Quem passa pela rodovia estadual César Franco (SE 101) seguindo em direção ao município de Pirambu, a 30km de Aracaju, se depara com dezenas de barracos construídos com palha de coqueiro e madeira. Aos olhos desinteressados do cidadão comum aquele é o retrato de mais uma invasão de famílias sem teto. Mas quem se interessa em conhecer um pouco mais aquela comunidade – para além do que se vê na beira da estrada – acaba descobrindo uma história de luta, sofrimento e miséria. Vida na Ilha ficou insustentável e famílias buscam alternativa
As famílias que hoje moram no assentamento às margens da SE 101 durante décadas viveram em humildes barracos à beira do Rio
Japaratuba, que divide os município de Barra dos Coqueiros e Pirambu, tirando o sustento da pesca. A comunidade chamada de Ilha do Rato, onde vivem mais de 150 famílias, foi recentemente reconhecida como remanescente de quilombo e recebeu a denominação de comunidade quilombola Pontal da Barra. Barracos ficam às margens da SE 101 e chamam a atenção pela precariedade
Apesar da conquista do título, a vida às margens do rio ficou insustentável devido às inúmeras enchentes e a falta de perspectivas de melhorias. Os moradores da Ilha nunca viram chegar benefícios como saneamento, água encanada e energia ao local. “São mais de 30 anos de sofrimento e ninguém nunca fez nada, só promessas, como a de construir casas. Já cansamos de ser enganados”, afirmou o representante da comunidade Robério Manoel da Silva.
O estopim para deixar o lugar foi a última cheia ocorrida em
março. “Nunca pensei em invadir terra de ninguém, mas todo mundo tem direito a uma moradia decente e nós estamos lutando”, afirma um dos moradores da comunidade Josué Lima. Crianças vivem expostas numa área sem saneamento, água e energia
Ocupação
As famílias deixaram o local onde viviam há mais de 30 anos e ocuparam um terreno alguns metros adiante, aonde as águas do rio Japaratuba não chegam. A miséria e a precariedade ainda persistem, mas a opinião de todos é unânime: a vida no assentamento é melhor. “É melhor porque não molha o pé”, resume com simplicidae o tímido Douglas Santana, de 12 anos, que durante a vida na ilha acordava com os pés na água.
Muitas famílias construíram seus barracos no assentamento, mas ainda mantém a casa na ilha, como é o caso da dona Gildete Ferreira. “Estamos lá e cá para garantir um lugar para mim e para os meus filhos”, afirma a senhora de 63 anos e que vive na comunidade quilombola há 22 anos. Outras, cansadas de esperar por dias melhores, acabaram deixando a comunidade e vivem hoje de aluguel.
Mas, nem todo mundo teve a mesma sorte de dona Gildete ou a coragem de deixar suas raízes. Como é o caso de Terezinha dos Santos e de outras famílias que ainda convivem com água do rio batendo na porta de casa. “Não tenho material para
construir lá, tenho que ficar por aqui mesmo. Mas a situação está cada vez mais pior”, conta. “Nunca vimos benefício chegar por aqui. Vai tudo de mal a pior”, conta Josefa Lima, que assim como Terezinha ainda não deixou a Ilha. Dona Gildete diz que não se intimida com as ameças
Os que hoje vivem no assentamento já chegaram a ser ameaçados. “Chegou um homem dizendo que era dono dessas terras e que ia tocar fogo em tudo”, conta dona Gildete, que apesar da ameaça não se intimidou, assim como os demais. A posse da terra invadida está sendo reivindicada por uma construtora e corre na Justiça Federal uma ação de reintegração de posse, sem previsão para ser julgada.
Futuro Terezinha e Josefa ainda não conseuiram deixar a ilha
A esperança de melhorias daquela comunidade está depositada em órgãos federais como o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que segundo Robério, “abraçaram a causa”. “Se qualquer ato houver contra aquela comunidade, o Ministério Público Federal será implacável”, enfatiza a procuradora da República Lívia Nascimento Tinôco, responsável pela 6° Câmara que defende os direitos de índios, quilombolas e demais minorias.
Segundo Lívia, a comunidade sempre utilizou aquela área que hoje é reivindicada por uma construtora e que nunca teve nenhuma função social. Hoje a questão está sendo tratada na Justiça Federal e o MPF é quem vai atuar na defesa da comunidade. Paralelo a isso, o Incra vem trabalhando pela
demarcação daquela área como sendo da comunidade quilombola. “Vamos requer que a Justiça mantenha a posse daquela área com a comunidade”, afirma a procuradora, que irá utilizar o relatório do Incra como embasamento da sua defesa. Lívia Nascimento Tinôco vai requerer que a comunidade permaneca no local
No entanto, essa luta pela terra e por melhoria ainda não tem previsão de chegar ao fim. De acordo com a prefeitura de Barra dos Coqueiros, não há como fazer planos para aquela comunidade, por que eles estão numa área particular. O que tem sido feito é, segundo o secretário de Comunicação da Barra, Diego Gonzaga, um mapeamento das famílias e a distribuição de cestas básicas. A intenção de construir casas por parte da prefeitura existe, afirma Diego, mas “não adianta só dar casas tem que haver um planejamento maior”, conclui.
Por Carla Sousa