Mário Cabral é, por excelência, um escritor de Aracaju, das coisas todas da Cidade: a história social, a literatura e a arte, a vida noturna, os clubes, as festas, mas é, também, um crítico dos melhores do Brasil, que ensinou aos leitores a compreensão do fenômeno literário, um poeta inspirado, com forte sotaque filosófico em sua poesia, e um memorialista dos maiores da terra que lhe serviu de berço. Foi nessa condição de escritor da capital sergipana que Mário Cabral fez, no já distante 1951, quando ainda não havia transferido residência para Salvador, na Bahia, uma erudita conferência, que intitulou de Folclore Infantil na Cidade de Aracaju. Desde que o tempo venceu o debate sobre a questão dos limites entre Sergipe e Bahia, assunto dominante na historiografia sergipana, por mais de duas décadas, que Aracaju entrou em foco, em primeiro plano das pesquisas. José Calasans, em 1942, Fernando Porto, em 1945, e Mário Cabral, principalmente, deram a capital do Estado de Sergipe uma fortuna crítica, histórica, intelectual, que hoje ainda é referência obrigatória de estudos. E mais, porque os três intelectuais criaram a Revista de Aracaju, editada pela Prefeitura Municipal de Aracaju e, ainda, elevaram a uma qualidade excepcional a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. As décadas de 1940 e 1950 são, para Aracaju, tempos gloriosos de destaque, evidência, estudos e valorização do espaço urbano da cidade. As comemorações do Centenário, em 1955, coroaram os esforços de muitos pesquisadores que construíram uma bibliografia obrigatória e fundamental para o conhecimento de Aracaju e de Sergipe. O Folclore Infantil na Cidade de Aracaju é um exemplo e foi logo editado nas páginas da Revista de Aracaju, em 1951, ano da celebração do Centenário de Nascimento de outro varão ilustre de Sergipe, Silvio Romero, iniciador das pesquisas e da valorização do folclore brasileiro. Mais tarde, relançado no volume de Crítica e Folclore, de 1952. Mário Cabral continuou tratando da cultura popular, estudando as manifestações negras, as tradições juninas, e outros traços importantes do folclore. Folclore Infantil na Cidade de Aracaju é, como diz o próprio autor, uma viagem ao “País da Infância”, evocando os Acalantos que embalam, ainda hoje, o sono das crianças, as Parlendas, com seus mimos, os Jogos e as Rodas ou Cirandas, que fazem aflorar o espírito solidário da coletividade infantil, as Adivinhas, os Brinquedos, as Estórias, as Crendices, que fazem a memória do povo, a cujo uso qualquer pessoa, em qualquer idade, pode recorrer. Gilberto Freyre e Mauro Mota, no Recife, Luiz da Câmara Cascudo e Veríssimo de Melo, em Natal, Hidelgardes Viana, em Salvador, Théo Brandão, em Maceió, Florival Serraine, em Fortaleza, Domingos Vieira Filho, em São Luiz, Juarez da Gama Batista, em João Pessoa, entre tantos outros, deram às capitais nordestinas a memória lúdica, como fez Mário Cabral, em Aracaju, com seu trabalho pioneiro, sua crítica precisa, sua visão filosófica da cultura, sua contribuição como escritor, deixando para a posteridade um documento valioso, que registra a criação popular infantil, tão rica em sua diversidade, tão universal em suas interfaces com o mundo da cultura humana. Diversos livros registram com largueza a contribuição intelectual de Mário Cabral. Roteiro de Aracaju, desde sua primeira edição, em 1948, tem sido uma referência da Cidade, suas ruas, monumentos, tipos, fatos, curiosidades, um livro germinal, inspirador de tantas crônicas do próprio autor e de outros literatos sergipanos. Outros livros: Caminho da Solidão, Juízo Final, Espelho do Tempo, Aracaju Bye Bye, Jornal da Noite consolidaram a bibliografia de Mário Cabral, como um dos maiores de sua geração. Na Academia Sergipana de Letras desde 1941, Mário Cabral ocupa na Cadeira 17 o lugar que pertenceu a Manoel dos Passos de Oliveira Teles, o discípulo e organizador das Obras de Tobias Barreto, sob os auspícios do Governo do Estado, sob a presidência de Graccho Cardoso e um dos mais vigorosos homens de letras de Sergipe, com presença grandiosa na vida cultural sergipana, desde a última década do século XIX e pelas três primeiras décadas do século XX. Mário Cabral vive em Salvador e no último dia 26 de março completou 90 anos de idade, cercado do reconhecimento e da admiração de baianos e sergipanos, atento ao movimento intelectual das suas duas pátrias, aquela onde nasceu, onde viveu e atuou, com destaque, chegando a ser, por algum tempo, Prefeito de Aracaju, e aquela que adotou e à qual emprestou seu talento, competência, conquistando feitos notáveis como o da construção do Teatro Castro Alves, ícone das artes cênicas da Bahia, que também dirigiu, fixando um capítulo novo na história das artes na boa terra. Com olhos e ouvidos dirigidos para Aracaju, Mário Cabral acompanha com invulgar interesse o debate das idéias pelos jornais, revistas, o lançamento dos livros, renovando sua participação com palavras de encorajamento e de crítica. As dificuldades impostas pela idade, pelo desgaste da saúde, não impedem que faça o monitoramento intelectual de hoje, tão apaixonado quanto fez, pela força da vivência, a crônica saborosa dos anos 40, sua especialidade. Sergipe deve a Mário Cabral todas as homenagens. Medalhas, nome de rua, monumento, reedição de suas obras para leitura nas escolas, tudo enfim que ele conquistou pelo trabalho firme, decente, bonito, fértil, que ainda hoje repercute e que será, certamente, lume a guiar no futuro as novas gerações de aracajuanos e sergipanos. Viver 90 anos é uma vitória pessoal contra dissabores e adversidades, viver criando, interpretando, formando público com suas críticas fez de Mário Cabral um ser singular e múltiplo, um sergipano que forma entre os maiores, um escritor que soube pendular entre a raiz mais próxima, do seu lugar e da sua comunidade, e o saber universal que a literatura difunde, recriando a realidade, ordenando o caos. A Academia Sergipana de Letras, pelas vozes lúcidas de Manoel Cabral Machado e Marcelo Ribeiro, prestou homenagens, em sessões especiais, a Mário Cabral, ao ensejo dos 90 anos e de toda a sua obra monumental de cronista, de poeta e de crítico. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”