“Drácula” de Bram Stoker, o amor nunca morre

Adson do Espírito Santo
Graduado História
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente
e-mail: adson@getempo.org
Orientando do Prof. Dr. Dilton Cândido Santos Maynard

Em 1992 Francis Ford Coppola, o consagrado cineasta norte-americano que dirigiu sucessos como a trilogia “O Poderoso Chefão” (1972, 1974 e 1990) e “Apocalypse Now” (1979), produziu uma das melhores adaptações do romance vitoriano “Drácula” (1897) de autoria do escritor irlandês, Bram Stoker (1847-1912). No entanto, Coppola optou por narrar em seu filme uma história de amor que transcendeu as eras na história, além de realizar uma série de críticas à sociedade contemporânea à produção do filme, dentre elas a AIDS (Síndrome da imunodeficiência adquirida) e o determinismo da fé cristã.

Caso fossemos definir a obra “Drácula”, de Bram Stoker, em uma única palavra, talvez a mais adequada fosse imortal. A eternidade, uma característica comum em obras de ficção e/ou terror, estendeu-se além das páginas escritas por Stoker, tornando sua própria obra imortal. Ela não se restringe a leituras universitárias obrigatórias que tem por objetivo a análise morfológica e sociológica desta literatura. “Drácula” vai muito além disso.

A obra de Stoker possui uma incrível elasticidade, seu público vai de adolescentes curiosos a universitários e estudiosos do século XX. Muito disso, mas não como um todo, é explicado pelo fato da obra haver sofrido várias adaptações cinematográficas possuindo suas variantes de acordo com a sociedade que a produziu. Nesta disposição, o cinema encontra-se com a literatura, pelo fato de também poder representar lapsos da sociedade contemporânea, ou não, à sua produção.

A título de exemplos, dentre as adaptações cinematográficas podemos citar “Nosferato” (1922), em virtude da falta de um acordo com a família de Stoker, a história teve de ser modificada, Orlock, por exemplo, seria o correspondente a Drácula na obra de Stoker. O filme é dotado de uma crítica à Alemanha pós I Guerra Mundial, que devido à chamada cláusula da culpabilidade entrou numa grave crise econômica. Hutter, personagem correspondente a Jonanthan Harker, é um jovem indivíduo de classe média, que viaja para a Romênia tendo em vista um negócio com lucros que seriam impossíveis na Alemanha (sinal de que a economia no território germânico já conhecera melhores dias). Outra adaptação muito mais recente é “Blade”, o caçador de vampiros (1998, 2002 e 2004), esta trilogia nos traz um vampiro híbrido, metade vampiro e metade humano, que se utiliza da tecnologia para lutar contra vampiros que capturavam moradores de rua para mantê-los em cativeiro, com o intuito de formar um “banco de sangue” e consumi-lo sem necessitar ir à caça ou gerar suspeitas com o desaparecimento de pessoas.

O resgate da escrita epistolar, em decadência à época, foi um dos destaques da obra de Stoker. O autor conseguiu trabalhar de forma brilhante a escrita epistolar, ao unir este modelo ao jornalístico. Em seu filme, Francis F. Coppola, manteve a estrutura epistolar do romance. A história é apresentada por meio de diários, documentos e jornais, envolvendo o público que se vê diante do mistério fomentado pela trama. Promovendo assim, a sensação de que o leitor é um detetive, como num filme investigativo.

“Drácula” de Bram Sotker, “o amor nunca morre” (1992), assim foi traduzida para o português. A obra de Coppola conta com a excepcional atuação de Gary Oldmam no papel do conde Drácula. Oldmam conseguiu mensurar de maneira ímpar a nobreza do personagem, com o terror que a criatura vinda de terras longínquas que bebia sangue proporcionou aos ingleses. Além de ter um elenco qualificado lhe dando suporte, como Keanu Reeves, como Mr. Harker, e Antony Hopkins no papel do Dr. Van Helsing.

Outro destaque do filme é fino equilíbrio que Coppola encontrou entre os elementos que movem a sua história, dentre elas: o amor romântico que Drácula busca em Mirna, o terror e sua crítica ao cristianismo, além do cientificismo.

Assim como Stoker o fez, Coppola explorou as inovações tecnológicas principalmente por meio do personagem Van Helsing. A invenção do telégrafo em suas correspondências com seu amigo Dr. Seward, as técnicas de transfusões sanguíneas são exemplos dessas inovações, além do fato que todo o processo de descoberta que Lucy havia sido infectada por vampiro, nada mais é do que a aplicação do método científico.  Diferentemente de outros autores contemporâneos, como Mary Shelley autora da obra “Frankenstein”, Stoker adotou uma visão positiva do conhecimento científico e do médico, porém não foi adotada uma visão edênica, onde a ciência seria a única solução para todos os problemas. Devemos lembrar que Stoker viveu o período de transição entre um mundo extremamente ligado aos mitos e o conhecimento oral, para um mundo mais científico, assim Dr. Van Helsing foi forçado a recorrer ao sobrenatural, a partir do momento que percebeu que somente a ciência seria incapaz de derrotar o monstro (Drácula). Deste modo podemos perceber que Stoker era adepto de uma complementariedade entre o místico e o científico.

Tendo o sangue como fio condutor em sua narrativa, Coppola criticou o cristianismo. Tal aspecto pode ser observado na passagem do filme em que Drácula se volta conta a Igreja, tornando-se seu inimigo. Isso ocorre depois que ele descobre que, traiçoeiramente, os turcos enviaram um bilhete a sua noiva, informando que ele havia sido morto no campo de batalha. Desesperada, a jovem comete suicídio e os sacerdotes afirmam que sua alma estava destinada ao inferno, provocando a ira de Drácula contra as leis cristãs.

Por outro lado, percebe-se um grande apelo à sexualidade nas relações amorosas, quando Dr. Van Helsing que as doenças venéreas também fazem parte dos seus interesses, Coppola faz uma crítica a sua sociedade. A maldição do sangue no início dos anos 90 foi a DST (Doença Sexualmente Transmissível) conhecida como AIDS, que levou milhões à morte e atemorizou outros tantos. Forçando a população a duras e penosas mudanças de hábitos e educação sexual.

Por fim, a partir da redenção do Conde Drácula, em seus últimos instantes ao lado de seu amor eterno Mina (reencarnação da sua esposa), perguntando-se onde estava seu Deus; porque ele havia lhe abandonado. Coppola mostra que o amor transcende as eras e até a própria morte, e que somente o amor é capaz eliminar o mal existente, gerando assim a paz.

Nos tempos de intolerância com “outro” em que vivemos, teria Francis Ford Coppola nos dado a solução? Seria o amor ao próximo e a tolerância, o que falta a humanidade para construirmos um mundo melhor?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais