O fim para algumas situações é inevitável. Sabe quando se tenta consertar um brinquedo complicado e não conseguimos, vai para o lixo o que antes dava prazer. Quem nunca fez isso? A separação (entre duas pessoas que estão emocionalmente envolvidas) é algo tão profundo que muitas vezes, cegos, inventamos brigas tolas sem necessidades para justificar o fatal. Creio que quando duas pessoas resolvem apostar seu tempo e criatividade na conquista em si acumula-se um conteúdo único, feito da profusão entre essas duas vidas. Vai sobrando motivos para continuar e assim quando menos se percebe, pronto: já existe um casal formado. Daí vive-se um dia de cada vez, uma novidade a cada dia e quando essa novidade acaba, porque alguém da dupla se cansou de procurar manter segurando o fio do novelo, chega o fim. Para a separação ser digna precisa vir de um grito dado por duas vozes. Um coro que mistura as vontades de antes em prol de um fim consciente. Não notamos com facilidade, mas para o fim ser glorioso cabe aos envolvidos saber com precisão a hora de sentar e colocar um ponto final com uma caneta nova, que não vá apresentar falhas nesse processo. Se sobrarem ainda telefonemas, mensagens SMS, vontade de encontrar é porque ainda não é o fim. O que pode significar um processo (tanto pro fim quanto para o prosseguir juntos), depende da situação. Conheço pessoas que só acabaram com brigas verbais e ou físicas – grandes feitos esses de acharmos que brigando acabaremos mais fácil. O contrário do amor não é a raiva, mas sim a indiferença. É preciso distinguir isso, se não vira uma confusão o separar. A indiferença a que me refiro não precisa ser o esquecimento do outro em si, de forma letal. Pode ser a indiferença perante as situações boas já vividas, isso já bastaria. Quando o presente não dá mais alegria e vivemos de pensar sobre o que tínhamos no passado, achando que isso basta, aí sim é a hora de se pensar em separação. Um relacionamento sadio não sobrevive do que passou. Sabemos que perder alguém que temos algum afeto, alguém que já dividimos nossa cama e beijos matinais (sem nem escovar os dentes), pode significar um processo parecido com o da morte. Sem dramas conceituais, a separação é por si só a morte de algo que existia: o sentimento. Em nossa cultura não somos acostumados a lidar com a separação, porque sempre buscamos no outro o complemento para algo que nem sabemos o que é, mas suspeitamos sermos nós mesmos. Essa tolice de achar que o outro precisa nos completar de forma honesta e digna caí por terra quando descobrimos que esse outro não tem responsabilidade para tal. Os que aceitam participar disso, sabendo que pode ser o alguém de alguém e vice-versa sobrevivem mais ao desgosto de uma separação, mas vivemos tempos de hedonismo e nosso prazer, nosso gozar é sempre mais importante que o respeito e o construir juntos. Perdemos grandes oportunidades em troca de rápidas separações. Pelo amor de Deus, não me julgue moralista, caro leitor, mas é que a separação hoje em dia perdeu seu status de situação última e ganhou ares de estrelismo juvenil, algo passageiro e indolor. Separa-se até porque a pessoa não consegue aceitar que o outro lhe tem amor, como se o amor fosse um mal, coisa que não o é! Voltando ao ‘indolor’, o sofrimento precisa fazer parte da separação (escrevo sofrimento e não loucura). Assim, são de domínio público as cinco etapas deste processo: negação, barganha, raiva, depressão e aceitação. Cada pessoa passa, em seu próprio tempo, por estes setores e mesmo misturando-os, em alguns momentos, os mais bravos superam a coisa e tornam-se seus próprios mestres. Pensei em descrever aqui cada uma destas cinco fases, mas acho que posso aproveitá-las mais fácil em outro ensaio, porque a morte também passar por esse mesmo processo. A desconstrução do amor, da paixão, precisa ser abertamente explanada assim como foi o construir da relação. A imagem de uma cobra com duas cabeças se encaixa perfeitamente aqui, pois ambos têm o antídoto para evitar a dor, cabe aos dois usá-lo no mesmo momento. Uma separação adulta requer apenas a verdade dos fatos. Quanto mais se engana, mais se machuca. O fardo de não querer atropelar as palavras solta-se durante o processo de separação, então a gente acaba falando mais do devíamos e silenciando-se pouco. Os separados morrem em busca de silêncio e matam para evitar morar dentro de si, preferindo se entregar às farras e casinhos fugazes, ao comodismo. Penso que existe a separação inevitável e a separação que achamos não ser ainda separação. Esta última é insuportável. Ela nos dar uma certeza infundada de que o amor ainda não acabou e precisa ser revisto de outro ângulo. O problema deste tipo de separação que não quer ser separação é que tudo fica redundante. As frases já escritas e ditas não têm mais tom amoroso de antes e as pessoas não conseguem ouvir que a repetição é uma forma de grito, de desespero para que o fim não seja agora. Os dois precisam trabalhar para que a separação seja um ato de amor e que vire outro sentimento (bom) ao final. Isso é muito difícil, mas conheço pessoas que se perdoaram e olharam nos olhos, direcionando suas vidas para o horizonte, prosseguindo felizes, juntas, mesmo separadas. O luto da separação precisa ser inventado por seus envolvidos! Para citar, o que a separação pode fazer com duas pessoas, em 1988 o casal de artistas Marina Abramovic e Uwe Laysiepen (conhecido como Ulay), resolveu dar outro significado ao fim de seu relacionamento de 12 anos. Cada um se posicionou de um lado da Muralha da China e passaram a andar sozinhos ao encontro do outro. Passaram três meses e caminharam 2.500 km, então se viram e se abraçaram, mas deram fim ao que tiveram um dia. Quem dera que toda separação virasse arte! Minha pequena arte, hoje (como você me pediu um dia), vai exclusivamente para você. Mesmo que seja uma separação eterna. Mesmo que seja uma separação provisória. É sua, aceite-a!
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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