Há muito que a legislação de trânsito no Brasil tenta controlar o consumo de bebidas alcoólicas por parte dos condutores de veículos nas vias públicas do país. Para não retroceder muito, no último Código Nacional de Trânsito (CNT), que vigorou de 1966 a 1998, o teor alcoólico impróprio aos condutores de veículos automotores era de 8 dg/l (oito decigramas de álcool por litro de sangue), prevista infração administrativa e contravenção penal para os transgressores da regra. No Código de Trânsito Brasileiro (CTB) esse limite foi reduzido para 6 dg/l (seis decigramas de álcool por litro de sangue), tanto para a caracterização da falta administrativa quanto da infração penal, erigida à condição de crime, cuja caracterização exigia, ainda, a exposição de terceiros a dano potencial.
Considerando, entretanto, a vertiginosa escalada do número absurdo de vítimas fatais produzidas anualmente pela “guerra silenciosa do trânsito” no Brasil, cujas publicações especializadas mais otimistas estipulam na casa das 30.000 (trinta mil), sem contar com as que têm alguma sobrevida, o tratamento legal até então conferido aos condutores alcoolizados parece não ter surtido muito efeito.
A contribuição de condutores alcoolizados para o estabelecimento dessa triste realidade, mesmo daqueles que se entendem “bebedores sociais”, é bastante evidente. Uma breve visita ao setor de traumas dos hospitais de referência das capitais brasileiras, durante as noites e madrugadas dos finais de semana (atualmente de quinta a domingo), é suficiente para tal constatação. Entre os mortos ou gravemente feridos, muitas vezes definitivamente condenados à vida numa cama ou numa cadeira de rodas, é muito constante a presença do álcool como determinante ou importante coadjuvante na história dos acidentes em que se envolveram.
Não é necessário recorrer a complexos relatórios estatísticos para demonstrar a lógica em que se fundamenta essa realidade. O álcool, mesmo quando ingerido em pequenas quantidades, é um forte inibidor dos medos, controles e cuidados do ser humano. Assim como uma única dose de destiladas (cachaça, vodca, wisky…) ou duas “inocentes” latinhas de cerveja são capazes de encorajar uma pessoa tímida a paquerar de forma mais atrevida e objetiva, também têm o poder de provocar comportamentos inseguros do condutor de veículos, motivando-o, por exemplo, a imprimir altas velocidades e realizar desnecessárias manobras ousadas e perigosas. Como se não bastasse, esse péssimo efeito para a segurança da direção é ainda potencializado pela redução do campo visual, retardamento dos reflexos e diminuição da capacidade de concentração do condutor, mesmo quando ingeriu quantidades “socialmente aceitáveis” de bebidas alcoólicas.
A atual proibição do uso de álcool para quem pretende dirigir, sem o estabelecimento de limites complicados de alcoolemia para a caracterização de tal incapacidade, é muito importante para tornar efetiva a nova norma na diminuição dos acidentes mais graves. Para compreender, entretanto, a vantagem proporcionada pela chamada “Lei Seca” (Lei nº 11.705/98), é imprescindível observar que quando uma pessoa começa a beber, por qualquer que seja o motivo, terá cada vez menos capacidade de avaliar sua própria condição para dirigir. A inequívoca proibição da bebida alcoólica para o condutor de veículos automotores, tem, por esse simples motivo, o condão de desencorajar a aventura do consumo até um determinado limite que, na vida prática, variava ao sabor do imaginário de cada motorista.
A nova norma, definitivamente, não proíbe o consumo de bombons licorosos, nem a utilização de anti-sépticos bucais ou determinados remédios. A margem de tolerância prevista no Parágrafo Único do Art. 276 do CTB, estabelecida pelo Decreto 6.488/08 em 2 dg/l (dois decigramas de álcool por litro de sangue), afasta tais possibilidades. Aliás, a quem interessaria ocupar a mídia com uma intensa polêmica sobre a pertinência da nova norma, com base na discussão dessas e outras questiúnculas aventadas?
Diante da inquestionável necessidade de se reduzir o absurdo número de mortos e sequelados pela violência no trânsito do Brasil, para o que se faz mister uma importante mudança cultural, a sociedade brasileira precisa, urgentemente, se unir em torno do firme propósito de fazer cumprir a nova Lei, exigindo do Poder Público a estruturação e o esmero dos órgãos responsáveis pela fiscalização ao seu fiel cumprimento.
Autor: Major Paiva, Major da Polícia Militar do Estado de Sergipe, Bacharel em Segurança Pública pela Academia Dom João VI/PMRJ – 1994, Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes/Aju/SE – 2000, Pós-graduado em Gestão de Segurança Pública pela Academia Militar do Bomfim/PMBA em associação com a Universidade Estadual da Bahia/Salvador – 2003 e Especialista em Trânsito Urbano pelo Esquadrão Águia/PMBA/Salvador – 2004.
Confira abaixo a opinião do advogado Maurício Gentil: