado” durante sua primeira fala a respeito do ministro Ciro Gomes. Alves disse ao ministro que tem uma profunda admiração por ele e não quis dizer que havia interesses eleitoreiros por trás da insistência da realização do projeto.
“Esse é um projeto fundamental”, disse o governador. Para ele, a questão da seca realmente merece atenção, mas não da forma como vem sendo levado pelo Governo Federal. Um bom exemplo do “atabalhoamento” do Governo foi a construção da Transamasônica, que segundo Alves, foi feita com a desculpa de querer “ajudar os nordestinos”.
“O semi-árido é viável. Os maiores produtores de alimentos do mundo estão no semi-árido. A sobrevivência nesse ambiente não passa apenas pela água. Na Índia, eles desenvolveram o que convencionou-se chamar de convivência com a seca”, esclareceu.
Alves chamou o projeto de “Nova Transamasônica” e, segundo ele, causará um grande desastre, que envolverá não apenas milhões de reais, mas a desgraça de milhões de nordestinos, principalmente para Sergipe e Alagoas, Estados da foz do rio. “O que eu pessoalmente defendo é uma hierarquia de soluções: primeiro a revitalização, o que é essencial independente de transposição; segundo, o equacionamento dos recursos hídricos”, apontou.
Outras soluções colocadas pelo governador foi a construção de adutoras como alternativas à construção do canal que vai retirar água do rio. Por fim, a transposição ,que seria o último recurso. Para demonstrar sua repulsa ao projeto, Alves afirmou ter rompido relações partidárias com o Governo Federal.
CIRO GOMES – Em seguida, foi a vez do ministro Ciro Gomes. Ciro, que iniciou o debate, fechou a discussão dizendo que uma das pretensões do Governo Federal é procurar uma fórmula no sentido de conciliar os interesses da população. “Entretanto, não posso deixar de dizer que pontos houve em que me deprimi. Pontos houve em que fiquei indignado. Ainda não aprendi, mas vou aprender a ficar calado quando o meu pudor não deixar”, disse Ciro falando a respeito do momento em que irrompeu Foto: José Cruz (ABr)
“Algumas coisas intoleráveis não podem ficar sem serem respondidas. Esse projeto tem sido discutido desde o primeiro dia de governo do presidente Lula”, explicou. Ciro disse que o vice-presidente José Alencar, que iniciou a discussão do projeto, procurou e tratou pessoalmente com o governador João Alves.
Nesse ponto, foi a vez de João Alves interromper o ministro para dizer que as propostas de Alencar não foram seguidas conforme foram colocadas durante o encontro. “Da forma como o projeto está sendo colocado, eu jamais discuti com o vice-presidente. As idéias que ele apresentou estão absolutamente desconectadas com este projeto que está sendo apresentado pelo presidente da República”.
Ciro rebateu, informando que todas as modificações feitas no projeto foram feitas a pedido dos Estados que fazem parte da bacia doadora, no caso, Sergipe, Bahia, Alagoas, Minas e Pernambuco.
O debate, que quase não aconteceu, uma vez que Ciro e João só falaram uma vez, começou, na verdade, no final. Depois de ter sido interrompido pelo governador do Estado de Sergipe, Ciro limitou-se a responder que iria voltar a sua linha de raciocínio e que ainda estava “no início da resposta aos absurdos que não podem ficar sem resposta, um dele o governador do estado de Sergipe, do PFL. O que me indignou foi a acusação de falta de democracia e diálogo. No nosso governo, isso não pode”.
Ciro disse que ouviu aberrações tais como as de que o ministro do STF não faz justiça no Brasil, acusação feita por Almeida Lima. Ciro deixou que Lima fizesse um aparte e logo depois explicou que sua contra resposta foi outro absurdo, novamente repetido.
Outros “absurdos” seria a questão do início da discussão do projeto, iniciado, segundo ele, em 2003. “Insinuar, ainda que com o carisma e simpatia adorável deste grande senador brasileiro, Antônio Carlos Magalhães, dizer que há envolvimento de empreiteiras no processo é outro absurdo que não pode ficar sem resposta”.
Recheando seu discurso de ironia, Ciro Gomes continuou atacando os pronunciamentos de cada um daqueles que foram contra o projeto de transposição. Depois de dizer que ACM praticamente “plantou” uma idéia de que não seria verdadeira, Ciro disse que há um profundo charlatanismo e que há “ou uma profunda e leviana posição a respeito dos dados técnicos ou há algo errado aqui”.
Uma a um, os senadores e deputados que anteriormente haviam tomado a tribuna, foram se acomodando perante o discurso de Gomes. Sem perdoar nenhum dos pronunciantes, ele disse que os contestadores dos argumentos técnicos, deveriam se despir das paixões e espírito patriótico em um momento em que se trata da resolução do problema de milhares de “miseráveis nordestinos”.
Ciro foi interrompido várias vezes por parlamentares que tentavam a todo momento argumentar face às respostas de Gomes. Depois de um determinado tempo, não se entendia mais o que era falado. A desorganização tomou conta do debate e Ciro disse que “o assunto deveria ser tratado com serenidade e equilíbrio”.
Almeida Lima ainda tentou, novamente, argumentar com o ministro, que a esta altura, estava tomado por um espírito discursista . “Frases como aquela não podem ficar sem resposta, de que o Rio São Francisco vai secar. Não se pode afirmar isso, isso é terrorismo. O projeto que estamos discutindo não começou. Não há nenhuma providência física. Licitação não altera vazão de rio”.
CONFUSÃO – O auge de toda a celeuma foi quando o senador Antônio Carlos Magalhães fez o seguinte questionamentos: “O ministro fala por último, fala o que quer e temos que aceitar tudo?” Nesse momento, o plenário foi abaixo. Todos aplaudiram o senador.
Ciro, tentando se aclamar, respondeu que “se alguém quiser classificar o mérito de um argumento pela ordem de quem alguém fala, por favor, desconsiderem todos os meus argumentos”. João Alves aproveitou a entrada para perguntar: “E quanto a mim?”. Sem muita paciência, Ciro Gomes atribuiu ao governador a técnica de interromper ciclicamente o palestrante para desorientá-lo e fazê-lo perder sua linha de raciocínio.
Sobre o relatório de impacto ambiental, segundo o ministro, foi enviado um ofício formal a todos os governadores de Estado comunicando o relatório de impacto ambiental e o estudo que o suporta. O ofício, disse ele, também pediria críticas, reparos e sugestões. “Até a presente data, nenhum governo estadual respondeu a esse ofício. Convocamos 18 audiências públicas. Conseguimos fazer cinco. As outras foram impedidas fisicamente”, explicou.
JANELA – O debate foi considerado bastante produtivo pela maioria dos presentes e serviu de janela para a colocação de várias exposições. Entre posicionamentos contrários e a favor, espera-se que o debate possa surtir algum efeito concreto. Apesar disso, muitos ainda colocam o pé atrás em relação ao Governo Federal e já acreditam que a transposição já está acontecendo, mesmo que aos poucos.
O presidente nacional da OAB, Roberto Busato, anunciou que o Conselho Federal da entidade decidirá, na sessão plenária de junho próximo, o posicionamento da entidade sobre o projeto do Governo Federal. Na ocasião, foi designado relator da matéria, na OAB o conselheiro federal do Paraná, Edgar Luiz Cavalcanti de Albuquerque.
Por Wilame Amorim Lima
Da Redação do Portal InfoNet