Carta para Max

Aracaju, 23 de março de 2010

 

Pensei em você este dia. Um amigo que busca sempre a justiça em seus atos e ações certamente poderá compreender meus últimos dias. Max, tenho sido convocado para participar do Tribunal de Justiça nas últimas semanas e devo lhe confessar que a situação acabou mexendo com minhas atitudes e principalmente com meus pensamentos nos dias que procederam minha participação.

Acho que todo ser humano deveria participar de algo assim para conciliar a vida e entender o que significa a palavra julgar. Max, nós, os reles, somos acostumados a apontar direções aos outros, sempre criticamos sem nunca prestarmos a atenção devida nos detalhes – que são as manchas mais importantes da vida. O que mais choca num julgamento, não é o caso em si, mas o silêncio que somos obrigados a nos impor para que a coisa funcione.

Nossa identidade se perde em meio aos tantos sinais que recebemos do externo, por isso o júri deve permanecer calado, olhando pra frente, e mesmo para os mais deficientes de estrutura de raciocínio, isso provoca um entendimento de como a coisa se processa. Max, a seriedade criteriosa do linguajar jurídico ás vezes é algo bonito de se assistir, mas é claro que às vezes entoa nos ouvidos um asno por tanta retórica. Se bem que se algo fosse simplificado, certamente nossa justiça seria beneficiada. Ainda assim, meu caro amigo, tive que conter o soluço para participar de tudo que vi. Em todos os momentos não me senti apto a julgar, mesmo que o acusado tivesse disparado três tiros na cabeça de sua vítima.

Não quero aqui lhe assustar e me cobrir de um manto divino, não falo sobre religião, não cabe. Quem gosta de salmos devem ficar longe de algo assim. Participei de algo inédito em minha vida e saí achando a experiência um tanto positiva, por isso divido um pouco aqui nestas linhas.

Max, você me conhece e sabe que não sou um homem totalmente legal (em todos os sentidos). Já tive minhas recaídas e já sujeitei minha moral aos becos um tanto escuros e exclusos de nossa sociedade. Trabalhar com Comunicação e viver essa vida de extremos me proporciona conhecer mundos que assustariam os leitores. Talvez fosse apontado aqui, como alguém marginal e mesmo utilizando tudo para experiências de vida e profissional, não me sinto o melhor dos humanos para participar de um julgamento. Ainda assim tive que ir…

Amigo, a moral está relacionada aos costumes e somos convencionados a praticá-la da melhor forma possível. Os que quebram essa corrente são postos pra escanteios. Muito embora tenha dado chutes tortos por aí, sei que minha ética é corretíssima, porque como você, sou um homem que sigo meu coração. Tenho preceitos que não quebraria por dinheiro nenhum, nem por um grande amor.  

Conversando com outros jurados antes de ser escolhido, percebi que todos que são convocados pensam iguais. As pessoas não se sentem capazes de participar de algo tão drástico quanto é decidir a vida de outra pessoa. Tenho até receio de ser mal interpretado aqui e julgado por outros pensamentos que não os meus mesmo, mas se morrerei um dia é pela sinceridade que aprendi ser algo cultivado diariamente e não apenas em pequenos momentos. Por isso, comentários pobres não devem nunca ser comentados ou esmiuçados. Apenas ignorados!

Max, achei tão engraçado algumas observações que fiz durante o processo de escolha pro júri. Você sabia que as pessoas são selecionadas, mas apenas setes participam? Somos convocados em casa, temos a obrigação de comparecer e a partir daí são traçados os trâmites culminando com a escolha do júri através de um sorteio usando para isso uma urna de madeira de cor marrom escura.

Um medo. Após uma chamada de todos os nomes, são escolhidos os membros do júri que passam ainda pelo crivo de um promotor de justiça e um advogado de defesa que podem recusar a participação, por critérios que não entendo. Aceitos, eles sobem e sentam para o espetáculo – não me entenda mal amigo, mas falo aqui do cenário do julgamento. Um medo de tudo aquilo.

No decorrer de minha participação fui escolhido uma vez no sorteio e também fui dispensado por não ter sido sorteado, diga-se de passagem. Percebi que nada do que vi se assemelha ao que assistimos no cinema.  A cena dos advogados com pilha de papeis é comum. Max, sempre desconfio que muito papel seja sinônimo de coisa complicada e labiríntica, às vezes embromação.

Teve até um advogado que entrou parecendo um robô e tive vontade de rir. Num ambiente daquele, você quer chorar, correr, rir e até matar o acusado. Tudo se mistura e isso não me fez bem quando terminou o julgamento. Não gosto de sentir tantas coisas num mesmo momento.

Voltando as explicações… o júri completo senta em cadeiras marcadas por um capote vulgar e branco. As testemunhas ficam do lado direito do júri e até o início “dos trabalhos”, o réu fica escondido nos bastidores. Percebi que alguns funcionários internos usam um capote preto de um pano que não consegui identificar. Até quando o usei também – pois o júri ao ser selecionado precisa vestir a capa tipo a do Batmam, não cheguei, a saber, de que era feito.

Ali, ninguém é super-hério-de-nada. No primeiro dia que pisei no Tribunal, vi policiais fazendo a segurança, vi até um bombeiro e achei um tanto extremista, se bem que quem mata pode muito bem botar fogo no planeta. Ah, tem um entra e saí de estagiárias que me impressionou pela naturalidade. São sempre meninas brancas, magrinhas, de óculos que possuem força nos braços para auxiliar os experientes profissionais. Elas devem funcionar como mãos e pés dos advogados e dos promotores e andam ligeirinhas e nas pontas dos pés.

Não existe iluminação especial para o julgamento, antes de começar são emitidas músicas da nossa MPB pelo som geral da grande sala. Mas é claro que ninguém pensa em dançar ou cantar porque nenhuma alegria cabe ali, apenas seriedade. Ah, voltando ao júri pré-escolhido, antes do sorteio, cheguei achando que todos ficavam quietos, mas eles falam demais, riem e mesmo nervosos deixam o prelúdio do julgamento com um ar de show.

E por falar em divertimento, como vão os preparativos para seu aniversário? Não quero mais escrever sobre o caso que julguei porque não é de bom tom divulgar para ninguém os procedimentos legais. Apenas lhe adianto, caso um dia você seja convocado, que existe todo um detalhamento do caso, ouvimos as testemunhas, ouvimos o promotor e depois o advogado de defesa – ambos podem fazer contestações de seus discursos, porque o vale mesmo é convencer – somos dirigidos para uma sala secreta, mas que de secreta não tem muita coisa, pois todos ficam juntos (defensor, advogado, juiz, assistentes, e nós do júri). Uma tensão no ar dá um tom de decisão de grande final de alguma disputa bastante acirrada. Um olhando para o outro enquanto os papeis de sim ou não são passados a cada pergunta do Juiz.

Max, percebi que acima de tudo, para ser um bom advogado ou um bom promotor, a pessoa precisa acima de tudo ser bom em blefar e saber convencer pelo tom da voz, pelo olhar. Amigo, espero não ter enfadado você, mas no meio de tantas pessoas injustas, você me ensinou sobre justiça com suas atitudes perantes a vida e quero lhe dizer obrigado por todos os seus ensinamentos que certamente me serviram e servirão no dia em que fui jurado. Aprendo muito com você.

 

Feliz Aniversário (adiantado).

Gosto muito de você!

 

 

Jaime Neto.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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