Referendo vai contribuir para o desarmamento no Brasil?

Em 23 de dezembro de 2003, era publicada no Diário Oficial da União a Lei 10.826 do dia anterior. A Lei ganhou o nome popular de “Estatuto do Desarmamento” e precisou ser regulamentada por decreto logo depois. O governo federal constituiu, então, uma comissão especial para elaborar o texto do decreto, que foi necessário porque alguns artigos não eram auto-aplicáveis, como por exemplo o teste psicotécnico para a aquisição e porte de armas de fogo.

 

Muitos ainda não sabem bem o que é o tal Estatuto, mesmo estando às vésperas de um referendo em que terão que decidir se aprovam ou não a comercialização de armas de fogo no Brasil. De acordo com o Ministério da Justiça (MJ), a principal regra da lei é a proibição do porte de armas por civis, com exceção para casos onde há ameaça à vida da pessoa.

 

A regra estabelece que o porte de armas terá duração previamente determinada e estará sujeita à demonstração de efetiva necessidade. O porte poderá ser cassado a qualquer tempo, principalmente se o portador for encontrado com a arma em estado de embriaguez ou sob efeito de drogas.

 

Porém, o estatuto já previa que em outubro deste ano, o governo deveria propor um referendo popular para saber se a população concorda com a proibição da venda de arma de fogo e munição em todo o território nacional. Para  surtir o feito esperado, o de diminuir o número de vítimas por armas de fogo no Brasil, uma característica chama a atenção: o estatuto torna as penas mais severas e aumenta os custos de se comprar, possuir ou portar arma de fogo.

 

REFERENDO – Um dos principais instrumentos para se decidir sobre a venda de armas é o referendo, mas antes, é bom deixar claro o que significam “porte” e “registro”. O registro é o documento da arma, ele deverá conter todos os dados relativos à identificação da arma e de seu proprietário. Esses dados deverão ser cadastrados na Polícia Federal ou no Comando do Exército. O porte é a autorização para o proprietário andar armado.

 

O referendo será realizado no dia 23 de outubro, ocasião em que o eleitor deverá responder “sim” ou “não” à pergunta: o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?. Os moldes serão os mesmos que os de uma eleição comum, para presidente, por exemplo. O cidadão votará em sua zona eleitoral e a urna eletrônica também será utilizada.

 

Quem estiver fora da zona no dia do referendo deverá se justificar nos postos de votação, das 8 às 17 horas. Os locais dos postos de justificativa serão divulgados no período de propaganda que antecede o referendo. Os brasileiros que moram no exterior não poderão votar.

 

Mesmo que a venda de armas seja permitida, ainda assim o porte está restrito a integrantes das Forças Armadas, policiais, agentes de inteligência e agentes de segurança privada. Civis só poderão carregar artefatos de fogo com porte concedido pela Polícia Federal.

 

POSICIONAMENTO – É justamente nesse ponto que reside o problema do referendo. Muitas pessoas são contra a proibição porque querem ter o direito de comprar uma arma de fogo como forma de proteção. Já os que estão a favor da proibição do comércio se sustentam justamente no argumento de que com o menor número de armas circulando, os índices de violência podem cair bastante.

 

Entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já formalizaram seu apoio à campanha, disponibilizando, inclusive, orações para a entrega das armas e organizando mutirões nacionais de entrega de armas. “A CNBB tem participado das reuniões de preparação da Campanha de Desarmamento e manifesta sua aprovação para com esse empreendimento porque ele contribui para a promoção da paz”, explica o site da Conferência.

 

Outros órgãos, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SE), não possuem um posicionamento total, deixando que cada seção estadual decida se apóia ou não a proibição da venda de armas. A seccional sergipana, por exemplo, divulgou o seguinte texto: “Defendemos o desarmamento por diversos fatores. Não que o sim, no referendo, resolva o problema da violência. Não é isso. Mas cria uma nova filosofia de combate à violência. Primeiro, nós não podemos transferir ao cidadão a responsabilidade de se auto-defender da violência, o Estado é que tem que assumir isso. É para isso que pagamos impostos. O sim pelo referendo resolve, ou minora, alguns homicídios circunstanciais, acidentais, que ocorre entre entes familiares, entre amigos, crimes passionais, crimes de trânsito”, disse.

 

Foram favoráveis ao desarmamento as unidades de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo, Sergipe e Tocantins. Se disseram contrários à medida as seccionais do Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Roraima e Santa Catarina.

