Ensaio sobre a solidão

Às vezes, nada é totalmente bom ou ruim quanto parece. Alienados são os homens que não conseguem encontrar em si a solidão de prosseguir seus caminhos sem olhar para os lados, desejando o contato desnecessário de quem não se precisa nada além do nada, para andar adiante. A solidão é uma questão ímpar no seio da sociedade capitalista, porque condiz necessariamente com o que é empregado para o consumo do muito. Quanto mais junto, maior será a compra, o gasto. Sabemos também que têm suas delícias o estar com alguém, é claro!

Não se cultiva mais a solidão exercida sob a vontade própria. Devemos sempre conviver com o outro para nos sentirmos completo? Quantos casamentos construídos de silêncio convivem em (des) harmonia completa por anos. Presenciei de perto um caso, onde ele e ela moravam juntos na mesma casa, mas, sem nenhum contato físico. Abrindo assim, o abismo silencioso trilhados pelos filhos que um dia formaram um belo casal.

A fotografia envelhecida da solidão amparada pelas histórias de um amor que iniciou e morreu sem aplausos. Foram assim, na maioria do tempo, as vidas do meu avô e minha avó. Duas pessoas sozinhas em plena casa, com quintal e tudo. Um modelo simples de solidão que durou aproximadamente 23 anos de convívio diário, mas que acabou como se nunca houvesse existido. A solidão dela em passar, cozinhar e servir a uma pessoa que nunca mais lhe dirigiu a palavra. A solidão dele em querer extrapolar o carnal e se relacionar com outras mulheres, mas por respeito àquilo que nem bem eles sabiam o que era mais, permaneceram juntos por décadas. Uma solidão de duas vias. Uma solidão inútil e nada produtora. Coitados.

Apenas a pessoas em si pode mudar o seu estado de solidão. O Budismo explica a solidão do ponto de vista do Nirvana almejado. Em silêncio conseguimos atingir o elevado porque se concentramos em nós mesmos. Uma visão poética do estar sozinho em si e para si, refletindo em melhoria para o que nos cerca. Os orientais não se sentem tão sozinhos quanto nós subdesenvolvidos criados entre carnavais e copas do mundo. Um monte de gente construindo um nada emocional.

Se pararmos para pensar um minuto sobre o que podemos ou não escolher, quando se trata de solidão, notaremos que as direções são claras. Ou produzimos ou paramos e lamentamos nosso estado de unicidade. Uma chatice emocional esse papo de solidão-paralisante. É normal ficar sozinho? É normal querer ficar sozinho? É normal ser rejeitado e ficar, sozinho? Sim, sim e sim. Todo tipo de solidão é normal. E melhora se não a tornarmos um monstro maior do que a imaginamos.

No estado de solidão consciente, a mente pode fazer concessões pessoais tão importantes que surpreende até os mais incrédulos. Aquele lance de querer e conseguir se torna mais fácil. A solidão que constrói é guerreira e nos faz crescer em contato com nós mesmos. A cultura atual foca a solidão como uma consequência do mundo tecnológico, isso é uma besteira tremenda. Porque ninguém que utiliza um computador para se coligar com outras pessoas está totalmente sozinho. Existem as relações familiares – transitórias dependendo da ocasião. Existem as ligações platônicas. Existem as correlações secretas. Não acredito muito em pessoas que se auto-intitulam tímidas. Odeio gente pública que se diz tímida.  Pelo amor de Deus. A timidez nada tem haver com um sentido visível ao outro. É algo mais intrínseco.

“A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo. E faz nossos relógios caminharem lentos. Causando um descompasso no meu coração”, quem não se lembra dessa canção? A solidão compõe o cancioneiro popular porque faz parte do íntimo do público. Do ser humano em si. Uma vez a cantora Marisa Monte deu uma entrevista à MTV onde ela transcorria sobre a solidão. Desde então fiquei filosofando em cima do dito. Era algo mais ou menos assim: mesmo cercado de pessoas ao redor, o ser humano é só. Ele morre só. Uma observação grandiosa dentro de um circo popular.

A carência é inimiga da solidão porque a faz menor e sem importância. Quem mais sofre por amor é quem mais se sente sozinho. Não fomos condicionados a aceitar sermos únicos. As mulheres, coitadas, são as mais sofredoras porque é cultural exigir o casamento, a procriação. O homem que é só pode assim o ser por opção. É visto assim. A dependência de alguém vislumbrada a partir dos olhos generalizados do público vai de encontro ao cerne do viver em solidão.

Existem aqueles que constroem castelos e os que se sepultam quando se sentem sozinhos. Cabe decidir o caminho a seguir. Encerro essa discussão, com a frase do pensador Luc de Clapiers Vauvenargues ou Marquês de Vauvenargues (1715 – 1747) – escritor francês que teceu uma frase simples, mas, digna das mentes inquietas, quanto o tema: “A solidão está para o espírito como a dieta para o corpo, mortal quando é demasiada prolongada, embora necessária”.

Meu conselho: Saia e ande sozinho, por caminhos nunca antes pensados em andar. Se sinta sozinho para valorizar suas companhias. Adormeça sozinho para valorizar seu par, seus pares.

P.S: Só para constar, ontem eu tinha perdido este arquivo e me senti totalmente abandonado em meio à desconfiança de que alguém o tivesse apagado do computador, por engano (na melhor das hipóteses). Vi que a solidão se mostra no total despreparo que enfrentamos quando nos deparamos com uma situação inusitada e principalmente, desesperadora. Pedi ajuda de especialistas. Procurei no computador e cheguei à conclusão de que ninguém poderia me socorrer a não ser eu mesmo. Depois de tanto pensar e dar por encerrado esse assunto, acabei encontrando o texto, perdido numa pasta disponível na rede que interliga os computadores do meu trabalho. Publico-o aqui com a certeza de que fará a diferença em algum momento para alguém. Para mim. Mesmo sozinho, tive sorte!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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