Os processos de Tobias Barreto

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, desembargador Macedo Malta, num gesto de admiração e de guarda da memória de Tobias Barreto de Menezes, cedeu ao Tribunal de Justiça de Sergipe, para seu Memorial, dois processos que tramitaram na Comarca de Escada, em Pernambuco, onde o pensador sergipano foi Curador de Órfãos, Advogado e Juiz Municipal, substituto.

Os processos aguçam, com toda a certeza, a curiosidade pública em torno da atividade forense de Tobias Barreto, que complementa a sua biografia de poeta, de crítico, professor e filósofo, cuja vida é um patrimônio construído com esforço pessoal, para vencer as adversidades.

A ação intelectual de Tobias Barreto está nos jornais recifenses, nas revistas e nos livros que publicou, acrescidos de edições póstumas, desde aquelas cuidadas por Silvio Romero, e que abriram o roteiro das Obras Completas, que tiveram duas grandes edições, uma em 1926, por iniciativa do presidente do Estado Maurício Graccho Cardoso, outra reunindo o Instituto Nacional do Livro e o Governo do Estado, na gestão de Antonio Carlos Valadares, em 1989/90, celebrando o Sesquicentenário de Nascimento e Centenário de sua Morte.

A presença de Tobias Barreto nas lides forenses era, praticamente, desconhecida até a organização de sua obra, em 1989. O Cartório de Escada era depositário de cerca de 80 processos, nos quais a assinatura do mestre dava significado especial. O próprio desembargador Macedo Malta, que por mais de 10 anos foi Juiz de Direito de Escada, teve contato com esse repertório de pequenos textos, em processos que motivaram, não raramente, ruidosas discussões. Várias tentativas foram feitas, então, para salvar das traças e do esquecimento esse aporte técnico de Tobias Barreto, próprio à sua formação de bacharel, da turma de 1869 da Faculdade de Direito do Recife.

A SUCA – Subsecretaria de Cultura e Arte, órgão do Governo do Estado de Sergipe, então dirigida por Luiz Eduardo Costa, mandou a Escada a professora Maria Andrelina de Melo, que teve acesso ao Cartório escadense, trazendo uma circunstanciada notícia do estado dos processos de Tobias Barreto.

No período entre 1987 a 1989, uma ampla pesquisa foi feita, tanto no Recife, onde Tobias viveu de 1862 a 1871 e de 1881 a 1889, e em Escada, onde já casado ele viveu de 1871 a 1881, tendo a Fundação Joaquim Nabuco microfilmado 80 processos, resgatando o que era possível. Trata-se de um documentário valioso, posto à disposição dos interessados, pesquisadores, estudantes, como um mostruário da visão jurídica do pensador, que revelaria sua atualização com o Concurso para professor da Faculdade de Direito do Recife, imediatamente após sua retirada de Escada.

Pode-se dizer, sem medo de erro, que os tempos de Escada prepararam o mestre, ampliando sua obra de crítico e de filósofo. Jackson da Silva Lima, que teve contato com os pesquisadores dos processos, deu divulgação no seu livro Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto e no 3º volume dos Estudos de Direito, da nova edição das Obras Completas, em 10 volumes, que tive a honra de dirigir, para a Editora RECORD, do Rio de Janeiro.

A oferta feita pelo desembargador Macedo Malta têm a carga simbólica de colocar ao alcance dos sergipanos dois dos processos honrados pela pena revolucionária de Tobias Barreto de Menezes.

Na verdade, trata-se de uma cena rara, que colhe um exemplo notável de coleta e guarda de um documentário de rara importância para os estudos do Direito, e que contrasta com a situação normal do Brasil, de descaso com sua documentação, de desleixo com sua memória, de irresponsabilidade com o seu passado.

Não há, nunca houve, programa de investimento que pudesse salvar do abandono as relíquias artísticas e culturais perdidas nos arquivos, nas bibliotecas, nos museus, ou nos porões, pelo País. A questão da cultura não mereceu, ainda, discussão profunda e cada dia os acervos e repertórios são deixados em plano secundário, como inúteis. O gesto do desembargador Macedo Malta é também raro no Brasil e merece os aplausos gerais dos brasileiros.

O material microfilmado pela FUNDAJ e contido nos Estudos de Direito III deve merecer, também, exposição pública, como um complemento essencial às Obras Completas do autor sergipano, mesmo porque, como foi dito pelo presidente do TJ de Pernambuco, restam poucos dos 80 processos conhecidos, apenas 14 ou 15 deles, que estão, sabiamente, sendo entregues à guarda de instituições que admiram Tobias Barreto. A própria obra tobiática, inteiramente esgotada, está precisando de nova edição, para que possa revelar às novas gerações o pensamento do sergipano que no dizer de Graça Aranha “emancipou, intelectualmente, o Brasil.”

A Editora IMAGO, do Rio de Janeiro, que arcou, sozinha, com a edição de 7 volumes das Obras Completas de Silvio Romero, tem interesse em editar Tobias Barreto e seu diretor, Eduardo Salomão, já mandou adiantar os trabalhos de digitação. Sendo, como o é, um patrimônio da inteligência sergipana, Tobias Barreto encarna Sergipe como berço cultural, que deu ao Brasil figuras ilustres de bacharéis, médicos, engenheiros, militares, sacerdotes, cada um com sua contribuição inovadora, na fixação dos fundamentos da vida cultural nacional.

Na paráfrase sobre Kant, é possível dizer: Voltar a Tobias é progredir.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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