A GUERRA E A CONSCIÊNCIA POLÍTICA (PARTE 2)

Embora não necessariamente articulado, foram produzidos eventos que colocaram em risco a frágil democracia e a precária liberdade consignados na Constituição de 1946. Getúlio vargas, que voltou ao poder na eleição de 1950, e que no exercício do Governo propôs o Programa Nacional do Petróleo (1951) restringiu a entrada de capital estrangeiro (1952), viu-se envolvido com o atentado da rua Toneleros, no Rio de Janeiro, foi precionado pelos militares para renunciar e terminou dando fim a sua própria vida, encerrando com um tiro no peito um dos períodos mais ricos de história política brasileira. O dia 24 de agosto de 1954 passou a ter, para o Brasil, uma conotação política especial, que inspira, ainda hoje, os partidos trabalhistas, e gerou uma crise institucional que deu vazão ao golpe chefiado pelo general Henrique Teixeira Lott, para que fosse restaurada a normalidade democrática e pudesse tomar posse o Presidente eleito, Juscelino Kubitschek de Oliveira. Durante o Governo Juscelino houve a Rebelião de Jacareacanga (1956), sob o comando do major-Aviador Haroldo Veloso, que terminou no Pará, e a Revolta de Aragarças (1959), em Goiás.

 

Eleito em 1960 Presidente da República, Jânio da Silva Quadros, que era Governador de São Paulo, não conseguiu a vitório para o seu companheiro de chapa, o udenista mineiro Milton Campos. O eleito foi João Goulart, ex-Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, herdeiro do trabalhismo getulista e Vice-Presidente de Juscelino Kubitschek.

 

Jânio Quadros governou poucos meses, chamando a atenção do País pelo ineditismo e inusitado de suas ações, desde a proibição de briga de galo, de fabrico de lança-perfume, até a condecoração de Ernesto Ché Guevara, revolucionário argentino que ajudou Fidel Castro, em 1959, a fazer a revolução em Cuba, com a ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria do Brasil. Renunciou em agosto de 1961, tumultuando a vida do País e permitindo a armação golpista, na ausência do Vice-Presidente João Goulart, que estava em viagem, na China. A instabilidade criada com a renúncia de Jânio Quadros e a ausência do Vice-Presidente levou o Brasil a adotar, casuísticamente, o Parlamentarismo (1962) dividindo os poderes do Presidente João Goulart com o Primeiro Ministro Tancredo Neves. O Plebiscito de 1963 restaurou o Presidencialismo, ao tempo em que crescia, nas ruas, a mobilização pelas Reformas de Base, com ênfase para a reforma agrária.

 

Paralelamente ao clima de agitação nas ruas, reunindo operários, estudantes, intelectuais e políticos, havia registro de quebra de hierarquia em alguns quartéis, contrastando com a conspiração que, àquela altura, marcava formalmente o comportamento das elites militares do Brasil. O pretexto da conspiração era o binômio subversão e corrupção, palavras que justificavam o golpe. A Subversão colocava sob suspeita os vetores intelectuais, trabalhistas e estudantis e não poupava o próprio Governo João Goulart, cujo discurso em favor das Reformas de Base era ouvido com reservas e desconfianças pelos militares. Velhas e novas posturas eram tidas como perigosas, para a Segurança Nacional, como a idéia do velho capitão Luiz Carlos Prestes de criar um Exército Popular de Libertação Nacional (1950), como o gesto do Governo de criar o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB (1955), ou a audácia de Francisco Julião, (4) criando as Ligas, Camponesas para a defesa da reforma agrária, “na lei ou na marra” (1961), ou, ainda a criação, pela União Nacional dos Estudantes – UNE, do CPC – Centro Popular de Cultura (1962) reunindo o melhor da juventude artística brasileira, em quase todo o País. Tudo soava como provocação, dando a impressão de que o estopim estava queimando.

 

A corrupção esteve, vez por outra, em pauta, na campanha presidencial de 1955. Na plataforma do general Juarez Távora, um dos candidatos, estava escrito: “Eleito presidente a três de outubro garanto pelo meu passado e pela minha honra de soldado e cidadão respeitar e fazer a Constituição e as leis da República. Enfrentar com decisão e energia a aflição para conter a alta do custo de vida. Dar combate sem tréguas à corrupção”. Durante a construção de Brasília, no Governo JK, pipocaram denúncias de corrupção, atingindo o Governo e os responsáveis pela administração das obras.

 

Subversão e corrupção funcionavam, então, como motes de forte tradição e apelo, tomado pelos militares para a conspiração do golpe, como se viu no apoio recebido em São Paulo, pelas mulheres que realizam a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade (19.3.1964), ou do velho marechal Eurico Gaspar Dutra, no mesmo dia, contra o Governo do Presidente João Goulart, como avalizar o movimento de tropas como queria o Governador Magalhães Pinto, de Minas Gerais e o general Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, em meio a muitas outras manifestações que tiveram sequência cronológica, como uma espécie de contagem regressiva para o desfecho do golpe militar.

 

Foram as manifestações de rua, especialmente o comício da Central do Brasil no Rio de Janeiro (13 de maio de 1964), que contou com a presença do Presidente João Goulart, o explosivo que faltava para a justificativa do golpe. O Presidente tinha consciência do seu papel e proclamav o seu dever, “… se não dissesse que este esforço extraordinário que realizamos ao lado do sofrimento também extraordinário que passa o povo brasileiro, jamais atingirá seus grandes objetivos sem que se realizem no Brasil as Reformas de Base reclamadas por toda a Nação.”

 

Cresceu o confronto entre o Governo e os militares. O Governo, contando com os apoios políticos progressivos, operários, sindicais, estudantis e intelectuais, os militares sustentados pelos grupamentos civis conservadores e reacionários, políticos, empresários e porção da sociedade que assimilava a propaganda anti-comunista e anti-reformista utilizada pelos idealizadores o promotores do golpe.

 

No dia 31 de março de 1964 o golpe eclodiu em Minas Gerais, em cumprimento ao calendário estabelecido, dias antes, pelos conspiradores reunidos em Juiz de Fora. O Presidente João Goulart se movimenta do Rio de Janeiro para Brasília, é deposto e sai do País. Os focos de resistência foram sufocados ou aceitaram a derrota. Os governadores Miguel Arraes, de Pernambuco, e Seixa Dória, de Sergipe, são depostos, presos, cassados, enviados para Fernando de Noronha e têm os direitos políticos suspensos por 10 anos. Milhares de pessoas, em todo o País vão paa as celas dos quartéis militares. O General Castelo Branco assume o Governo, iniciando o período autoritário dos Atos Institucionais, em nome dos princípios doutrinários da Segurança Nacional.

 

Conferência pronunciada na Escola de Estado-Maior do Exército, 1948, publicada na Revista da Escola Superior de Guerra, Ano VII, nº 20, novembro de 1991.

 

1. Citado pelo marechal Cordeiro de farias na mesma Conferência.

 

2. O Plano Salte foi concebido para atender às metas prioritárias de saúde, alimentação, transporte e energia. Segundo os analistas é o primeiro Plano governamental brasileiro.

 

3. As Ligas Camponesas tinham como objetivo a distribuição de terras aos camponeses e a extensão da legislação trabalhista ao meio rural. O seu fundador, advogado Francisco Julião, foi eleito deputado federal, em 1962, pelo Estado de Pernambuco e cassado em 1964.

 

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais