Um casal celebrando 13 anos de união. Passagens já pagas, hospedagem idem. Lista de compras importadas ok e, principalmente, a empolgação de curtir uma viagem internacional com direito a algumas loucurinhas. Em Las Vegas tudo pode acontecer, inclusive gastar o que tem e o que não tem nos cassinos programados para acabar com o bolso da gente. Amor à primeira jogada. Para ela, a viagem perfeita ao lado dele. Para ele, a viagem ideal ao lado dela. Todos adorando e respeitando as escolhas individuais de algumas programações, como por exemplo: o show de Celine Dion.
Quem aguenta?
Ela já saiu do Brasil com o ingresso comprado e ele pianinho que na noite do show em si, ela sairia sozinha. Sem neuras. Ela super comportada, respeitosa e ele estaria na porta do The Colosseum at Caesars Palace (onde aconteceria o show de Celine) esperando ela para saírem logo após para um jantarzinho leve. Todo casal que se preze tem que ter um momento para que cada um faça alguma coisa só, se não corre o risco da relação morrer. Tudo aconteceu como o planejado, até que ela entrou no local do show.
Lotação total. Nada muito grande, meio intimista. A maioria do público era de mulher e gays beirando os 60 anos. Todos ansiosos esperando a canadense entrar em cena. Mega-orquestra-montada, músicos vestidos sobriamente, iluminação perfeita e eis que as cortinas se abrem para uma Celine magra e bronzeada. Coro de todos os lados do Colosseum. Show de fã mesmo, só estava ali quem admirava a trajetória sofrida da Dion. Tinha lágrima de um lado, amigas cantando abraçadas fazendo coro do outro, alguns maridos odiando a obrigatoriedade de presenciar tamanho “show feminino” e ela, sozinha, dando graças a Deus pela oportunidade de ver sua cantora predileta tão de perto. Tudo delicioso até que veio a hora do intervalo e ela aproveitou para retocar a maquiagem desbotada pelo choro incontrolável que algumas músicas lhe causaram.
Rapidinho já estava em frente ao espelho na maior felicidade e com os ouvidos afiados se tocou dos primeiros acordes de “Because You Loved Me”. Lembrou-se de quando era solteira, lá por 1997, vivendo longe de casa por causa dos estudos, dividindo um flat com uma amiga da faculdade. Recordou dos pileques que tomou dublando Celine com a garrafa na mão e do quanto era feliz também no passado. Que mulher de sorte, depois de tantos percalços no amor, encontrou um homem que a tratava bem, uma pessoa realizada na vida. Mas lá no fundo ainda era a mesma garota que sem rumo certo amou verdadeiramente uma mulher uma única vez. Uma relação tumultuada, mas que estava em seu passado. Sepultada. Nem com o marido foi capaz de falar sobre.
Voltou correndo para sua cadeira enumerada, mas se sentindo um pouquinho mais ousada, talvez mais feliz pela recordação que apareceu em sua memória. Olhou ao redor e percebeu que outra moça também estava sozinha bem próxima a ela. Percebeu ser brasileira por causa dos trejeitos característicos e achou que seria interessante curtir o show ao lado de uma conterrânea do mesmo país. Com um sinal perguntou com as mãos se o lugar (vago) perto da outra moça estava realmente vago. E estava. Correu pra lá. Já cantarolando “I Am Your Lady”, empolgação e risos apostos ao lado da nova-mais-legal-amiga se entregou ao som. Pediram uma champagne para celebrar aquele encontro inusitado. Beberam rápido. Celine empolgava mesmo. Outra champagne e mais risos e cantoria. Outra champagne e pronto – prometeram uma a outra – era a “saideira do show perfeito da vida delas”.
As mulheres sabem das coisas. Possuem o dom de se adequarem aos piores e melhores momentos. São mais fluidas que os homens, todo mundo sabe disso. Quando se entregam a algo, vão fundo e se no caso este fundo for um show de Celine Dion mais três champagnes, melhor ainda, claro! Entregues ao momento, as duas se abraçaram com tamanha emoção e sinceridade. Enquanto ela estava curtindo a noite de solteira, a recém-amiga estava na maior dor de cotovelo, pois programara àquela viagem com uma namorada de poucos meses, mas faltando poucos dias para o embarque brigaram e romperam. Ela, esperta, pensou que sofrer em Vegas seria mais divertido do que sofrer no Brasil e partiu sozinha. A viagem estava paga mesmo e ela queria espairecer.
Foi um encontro de almas solitárias e conscientes de si. Ninguém as conhecia. Não precisavam provar nada, ali estavam cantando juntas e falando dos figurinos da Celine, como se fossem amigas íntimas da cantora. Numa espécie de karaokê sabiam cada estrofe, entonação. Realmente, olhando de fora, era perceptível que estavam livres naquela noite. E não existe nada mais louco e fantástico do que ser livre por uma noite. E perigoso também, diga-se de passagem.
Num apagar das luzes, para mais uma troca de bloco do show, ela – a casada – sentiu-se propícia a tascar um beijo na boca da nova-amiga-recém-separada. Foi correspondida. Por uns dez segundos formaram um novo casal ali. Permaneceram juntas o restante do show. Abraçando-se. Curtindo o momento. E beijando, às vezes, quando escurecia.
Foi então que Celine desceu do palco para cantar “Immortality” perto dos fãs e parou ao lado das duas. Quase desmaiaram, mas se seguraram e pediram para tirar uma foto com a cantora. Ela – a casada – gritou que as duas eram brasileiras e Celine soltou um: “I Love Brazil”. As três riram juntas, compactuando daquela celebração. Celine, inclusive, sendo testemunha de uma traição e as duas, inconfessavelmente, criminosas por uma noite em Vegas (o que não levaria ninguém à pena de morte, óbvio). Tiraram três fotos. Cada uma com Celine depois as três juntas. Quem olhasse de longe poderia até pensar que eram vizinhas do mesmo prédio.
Que mundo louco e nós que não sabemos de nada, muitas vezes saímos com um destino traçado, mas que ao dobrar uma esquina tal, nos perdemos dentro de nós mesmos. E quem tem coragem para não se permitir não se perder assim? As duas foram ousadas, principalmente, ela que estava com o marido na porta do Colosseum, aguardando-a. Ao final do show, trocaram telefones. Descobriram que uma morava no nordeste e a outra no sudeste do Brasil e garantiram que aquela amizade-colorida seria um segredinho, um diamante lapidado por Celine numa noite fria de Vegas (que texto brega!). Mas o que é a vida se não vários momentinhos bregas, onde somos levados a achar que tudo acabará bem para todos nós?
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