Altimar Pimentel, alagoano de Maceió radicado há muito tempo em João Pessoa, na Paraíba, é um dos maiores pesquisadores do folclore nordestino, conciliando a ciência do seu trabalho acadêmico, na Universidade e nos centros de pesquisas, com a criação literária, especialmente o teatro, linguagem da qual é mestre. Pois bem, depois de uma notável contribuição, dedicando uma vida setentona à causa da cultura do povo, Altimar Pimentel surpreende a todos com a publicação de novos livros, cada um melhor do que o outro, tratando da Barca, das Cantigas de Roda, e das Estórias de D. Luzia Tereza, agora em segundo volume. Buscando apoiar-se em instituições paraibanas, Altimar Pimentel apresenta seus livros com uma inovação: põe, na segunda e na terceira capas CDs, ampliando o suporte da comunicação. Assim, além dos textos, sempre irrepreensíveis do festejado autor, o livro traz o som, as vozes, dando vida e movimento aos temas recolhidos e estudados. Uma novidade que abre caminho para um novo tipo de registro e documentação da cultura popular brasileira, notadamente do Nordeste. Luzia Tereza é uma excepcional contadora de estórias, produzindo centenas de contos que Altimar Pimentel, pacientemente, ouviu, gravou e anotou. O volume I da coletânea já circula, há algum tempo, entre os pesquisadores e interessados nas coletas do conto popular. O novo volume, que segue a mesma regra do anterior, revela um pouco mais da capacidade narrativa de Luzia Tereza, espécie de Scheherazade brasileira, sem ter, evidentemente, um sultão como marido, disposto a mandar matá-la. Luzia Tereza é, no Brasil, uma recordista em quantidades de estórias, permitindo que a Paraíba guarde, em seus centros de pesquisa, um fantástico repertório que premia a imaginação popular. Bastaria a Altimar Pimentel ser o intermediário entre o povo, que Tereza Luzia representa com sua voz e memória, e as novas gerações de paraibanos, nordestinos e brasileiros, a quem pertence o acervo lúdico – que é uma riqueza socializada pela tradição. Ele fez mais, ao organizar os volumes, como guardião de um mundo de fantasia, algumas vezes roçando a atmosfera do real do cotidiano, da vida que insiste em resistir diante das muitas adversidades. Altimar Pimentel é especialista em Barca, nome que na Paraíba toma a Chegança sergipana. O seu livro, agora lançado, trata das múltiplas variações do auto, registra ocorrências remotas e sobrevivências atuais, recuperando textos e melodias que guarnecem, para o futuro, essa lembrança popular, tão presente em épocas de festas natalinas. O livro está dividido em duas partes, uma, noticiosa e ensaística, que se torna documental essencial à pesquisa, outra, antológica, de textos correntes entre os brincantes da Barca, que também tem nome de Marujada e de Fandango, e, ainda, de Nau Catarineta, mesmo que haja diferenças a considerar. Silvio Romero coletou textos da Chegança e atribuiu ao auto popular uma conotação de aventura marítima, como a indicar um vínculo primordial dos grupos, com a própria história da navegação dos mares (nunca antes navegados) e descobertas de terras do Novo Mundo. O pesquisador e exegeta da cultura popular não destacou a representação dos cristãos, que singravam os mares nas “naus da cristandade”, abordando os “quartéis da mourama”, tentando convencer ou converter os infiéis ao Catolicismo dominante, nos termos mesmo dos textos da Batalha de Lepanto ou D. João da Armada, recolhido na Ilha de São Jorge, nos Açores. O texto trata da vitória do exército de D. João de Áustria, na Grécia, lutando contra os sarracenos. Foi a batalha de Lepanto, em 1571, que inspirou o culto à Nossa Senhora da Vitória, que mais tarde os dominicanos mudaram para Nossa Senhora do Rosário, sob a alegação de que enquanto os cristãos lutavam, as suas mulheres rezavam o rosário de Nossa Senhora. Barca, livro e dois CDs, num só objeto, é publicação fundamental para a cultura brasileira, que consagra Altimar Pimentel e põe a Paraíba em evidência. Altimar Pimentel faz um pequeno verbete sobre cada uma das cantigas do seu belo livro, facilitando a compreensão de tão vasto material, que tende a se perder, especialmente nas cidades de porte médio, como João Pessoa, Aracaju, onde a mudança do tipo de moradia, que troca a casa, a calçada e a rua, pelos condomínios verticais, é fatal. São raros, hoje, em Aracaju os grupos de crianças cirandando nas ruas dos bairros mais populosos, onde a casa é ainda em maior número do que os prédios dos apartamentos. Nas áreas de edifícios de apartamentos não há criança brincando de roda. Altimar Pimentel com seu livro salva repertório variado, parte do brincar que é verbo universal das crianças. E fica credor do reconhecimento e do aplauso do País e do seu povo.
Por fim, Esquindô-lê-lê, uma antologia de cantigas de roda, que Altimar Pimentel organizou em parceria com a professora Cleide Rocha, sua mulher e companheira de pesquisas. É uma publicação nos mesmos moldes da Barca, livro e dois CDs, reunindo 182 textos. Quantidade e qualidade pouco comuns nas coletas brasileiras, quase sempre repetitivas, sem vínculo com a comunidade infantil. O Brasil nunca mais leu a obra de Alexina de Magalhães Pinto, nem reeditou as diversas antologias de rondas, que circularam nas primeiras décadas do século XX. São poucos os trabalhos de cotejo, interpretação, busca de arquétipos, que possam ajudar na identidade do material que a oralidade preserva.
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