O Centro de Atendimento ao Menor (Cenam) deveria ser um espaço educacional, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas o imaginário popular costuma encará-lo como um depósito para adolescentes. Para Thiago Oliveira, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB/SE, as atitudes do próprio Estado ajudaram a criar essa imagem ao longo dos anos. Thiago Oliveira
Maria* prefere não se identificar, mas relata denúncias de negligência e violência cometidas em abril deste ano no Centro. “Em abril, os adolescentes relataram ao menos cinco espancamentos nas dependências do Cenam e da Unidade de Internação Provisória”, conta.
Ela, que tem acesso ao Cenam e aos internos, explica que os relatos dos jovens são sempre muito parecidos e não acredita que tenham combinado histórias, uma vez que estão em alas separadas. Eles relatam que durante os três primeiros meses do ano foram tratados como seres humanos pela primeira vez, mas em abril as coisas mudaram.
Maria conta que um grupo foi posto de castigo durante dez dias em um cubículo com o chão coberto de limo e um esgoto desaguando bem próximo. Para ela, os agentes de segurança, contratados após concurso público executado em 2006, não estão preparados para o trabalho que devem executar.
“O problema maior não são as fugas, elas sempre existiram e nunca o Ministério Público ajuizou ação [contra a Fundação Renascer] por causa disso”, acredita. Conceição Souza, presidente da Fundação Renascer, responsável pelo Cenam e por outras políticas para a juventude, preferiu não comentar as denúncias.
Sociedade civil
A presidente do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) Lídia Rego acredita que as unidades de internação, como o Cenam, não têm cumprido o seu papel. “O poder público não executa as políticas para a juventude excluída e a sociedade não se incomoda”, afirma. Lídia Rego
Lídia Rego afirma que as pessoas só se mobilizam quando o adolescente comete um ato infracional. “Nesse caso, o desejo da sociedade é de isolamento, de excluir mais uma vez aquele adolescente”, acredita. Ela, porém, não nega a responsabilidade do Estado no problema. “A violência se inicia no orçamento público que não prioriza a criança e o adolescente”, complementa.
Conceição Souza rebate afirmando que agora a criança e o adolescente são sim prioridade. Segundo ela, as políticas para a juventude foram abandonadas por muitos anos, o que causou um grande déficit de atenção do estado nessa área. A presidente da Fundação Renascer também aponta a falta de participação da sociedade como um problema a mais.
Em contrapartida, Maria aponta como atitude positiva da sociedade civil organizada o Fórum da Cidadania sobre o Cenam, promovido pela OAB no último dia 17. Segundo ela, após o debate, com presença de várias entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente, os internos relatam que a violência cometida contra eles diminuiu consideravelmente.
Passado e futuro
O Cenam já foi alvo de outras denúncias graves de violência contra os adolescentes, a última delas foi feita em março de 2006 pela OAB/SE e pelo Conselho Regional de Psicologia. Em todo o país foram feitas visitas pelos representantes estaduais das duas instituições, que traçaram um perfil das unidades de internação. Em Sergipe, foi constatada a superlotação e a completa falta de salubridade nas dependências do Cenam, além de indícios de violência cometida contra os internos.
Segundo Maria, os espaços continuam em situação ruim. Conceição Souza conta que uma das primeiras fugas do Cenam neste ano foi feita através de um buraco que adolescentes cavaram com o cabo de uma escova de dente, o que mostra a deterioração das instalações. Conceição Souza
A presidente da Fundação afirma, porém, que as atividades estão sendo inseridas no cotidiano dos internos. Uma reforma nas dependências do Cenam já está em andamento e o novo prédio da Unidade Provisória foi aberto no início do ano, acabando com a superlotação do Centro.
Medidas Sócio-Educativas
A medida de internação, como ocorre no Cenam, é a última a ser adotada contra um adolescente que comete um ato infracional. Antes dela podem ser adotadas a liberdade assistida ou a prestação de serviços à comunidade. Estas outras, porém, não existem em todos os municípios de Sergipe. Fato que acaba levando jovens que cometeram atos leves a serem também internados.
No ano passado foi criado o Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo (Sinase) com a intenção de unificar as políticas sócio-educativas e transformar as unidades de internação em espaços realmente educacionais. Baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, o Sinase ainda não saiu do papel.
Carta
Uma carta mostrada por Maria exemplifica porque o princípio norteador do Sinase é importante para as medidas sócio-educativas. Um interno do Cenam relatava que nos três primeiros meses desse ano foi, pela primeira vez, tratado como ser humano e isso teria trazido para ele esperança e vontade de mudar os rumos da própria.
* Nome fictício.
Por Gabriela Amorim
(Colaboradora do Portal Infonet)