 

SERGIPE – No dia 2 de setembro, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, comemorou os resultados da Campanha do Desarmamento, realizada em todo o Brasil. Esta teve por objetivo combater a violência e tentar instituir “uma cultura de paz no país”, segundo o MJ. Até o dia 22 de junho de 2005, foram entregues à Polícia Federal e ao Exército um total de 342.303 mil, sem contar com as armas entregues às polícias estaduais.  

 

Sergipe se destacou no processo com uma queda nos índices de homicídio comparados com os números de 2003 e 2004. No Estado, a média registrada foi de -17,1%. Em uma entrevista recente, de acordo com Kércio Pinto, superintendente da Polícia Federal Estadual, “está incutido na nossa cultura, principalmente a nordestina, a idéia de que a arma é meio de defesa. Há, também, a presunção de que estaremos sempre protegidos portando uma arma de fogo, mesmo que esteja dentro de um cofre. Cerca de 70% dos crimes são causados por brigas rotineiras, acidentes em casa, fatores minúsculos”.

 

O policial é um dos maiores defensores do processo de desarmamento no Brasil, e afirma que a maioria das pessoas que possui uma arma, ou nunca soube atirar, ou guardam o objeto em locais de difícil acesso, que não poderia ser alcançado em caso de confronto com bandidos. Kércio revela que apenas 20% dos casos de mortes e ferimentos causados por armamentos são em confrontos com bandidos.

 

DADOS – Segundo o MJ, a campanha a favor do desarmamento detectou uma redução de crimes ligados diretamente ao porte de armas ilegal. A redução foi verificada em 18 Estados e mesmo naqueles onde a taxa de mortalidade cresceu, ela foi em menor escala do que nos anos anteriores. As maiores variações percentuais foram registradas no Mato Grosso (-20,6%), São Paulo (-19,4%), Sergipe (-17,1%), Pernambuco (-14,5%) e Paraíba (-14,4%).

 

Para chegar aos números, fez-se uma comparação em relação ao ano de 2003. Em todo o Brasil, estima-se que 3.234 pessoas deixaram de morrer. A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) apurou que no ano passado foram 36.091 mortos por arma de fogo. Em 2003 foram 39.325, uma média de 108 pessoas por dia, nove a cada duas horas.

 

QUESTÃO DO MÊS – Durante o mês de setembro, o Portal InfoNet colocou à disposição dos internautas a mesma pergunta que será feita durante o referendo. O resultado foi que a maioria dos participantes pensa que o desarmamento do cidadão não diminuirá a violência no país e que a caça às armas em poder dos bandidos traria melhores resultados.

 

Ainda na mesma pesquisa, a maioria dos votantes afirma que a educação deveria ser a prioridade do governo. “Temos países na Europa onde o comércio de armas é permitido e, no entanto, o índice de criminalidade é infinitamente menor que no Brasil, isso porque lá existe uma política de segurança decente e eficiente, diferentemente do Brasil. O desarmamento da população civil como forma de reduzir a criminalidade é um equívoco, visto que os marginais continuarão em posse de suas armas”, afirma um dos internautas. Para ver o resultado completo, clique aqui.

 

 

Alguns dos números apurados

 

O desarmamento do cidadão de bem diminuirá a violência no país?
Sim: 20.10%
Não: 75.26%

 

O seu voto será pela proibição do comércio legal de armas?
Sim: 27.84%
Não: 67.53%

 

A caça às armas em poder dos marginais traria melhores resultados do que o desarmamento da população civil?
Sim: 78.87%
Não: 14.43%

 

 


A favor ou contra, o importante é que cada brasileiro pense bem no assunto antes de decidir pelo seu voto, afinal, o referendo é um instrumento de escolha que deve ser bem utilizado pela população. Pesquisar, conhecer os números e escutar os dois lados é fundamental para não se arrepender depois.

 

De qualquer maneira, somente maiores de 25 anos poderão comprar arma de fogo. O MJ diz que o maior número de perpetradores e vítimas de mortes ocorridas com o uso de arma de fogo é formado por homens jovens entre 17 e 24 anos. Portanto, a idade mínima para se adquirir e portar arma de fogo foi elevada de 21 para 25 anos.

 

Saiba mais sobre o assunto:

Desarme.org – www.desarme.org
Fundacion Ideas para la Paz – www.ideaspaz.org
Instituto Sou da Paz – www.soudapaz.org
Projeto Não-Violência – www.naoviolencia.org.br
Núcleos de Estudo da Cidadania, Conflito e Violência Urbana – www.necvu.ifcs.ufrj.br


Por Wilame Amorim Lima
Da Redação do Portal InfoNet

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