Laranjeiras, tradição e resistência

Mais uma vez Laranjeiras viveu a tradição de sua cultura, com a realização do XXXI Encontro Cultural, que mais que discutir temas como Bens Imateriais, Folk comunicação, deu voz aos grupos populares, iniciando um melhor e mais justo relacionamento entre os que formam a comunidade interessada. Houve, ainda, um primeiro passo para o levantamento e a classificação dos grupos folclóricos do Estado de Sergipe e apresentações, no recinto do Simpósio, de alguns grupos, sugerindo uma reformulação no programa dos futuros Encontros.

O descompasso das várias programações prejudica, e muito, a realização do Encontro. O número de espetáculos de artistas, grupos, bandas consomem recursos que poderiam ser melhor aplicados, em favor da tradição laranjeirense e principalmente em favor dos grupos e artistas locais. A Ópera do Milho, por exemplo, deixou de ser apresentada por falta de recursos (poucos recursos). Laranjeiras deixou de assistir uma encenação genial, com linguagem rigorosamente nova, exemplo de dramaturgia renovada, pensada, montada e formada por artistas sergipanos, tratando das tradições juninas e suas referências ibéricas. A Ópera do Milho, que contou com a participação do grupo espanhol Guirigai e do diretor galego Moncho Rodrigues é um espetáculo genuinamente sergipano, mas tem ingredientes da cultura nordestina e nacional. Foi uma pena, para o povo de Laranjeiras e os visitantes que passaram por lá, a ausência da Ópera do Milho.

A realização dos Encontros Culturais de Laranjeiras tem sido resultado de uma luta anual, difícil, desigual. As decisões dos organizadores esbarram na força das produções de shows, cada ano mais vigorosas, que terminarão por acabar com a parte de estudos e de divulgação do folclore. O povo não pode com a mídia, como os grupos não têm como enfrentar os apelos políticos dominantes. No entanto, estudantes e professores de várias partes do Brasil, assumindo seus gastos, chegam a Laranjeiras e passam a marcar a paisagem com suas presenças interessadas. Neste ano estiveram em Laranjeiras, durante o Encontro Cultural, estudantes da Universidade do Rio Grande do Norte, da Universidade Federal de Pernambuco, da Universidade de São Paulo, da Universidade de Campinas, da Universidade de Brasília, para citar alguns que tiveram maior participação nas pesquisas e nos debates. Vários deles já estiveram antes em Laranjeiras e trabalham os grupos e o próprio Encontro Cultural como objeto de estudos, como faz, por exemplo, Ana Lúcia Pinto, da Universidade Federal de Pernambuco, que fez dos Encontros o tema de sua monografia de final de curso de Educação Física. Ou como fez Maicyra Leão, sergipana radicada em Brasília, estudante do Curso de Pós Graduação em Artes, que leu um texto de bela feitura, tão poético quanto valente, em defesa da cultura popular, reclamando o uso político do cortejo dos grupos folclóricos pelas ruas laranjeirenses. “A cultura popular, a meu ver, não pode obedecer, ela simplesmente deve acontecer”, disse Maicyra Leão, concluindo sua mensagem de protesto.

Evidentemente que o controle das manifestações populares não é de agora. Na própria Laranjeiras, por volta de 1885, o jornal O Horizonte, paladino de muitas causas, como a republicana, a da ciência nova e da renovação religiosa e que tinha suas páginas abertas às polêmicas filosóficas, combatia veementemente o Samba da rua do Barro Velho, conclamando as autoridades à proibição das funções. Em Aracaju os Terreiros de culto negro tinham, obrigatoriamente, de ter registro na Polícia, e de informar dias e horários de suas atividades. Ao mesmo se obrigava o Reisado de Durvazinho, na avenida Rio de Janeiro, o Guerreiro Treme Terra, do Mestre Euclides, na rua de Gararu, a Chegança de Zé do Pão, e outros grupos folclóricos. Vem de muito longe a censura a tudo aquilo que o povo faz. Não surpreende, então, que ainda hoje existam em Laranjeiras controles rígidos sobre os grupos, deixados em plano inferior, em relação aos contratos milionários de artistas da grande mídia. O que sobrou do Reisado de Lalinha, da Chegança de Oscar, hoje com Zé Rolinha no comando, da Taieira de Maria de Lourdes, ao lado do São Gonçalo, da Mussuca, liderado por Seu Sales, não podem concorrer com a Banda Calipso, com a Calcinha Preta, com Luiz Caldas, que estavam em Laranjeiras na noite do XXXI Encontro Cultural de Laranjeiras. Há, assim, uma luta aberta, indisfarçável, entre os partidários do folclore, das tradições, e de tudo o mais que Laranjeiras tem e guarda, e os adeptos dos espetáculos com os artistas da mídia nacional.

Cada prefeito tem cedido um pouco. O prefeito atual, Paulinho Hagembeck, tem sido sensível e autorizou, por exemplo, a instalação de um Palanque para as apresentações folclóricas, reservando um horário escpecial para os grupos locais. Mesmo assim permanece a concorrência com outros palanques e outros públicos, como o das imediações do Trapiche, avolumado a ponto de abafar o som da praça da Matriz, onde o folclore deve ser a prioridade. Resta continuar a luta, para harmonizar as programações, de forma a proteger e a preservar a cultura do povo e os grupos populares, salvando-os da extinção que ronda, inexoravelmente, Laranjeiras.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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