BONIFÁCIO FORTES

Morreu em Aracaju, sexta-feira, dia 5, Dia da Cultura, aos 78 anos, José Bonifácio Fortes Neto, um dos mais ilustres intelectuais sergipanos, nascido em 26 de abril de 1926. No velório realizado na Sala dos Fundadores da Academia Sergipana de Letras, na qual, desde 2 de outubro de 1978, ocupava a Cadeira 19, coube ao acadêmico Wagner Ribeiro fazer a oração fúnebre, destacando o perfil do mestre, realçando os laços de antiga amizade, carpindo a tristeza e a saudade.

 

O secretário da Cultura, José Carlos Teixeira, em nome do Governo do Estado, expressou o sentimento de luto, evocando a contribuição dada por Bonifácio Fortes à Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, no final dos anos de 1950, especialmente no concernente ao teatro e ao cinema. Wagner Ribeiro, que foi aluno e depois colega de magistério e como funcionário da Justiça do Trabalho conviveu profissionalmente com Bonifácio Fortes, emocionou-se ao lembrar das qualidades do cidadão, os méritos profissionais e a contribuição intelectual, sublinhando o exemplo deixado com a família construída com bases em valores referenciais da dignidade humana.

 

Nos últimos anos, doente, Bonifácio Fortes recebia a freqüente visita do colega e amigo, selando uma amizade profunda. José Carlos Teixeira, militante da causa democrática, entusiasta das artes e da cultura, formou com Bonifácio Fortes, João Costa, Antonio Joaquim Filho, José Melchiades um grupo diretivo da SCAS dando a Aracaju a oportunidade de assistir a notáveis saraus, concertos, peças teatrais, na mais efetiva distribuição de renda cultural já registrada na capital sergipana. Ele também não conteve as lágrimas, ao despedir-se do amigo morto.

 

Formado em Direito, pela Faculdade de Direito da Bahia, Bonifácio Fortes seguiu uma bela carreira como promotor, juiz de Direito, juiz do Trabalho, professor de Direito Administrativo, concentrando-se por longos anos, a ponto de deixar de lado a sua inclinação pela geografia humana. Em 1956, levando como cartão de visita o seu opúsculo Evolução da Paisagem Humana da Cidade de Aracaju (Aracaju: Livraria Regina, 1955), Bonifácio Fortes, então professor da Faculdade Católica de Filosofia, participou do Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro, fazendo, em seguida, o Curso de Altos Estudos Geográficos.

 

Coordenado por Hilgard Sternberg e ministrado pelos professores Pierre Deffontaines, Pierre Momberg, André Cailleux, Karl Trol, Pierre Birot. E. Rainz, Orlando Ribeiro, o Curso de Altos Estudos Geográficos reuniu mestres que passariam a ser os mais destacados pensadores da geografia, como Milton Santos, na Bahia, Manoel Correia de Andrade, em Pernambuco, Araújo Filho, em São Paulo, dentre outros. Manoel Correia de Andrade, reportando-se ao Congresso e ao Curso de 1956 referia-se ao professor José Bonifácio Fortes Neto como um amigo, a quem teve o prazer de conhecer e de se fazer próximo.

 

Leitor de literatura e de ciência organizou uma biblioteca pessoal que tomava parte de sua casa da rua de Arauá, chamando a atenção dos visitantes. Presente nas páginas dos jornais, como poeta que espalhou versos, ou como crítico que tratou de obras literárias, de sergipanos e brasileiros, principalmente nas páginas da Gazeta de Sergipe, de Orlando Dantas, desde os tempos da Gazeta Socialista, revezando o espaço com Carlos Oliveira e com Benvindo Sales de Campos, cada um com seu modo peculiar de escrever.

 

Além dos poemas, alguns dos quais foram musicados e viraram cantigas conhecidas na década de 1960, como Isidoro (Eu me chamo Isidoro/ de ofício lavrador/preciso desabafar/mas nunca fui cantador. A vida que eu já vivi/é coisa de admirar/a comida que não comi/dava para me fartar/ mas aqui neste instante/não quero me lamentar/ eu quero é lutar de frente/ e não ter que reclamar… ) -, Bonifácio Fortes deixou nos jornais e revistas uma múltipla e qualificada colaboração, que deve ser logo reunida e publicada, para circular como um aporte novo e de qualidade sobre Sergipe e sergipanos.

 

Seu pequeno livro Democracia de Poucos – Um Ensaio de Ciência Política (Aracaju: Livraria Regina, 1963) é um clássico, tanto pelo pioneirismo, como pelas análises que desnudam o processo eleitoral e seu resultado, com uma profunda interpretação dos dados e dos fatos. Bonifácio Fortes continuou na mesma linha analítica, publicando Democracia de Raros e outros ensaios, ou levando para a cátedra de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Sergipe as suas idéias de intérprete da vida social.

 

Crítico e amante do cinema fundou, com outros adeptos da 7ª Arte, um Clube de Cinema, animando a que muitos jovens aderissem às programações especiais de exibição e debate de filmes. O resultado desse trabalho, ao lado de José Lima de Azevedo, Núbia Marques, Alberto Carvalho, foi o surgimento de uma nova geração de críticos, dentre os quais ganharam destaque João Simões Filho, José Carlos Monteiro e Ivan Valença. 

 

Bonifácio Fortes publicou, também, Zepelin, um livro de crônicas, estoriêtas, memória da sua infância e juventude em Aracaju, sob as vistas do pai, Arício Fortes. E foi, ainda, procurador Geral do Estado no Governo Augusto Franco, uma das raras participações na vida pública. Com Bonifácio Fortes morre um estilo de vida, associado a todos os anseios e causas que a cidadania consciente pode patrocinar. Fica, contudo, o exemplo.

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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