Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe, vinculada aos projetos “Memórias da Segunda Guerra em Sergipe” (Pronem, FAPITEC/CNPq)
e-mail: malupedanbar@gmail.com
Trabalho apoiado pelo projeto "Quando a Guerra chegou ao Brasil: Ataques submarinos e memórias nos mares de Sergipe e Bahia (1942-1945)", Edital Universal CNPq 2014.
Aracaju, 18 de agosto de 1942. Corpos davam às praias sergipanas em virtude dos torpedeamentos das embarcações brasileiras pelo U-507, submarino alemão em missão no Atlântico. Alguns desses náufragos chegaram à Praia do Saco, em Estância, região sul de Sergipe. Outros corpos foram parar nas proximidades da Praia de Atalaia, em Aracaju. Era então de se esperar que os sergipanos, tidos por “pacatos, corretos e solidários”, se prontificassem em ir ajudar na busca por sobreviventes, em cooperar com a polícia também na identificação dos corpos através dos pertences, e até se prestassem a recolher os corpos dos vitimados e enterrá-los como um ato de misericórdia. Claro que tudo isso existiu, porém não podemos negar a existência também daquelas pessoas que se dirigiam àquelas regiões apenas buscando algum benefício próprio. Mesmo que ainda hoje um silêncio persista sobre os saques aos cadáveres das vítimas, eles ocorreram e se tornaram conhecidos por muitos contemporâneos sergipanos.
É nesse contexto que nos deparamos com a figura de Horácio Nelson Bittencourt, mais conhecido por Nelson de Rubina, que naquele mesmo 18 de agosto dirigiu-se à praia de Atalaia, como consta nos autos do processo instaurado contra ele em 1943, para auxiliar uma conhecida sua, Josefina Matos, na procura pelo corpo de um certo “Fonseca”, um dos muitos tripulantes de uma das embarcações torpedeadas. Porém, na procura por esse tal homem, Nelson de Rubina se deparou com um cadáver de uma senhora que carregava consigo três anéis, depois avaliados na quantia de dez mil e duzentos cruzeiros, uma soma considerável para época. Ele apoderou-se e vendeu dois dos três anéis para proveito próprio. O que ele não sabia era que tal cadáver era o de Virgínia Auto de Andrade, esposa do então Procurador do Tribunal de Segurança Nacional Gilberto de Andrade, “detalhe” este que lhe ocasionaria uma detenção em 1943.
Paradoxalmente ao exposto, quando nos deparamos com a historiografia sobre os torpedeamentos das embarcações brasileiras pelo U-507 no contexto da Segunda Guerra Mundial percebemos que, de forma geral, muito já se disse. Porém, em relação aos acontecimentos que sucederam a chegada dos corpos dos náufragos as praias sergipanas e a atitude de muitos sergipanos que para lá se dirigiram ao ter conhecimento dos fatos, muitas vezes para saquear os corpos, percebemos que há silêncio.
Para muitos, é difícil pensar que os sergipanos fossem capazes de atos como saquear um daqueles cadáveres, que acabava representando “a mais conhecida e ignominiosa afronta lançada contra a soberania nacional”. Mas, pela figura de Nelson de Rubina podemos pensar na probabilidade de haver, naquele contexto social, não um padrão estereotipado de “sergipano pacato, correto e solidário”, mas algo plural, que comportava inclusive a existência de oportunistas prontos a tirar algum proveito para si de toda aquela situação.