Antonio Maia – Arte e alma de Sergipe

Nascido em Carmópolis, em 9 de outubro de 1928, quando aquele lugar ainda era Carmo, ex-vila e povoado de Rosário, servindo pelo “Maria fumaça” do “Chemins de Fer”, Antonio Maia Cruz, levou de Sergipe, nos olhos e na alma, todos os sentimentos e crenças, valores e costumes, que alicerçaram a sua arte, a um tempo simples e grandiosa, com a qual enfeitou e deu ao Brasil uma linguagem estética popular. Passou pela Bahia, terra de tantos mistérios, e terminou no Rio de Janeiro, onde nos anos de 1950 chegou para viver, com suas irmãs, uma existência de quase 80 anos, repartida entre a sobrevivência e as múltiplas manifestações do seu talento de artista. Parecia difícil conciliar a carreira militar, na Aeronáutica, com os pincéis, espátulas, telas e tintas, interessando-se por técnicas e temáticas próximas do povo, fosse o seu povo, como os ex-votos, fossem os orientais com os Tarôs, baralho de 76 cartas, seriadas em quantidades distintas de lâminas, de uso adivinhatório, e o Origami, com suas dobraduras de papel, além de outras sutilezas da alma humana.

            Outro sergipano – Artur Bispo do Rosário – nascido em Japaratuba, nas vizinhanças de Carmópolis, levou para o Rio de Janeiro a tradição dos estandartes, que tanto abrem desfiles e apresentações de grupos folclóricos e de procissões, como fixa cores, partidos, nos ciclos de festas, notadamente o natalino, agregado a Santos Reis e São Benedito, ornado pela cerimônia de coroação de Reis negros, costume que desde o século XVII tem registro no Recife, em Pernambuco, e no século XIX populariza-se em Sergipe, em volta das igrejas matrizes, de invocações de Nossa Senhora da Vitória e Nossa Senhora do Rosário, ou nas capelas dos engenhos de açúcar e das fazendas de gado.

            A lúdica sergipana ambientou entre Japaratuba e Carmópolis o povoado Entrudo, e guardou, nos primeiros dias de janeiro, na velha Missão de Japaratuba, a guerra das cabacinhas (que já foi conhecida como Limões de Cheiro) junto da qual desfilavam blocos de Maracatu, Cacumbís, Reisados, Cheganças, e outros fatos folclóricos que sobrevivem, de certa forma desfocados, como representações simbólicas do povo sergipano, ainda que formem uma base, na qual está contida a tradição, sem prejuízo da cultura popular que viceja nos contatos sociais, como uma expressão de liberdade num casulo subalterno que a economia impõe.

            Antonio Maia carregava com ele esse substrato estético dos desvalidos, como tinha na retina a paisagem da sua terra, hoje pontilhada de “Cavalos de Ferro” e cortada de canos que levam óleo e gás para os depósitos da PETROBRÁS. Foi em Carmópolis, em 1963, que foi descoberto petróleo fora da Bahia, abrindo uma perspectiva de exploração, ao tempo em que revelava grandes jazidas de evaporitos, das quais atualmente a Companhia Vale do Rio Doce minera o Potássio, na Mina de Taquari-Vassouras, no município de Rosário do Catete. O contraste entre a riqueza do solo e a pobreza da população é mediado, muitas vezes, pelo calendário de festas, devoções, usos e costumes, fatos folclóricos autenticados pela genuinidade, dinamicidade, expressividade e colegialidade, que são as características que identificam a tradição da cultura brasileira, dominantemente ágrafe e multiétnica.

            Antonio Maia tinha, engaiolados no seu apartamento do Rio de Janeiro, santos dos mais populares. Tinha, escorrendo pelas paredes, tocando o chão, quadros com ex-votos, como a retirar dos caminhos nordestinos as promessas, abrigadas na Santa Cruz de beira de estrada. As oferendas votivas, que dá a cada promessa sua graça, cada santo seu poder, cada pessoa seu merecimento, marcaram, por décadas seguidas, a pintura de Antonio Maia, vista nas exposições. Cabeças, olhos fixos, pedaços de corpo, com suas cores e dimensões dão forma ao universo onde a promessa está na base do compromisso e é algo sagrado para os que selam o pacto silencioso com a divindade e com os santos.

            Assim como Artur Bispo do Rosário costurou e bordou o manto que vestiria para seu encontro com Deus, Antonio Maia muniu-se de ex-votos para configurar sua arte, até morrer, recentemente (12 de julho de 2008), sem doenças ou reclamações. Dormiu, não acordou. Faria, daqui a mais alguns dias, 80 anos e era, sem favor, um dos mais autênticos artistas do povo brasileiro. Em tudo que buscasse inspiração encontrava a raiz da tradição, os matizes da cultura, recriando as formas com a espontaneidade da gente simples, que nas valetas da vida teimam em resistir. Sua arte tem a força das bandeirolas simétricas, estiradas nos cordões que enfeitam os terreiros de sua terra, nas noites juninas. E, mais que Volpi, Maia fez de sua arte um varal, a expor suas singularidades cromáticas sociais, traçando o norte de suas pesquisas, de parentesco concretista.

            Um irmão de Antonio Maia – José Maia Cruz – doublé de notário e de artista, viveu em Maroim desenhando os rótulos das bebidas da fábrica Hanequim, e cuidando das pinturas da Matriz, mantendo-as restauradas como um adorno sobre as cabeças dos fiéis.

            Sergipe pai e mãe, que perderam o filho há tanto tempo desgarrado, vive na arte desse migrante da permanente diáspora que agita o coração da terra, universalizando-se e universalizando-a.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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