“O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter.” Cláudio Abramo.
Esses rebeldes. Essas rebeldias
Por Luiz Eduardo Costa*
Surge um jornalista rebelde em Sergipe. Ele é Cláudio Nunes. Esse rebelde não é uma promessa, já tem obra realizada. Dela, este livro é comprovação.
É preciso que surjam rebeldes. Sem eles, esses “malditos”, a pasmaceira sergipana jamais seria perturbada pela coisa inusitada entre nós, que é a contestação do poder.
Aqui, nos acostumamos ao conformismo aquietado da conivência, tanto assim que o “bom jornalismo”, ou seja, aquele festejado pela classe dominante, é o que justifica, defende, ou joga confetes nos poderosos.
Nesses últimos anos a sociedade sergipana viu crescer avassaladoramente a bajulação, ou a cumplicidade com os desmandos, a mentira, a farsa, admitidos como práticas normais, meio lícito de se fazer política.
Reagir contra isso é atitude ousada, fora dos padrões de acomodação, ou adesismo lucrativo. E Cláudio Nunes reagiu, denunciou, faz um tipo de jornalismo que entre nós se torna raridade: o que investiga e põe a nua a farsa, o farsante, os corrompidos, corruptos, corruptores, toda aquela fauna habituada a fazer do poder um prostibulo, e da política instrumento desvirtuado para o desfile da vaidade pessoal, o exercício da mistificação ou desregrada obtenção de vantagens.
Isso tudo pode parecer um quixotismo démodé, aventura inconsequente, mas, enfim, a nossa cidadania menosprezada está carente desses Quixotes revestidos pela armadura da indignação, prontos para incomodar, criar casos, sacudir a complacente quietude de múmias nos seus sarcógafos de alheiamento.
Em Sergipe, denunciar, romper o silêncio sepulcral que protege os beneficiários da impunidade, ou de falsos arautos do moralismo mambembe e egocêntrico, pode ser atitude perigosa, em termos profissionais, chega a ser uma espécie de suicídio, diante das condenações, ou do círculo de interesses que se fecha, persegue e oprime.
Sergipe, por mais decepções que tenhamos tido no presente, sempre foi historicamente uma terra de rebeldes, e a flama da rebeldia pode ser revivida por quem folheia as páginas amarelecidas dos nossos velhos jornais. Tivemos aqui pasquins ousados, debochados também, que fiscalizavam a vida pública, e até, descomedidamente, intrometiam-se nas intimidades dos palácios e dos palacianos.
Deles, talvez o mais emblemático foi O Prego, irreverente e cáustico, causando incômodo e raiva ao governante Siqueira de Menezes, que, demostrando indiferença, comentou: “Eu nem me importo com aquele jornal que é feito por um cego e só faz consumir a paciência do povo.”
E O Prego respondeu em verso demolidor:
“Jornal feito por cego,
Que do povo a paciência consome.
Siqueira, meta este prego
Onde as constas perdem o nome”
Lembramos a irreverência apenas para resgatar aquela forma de combatividade que quase sempre tinha como consequência o empastelamento e as agressões físicas.
Hoje, já não se empastela, quase não se registram violências contra pessoas, mas o poder, a teia de interesses que o cerca, manipula, manobra, cerceia, com escancarada sutileza.
Por isso, mais do que nunca, são imprescindíveis esses rebeldes, essas rebeldias, assim como é, e como escreve Cláudio Nunes.
*Jornalista. Texto escrito para o prefácio do livro “A Liberdade da Expressão” do titular deste espaço, lançado em 06 de dezembro de 2006, com alguns artigos do período da campanha do mesmo ano que levou o professor Marcelo Déda Chagas à vitória eleitoral contra João Alves Filho, então candidato à reeleição ao governo estadual.
Frase do Dia
“Uma prece pelos rebeldes de coração enjaulados.” Tennessee Williams.