Ensaio sobre o avião

19/09/09 (aproximadamente 23h50 e estou no ar, voando).

 

 

Sabe aquelas bobagens que dizemos sem pensar? Então, sempre disse que gostaria de morrer num acidente aéreo, mas agora que estou dentro de uma aeronave, tenho medo. Na verdade é mais receio, pois sei dos riscos. O homem nasceu para ficar com os pés no chão. Quem voa é passarinho, borboleta, morcego e o Superman, que precisa salvar o mundo. Acho avião algo engraçado, não mágico, pois existe muito estudo para que algo tão grande possa voar. Avião é de um poder absoluto.

 

Avião dá conforto, não tem vento no cabelo (mulher nunca gosta de vento no cabelo, mas todas dão escova para enfrentar um aeroporto, sempre bonitas, mesmo que seja um voo nacional). Ficamos sentados, com todo um aparato tecnológico avisando sobre nossa situação, e conseguimos em poucos instantes chegar de um ponto ao outro do mundo, passando por planícies e principalmente atravessando oceanos numa rapidez danada que chega a tirar o fôlego. É coisa séria, de gente grande e todo mundo sabe disso.

 

Sempre que viajo de avião, faço igual à viagem terrestre, peço janela e lado da sombra. Muito embora esta última solicitação seja sempre contrariada pelas manobras no ar. A janela me dar uma sensação de desconforto contemplativo, sabe? Ainda assim, acho que todo mundo deveria ter uma janela (todos na vida deveriam ter uma janela para ampliar suas perspectivas). É noite. Minha janela, agora, me oferece a visão da asa do meu avião que está em riste com suas luzinhas que piscam e me lembram do Natal na casa de amigos de minhas tias, pois lá em casa, nossa família nunca foi ligada às tradições natalinas. Desculpe se me perco no processo deste ensaio, mas é que tenho medo de voar, e em pleno ar minhas ideias surgem vagamente em sincronia com meu desespero.

 

É que sempre que o avião levanta voo, fico assim em silencioso pânico. Não existe ninguém para segurar a minha mão. Parece com aquela sensação de quando chegamos numa biblioteca gigantesca, onde nada pode quebrar o silêncio. Não é de bom tom conversar com um estranho demonstrando nosso desespero dentro de um avião. Não posso falar nada sobre nada com ninguém. Rezo um pouco. Por isso, os livros. Preciso ler enquanto estou voando. Hoje, ao invés de ler, resolvi escrever sobre minhas sensações.

 

A caneta que me proporciona isso foi uma gentileza, emprestada, de um comissário de bordo, que desconfio ser paulista pelo sotaque e pelos olhos puxados, meio japonês. Enfim…voar é quase que um pico na veia. Dá barato instantâneo. Deixa os ouvidos zumbindo e doendo por causa da pressão. Meu voo é perfeito porque a rota que faço mostra cidades, estados entre Porto Alegre-Rio de Janeiro-Sergipe. Estamos interligados de verdade, nada como olhar as luzes que vejo aqui de cima. Tudo parece um corpo humano cheio de linhas e grandes conglomerados. Só para constar, o piloto anuncia: 11.880 metros de altura. Gente, como a Bahia é grande! Ele estima o pouso para 00h40, muito embora estivesse previsto para 01h da manhã. Independente, agradeço o tempo mais curto no ar.

 

Não quero morrer hoje porque comprei livros que pretendo ler ao chegar em casa. E não seria agradável não consumir aquilo que ainda não paguei. Isso mesmo, estourei os cartões de crédito comprando livros, CDs e DVDs (são minhas futilidades, admito). Mas voltando ao voo, posso descrever aqui algumas coisas que observo de forma rápida: um panfleto contendo os códigos A319 e um desenho de um avião; uma revista com a Hebe Camargo na capa (numa pose meio Dercy Gonçalves e Brigitte Bardot na celebre foto tirada para uma capa de livro). Sempre achei a Hebe engraçada. Vive em apuros com seu contrato com o SBT, mas sabemos que seu patrão jamais a deixará na mão. Silvio gosta de suspense para criar fofocas, mas ao final aceita tudo e aumenta o salário dela. E apesar do texto da revista parece um tanto preocupado com a situação da Hebe, ela mesma aparenta uma felicidade danada em seu rostinho nada jovial. Gosto dela…

 

Voltando às minhas observações rápidas dentro do avião, vejo um senhor de boné dormindo. Ele bebeu cerveja e me deu uma puta inveja porque não tenho coragem para encher a cara e enfrentar um voo dando uma de Maysa que “bebe demais”. No meu serviço de voo pedi a velha Coca de sempre e me deram de quebra um pão com queijo e presunto. Algo um tanto sem sabor, nem surpresa, quase sem gosto. Mas quem quer viajar de estômago forrado deve comer antes de embarcar. É melhor, porque ninguém sai satisfeito pelo lanchinho servido. Eu por enquanto me contento em chegar vivo ao meu rumo, porque destino é algo que existe para ser alcançado.

 

Ao pensar sobre isso me vem à cabeça outra questão: quem morre em acidente aéreo não deve sentir muita dor. Acho se tratar de algo rápido, tipo bola de fogo no ar, iluminando o céu, que de noite vira um breu. Quando o avião ultrapassa os 12 mil metros do chão, não fica perceptível o que é céu e o que é chão, tudo é noite. De minha janela, me sinto um pouco conectado com o que deixei e com o que irei encontrar em casa. Sinto saudades de minha cama, onde posso roncar sem ser apontado e esquentar meus lençóis como quiser. Uso o avião como divã, serve para avaliar as coisas de cima mesmo. Ficamos mais pertos de Deus quando estamos sobrevoando as coisas pequenas dos sentimentos. Quanto mais alto a cabeça estiver, a consciência abre e tira o foco das coisas terrenas, nos dar outro nível de pensar, pois a qualquer momento isso pode despencar e começar um curto momento de agonia, gritaria e chororó. Prefiro o silêncio ao pânico que imagino existir antes do fim, na queda de um avião. Assim, prefiro olhar as coisas de cima e depois experimentar tocá-las. Ganham outro sabor, valorizo mais. Sempre chego de viagem feliz e cansado.

 

E quer saber do mais, vou me desdizer agora: avião é algo mágico porque nos dá a perspectiva de que apesar das turbulências, é preciso acabar com certos medos para sobreviver. Olhando para frente, esperando nem que seja a próxima rodada de lanche sem gosto, porém faz parte da vida as coisas sem graça também.

 

P.S: Esqueci de escrever que logo acima de meu avião, vejo estrelas. Nem maiores, nem menores, mas estrelas próximas de mim. Acho que isso deve ser um bom presságio pro futuro. Quero alcança-las, mas existe uma parede entre o avião e elas. Opto apenas por observá-las, pois tenho esse momento único comigo. Acho que vou sorrir um pouco quando as luzes apagarem na nave e ninguém poder perceber que estou bem. Aprendi agora que sorrisos também foram feitos pro nada. Não precisam ser contemplados sempre pelos outros. Apenas sentidos.

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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