A GUERRA E A CONSCIÊNCIA POLÍTICA (PARTE 1)

Dois fatos, mais que outros, marcaram o pós-guerra no Brasil: a redemocratização de 1945, englobando lutas diversas e a imediata convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, para elaborar e votar uma nova Constituição para o país, criando um ambiente de liberdade após 8 anos de ditadura, e a organização da Escola Superior de Guerra, em 1948, por solicitação do Estado-Maior das Forças Armadas, sob forte inspiração de organismos militares dos Estados Unidos, e justificada pelo temor de um terceiro conflito mundial, de poder destrutivo total, conforme revelou o marechal Oswaldo de Farias (1), citando textos dos generais Eisenhower e Collins, este último Subchefe do Estado-Maior do exército americano, que teriam forte influência na definição dos fundamentos teóricos da Segurança Nacional.

 

Estabelece-se, de logo, dois caminhos: o da proclamação das liberdades públicas, nascida também nas ruas do Brasil, como corolário das manifestações que marcaram, desde a fatídica noite de 15 de agosto de 1942, quando o submarino alemão U-507, comandado pelo capitão de Corveta Harro Schacht, iniciou os torpedeamentos contra navios brasileiros – Baependy, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba, Arará e outros – nas costas de Sergipe, revoltando o povo e levando-o às ruas, num protesto sem precedentes, que cresceu, propagando-se por todo o País, levando o Brasil a sair da suspeita posição de neutralidade que dizia manter. De 1942 a 1945, mesmo debaixo do regime forte de Getúlio Vargas, o povo tomou as ruas e fez a guerra um mote justificador de sua nova imposição política. No século passado, em Pernambuco, havia acontecido o mesmo. O povo reprimido e punido pelos levantes que apoiou – 1817, 1824, 1848 – encontrou na guerra do Paraguai a razão para sair às ruas, tanto enaltecendo o sentido e o Êxito das campanhas bélicas, como exaltando a liberdade e outros valores da sociedade. Explica-se a conotação que teve, por exemplo, a poesia romântica daquela fase, qualificada de Condeoreira ou Hugoana, pela sua forte inspiração social, fazendo dos poetas Tobias Barreto, Castro Alves, Vitoriano Palhares, verdadeiros cantores dos sentimentos populares. 

 

O povo brasileiro repetiu, eram várias partes do país, o sentimento patriótico, pressionando o Governo Vargas a definir-se. Esse repertório de conscientização política ampliou-se e consolidou-se com o fim da guerra, a derrota do nazismo e a vitória das forças aliadas, ideologizando-se no próprio processo, na medida em que alguns segmentos de vanguarda política cresciam de importância no contato social. Isto se refletiu na constituinte de 1946, pois a nova Constituição, no dizer Juscelino Kubitschek, constituinte mineiro que depois assumiria a Presidência da República, iniciando um processo de transformação econômica e social, iria “garantir a liberdade”. Jorge Amado, o consagrado romancista, que foi constituinte por São Paulo, e pelo PCB, viu na carta Constituinte “uma bandeira de democracia”, prometendo lutar para que ela fosse cumprida nos seus preceitos democráticos. 

 

Para os organizadores da Escola Superior de Guerra, no entanto, o que importava era a formulação de uma doutrina de Segurança Nacional que tivesse, como preconizava o general Eisenhower, as Forças Armadas como o guine da máquina da Nação, cuja força destruidora seria empregada para derrotar o inimigo. (2) O marechal Cordeiro de Farias, explicando as razões que levaram o Governo à organização da ESG, disse que “de fato a Segurança Nacional repousa, antes de tudo, em uma organização adequada de Governo, em que o planejamento seja a preocupação maior. Desse planejamento geral surgirá um incremento da economia, tomada ela no seu sentido mais amplo, e de onde emergirá, final e naturalmente, uma organização sólida para as classes armadas. Sem fortes bases econômicas não pode Nação alguma ter eficiente organização militar. É assim que compreendemos hoje (1949), nós das Forças Armadas, a questão da Segurança Nacional e é desta maneira que por ela nos batemos, ao tempo que almejando, uma ligação estreita com o Itamaraty, companheiros que somos de uma mesma luta, servidores do Brasil cujos passos devem estar sincronizados a todas as horas, em todos os momentos e em todos os sentidos”. 

 

Continuando em sua Conferência o marechal disse que “outra questão a considerar na política de Segurança Nacional, é a decorrente de um aspecto no último conflito e da guerra fria de nossos dias. Queremos referir-nos ao problema ideológico – com a reeducação política dos vencidos, com os saques organizados, com os trabalhos forçados, com as questões religiosas – infelizmente,  surgidos na última guerra”. 

 

Na verdade, a Constituição de 1946 – um dos grandes documentos da vida do Brasil, na opinião do constituinte trabalhista Marcondes Filho – reproduz o sentimento difuso e o social do pós-guerra, preconizando, no seu artigo 178, que o próprio Presidente da República, à época o general do Exército Eurico Gaspar Dutra, assumiria, no caso de uma eventualidade, a direção política da guerra. Havia, então, uma espécie de neurose, espalhada de tal modo que contagiou a Assembléia Nacional Constituinte. O artigo seguinte, o 179, atribuía ao Conselho de Segurança Nacional o estudo dos problemas de defesa do País. Os teóricos da Segurança Nacional, todavia, queriam mais, queriam uma legislação vinculada à doutrina da Segurança Nacional, à qual deveria ser adaptada a estrutura governamental e administrativa do País.

 

Há, de forma nítida, um desencontro de opiniões entre os herdeiros das lutas redemocratizadoras como os constituintes, e os militares que engrossavam o movimento em prol da Escola Superior de Guerra e de uma doutrina de Segurança Nacional que lhe servisse de suporte teórico. Um desencontro que, em maior ou menor intensidade, aflorou em vários momentos da vida brasileira. Vale cotejar os rumos de cada um dos grupamentos e dos fatos que correram, ad-latere, vincando a história com uma forte dose de confrontos ideológicos, ligados, direta ou indiretamente, ao cenário mundial que cindia a humanidade em dois campos opostos, o do capitalismo, liderado pelos Estados Unidos da América, fortalecidos com o êxito conquistado nos campos de guerra, e o socialismo, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e auxiliados pelos modelos da China e do Leste Europeu de existência mais recente e também produzidos, de certo modo, pelo fim da guerra, e pelo refloramento do nacionalismo.

 

De um lado, o Governo procurou formular programas amplos, como o Plano Salte (3) (1950), assumir a propriedade de plataforma continental submarina (1950), criar a PETROBRÁS (1951/53), criar o BNDE (1952), instituir o Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB (1955), conceber o Plano Nacional de Eletrificação (1954, antes, em 1952 foi criada a CHESF), criar o Conselho de Desenvolvimento, centralizando o planejamento (1956), dele decorrendo o Plano de Metas; – 50 anos em 5 -, implantar a indústria automobilística nacional (1956), criar a Rede Ferroviária Federal (1957), criar a SUDENE (1959), antes, em 1952 havia criado o Banco do Nordeste do Brasil (1952) e a SUVALE (1949), construir e povoar Brasília, no Planalto Central como nova Capital do País (1961), criar a ELETROBRÁS (1962), elaborar o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1962) dentre tantas outra iniciativas que pareciam dar rumo simétrico aos programas governamentais do País.

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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