Está aberta, há algum tempo, a discussão sobre os efeitos da rede mundial de computadores nos meios correntes de comunicação, muito especialmente os livros e os jornais. O tema está provocando debates, alguns até apaixonados, nos quais aflora um viés histórico, que de alguma forma explica a evolução processada nos dois últimos séculos, ainda que a imprensa, de tipos móveis, criada por João Gutemberg (1395-1468), remonte ao século XV, irradiando-se a partir de Maguncia (Alemanha), em 1455. A nova técnica estava na Alemanha e em Roma, na Itália, em 1464, na Basiléia em 1465, em Paris em 1469, em Viena em 1470, na Espanha em 1473, na Inglaterra em 1476.. A invenção de Gutemberg revolucionou a comunicação na Europa, criando alternativa para substituir os códices manuscritos, copiados e guardados nas velhas bibliotecas. E, ainda, parece ter sido a principal novidade que os mareantes espanhóis e portugueses tinham na época dos descobrimentos. Clique para ampliar
No final do século XVI, quando o Inquiridor Heitor de Mendonça Furtado esteve na Bahia (1591-1593) encontrou colonos afeitos a leitura e registrou alguns títulos de livros, alguns dos quais censurados. A cultura livresca encontra na dilatação da cartografia do mundo um suporte para alimentar o imaginário das pessoas. O livro, então, toma seus formatos, tornando-se objetos imitados, e reproduzidos pela indústria gráfica, que à época prosperava, competindo com a oralidade dos predicadores religiosos, que nos púlpitos das igrejas, nas tramas catequéticas, nos aldeamentos, sustentavam a propagação da fé. Essa peleja entre o livro e o sermão revelou que enquanto a homilia clerical tinha base na fé, e visava arrebanhar as multidões ao Cristianismo, os livros poderiam abrir caminhos à uma cultura livre, profana, sem vínculos com mensagens confessionais.
O livro, portanto, teve antecedentes que o tempo fossilizou, evoluiu, até tomar a forma com a qual tem sido reconhecido. A variedade de tamanho, de acordo com os conteúdos, número de páginas, ilustrações, não altera a iconografia do objeto, muito menos o contato individual que o leitor tem com o livro. O que parece valer é a relação do livro com o leitor, mesmo que proliferem as páginas web’s, os blogs, os sites, as páginas de relacionamento e outras formas eletrônicas, que atraem os internáutas, e que desapareçam as máquinas datilográficas, instrumentos essenciais à escrita. A disputa entre o livro gráfico, de papel e os textos que circulam na Internet, ou eletrônicos, não parece apontar, no momento, para uma guerra que acabe com um e proteja o outro. O livro, tal qual se mantém como fonte da cultura universal, acondicionados nas prateleiras das bibliotecas, pode ter uma sobrevida harmoniosa com os novos meios. O que ninguém garante é que os modos eletrônicos de transmissão de saber continuem como são. A tendência das tecnologias é serem, continuamente, substituídas, por outras mais avançadas e práticas. O disco já foi uma grande bolacha de cera e acetato, diminuiu de tamanho com a mesma rotação de 78, passou a ser ainda menor e mais fino, tocado em aparelhos de 45 e de 33 rotações por minuto, em compactos simples e duplos e em long-play, antes de ser substituído pelo CD, que hoje não é o único suporte da música, pois concorre com o MP3 e outras gerações de aparelhos de múltiplo uso, Pen drive, etc. O filme fotográfico também sofreu transformações, mas as fotografias sobreviveram, tiradas em novas máquinas de qualidade, telefones, e por outros mecanismos eletrônicos, acumuladas em cartões, reproduzidas no computador. O relógio clássico trocou sua velha máquina por chips removíveis, que preservam as caixas e as marcas, como as mãos guardam os anéis. E por aí é fácil identificar o processo evolutivo que a ciência e a tecnologia conquistam. O livro não ficaria de fora, mesmo porque as gráficas trocaram suas máquinas e mudaram o modo de fazer livros, dispensando o uso de tipos móveis, colunas de linotipo, fotolito, tornando o processo editorial rápido e de boa qualidade.
Na Cidade do México, em comemoração dos 75 anos do Fondo de Cultura Econômica, foi realizado, recentemente, um Congresso Internacional do Mundo do Livro. Durante uma semana, 40 especialistas travaram um diálogo sobre a sobrevivência do livro tradicional, na luta com o chamado “livro” virtual. Na opinião de Fernando Savater, pensador espanhol nascido em San Sebastian, estrela do evento, resume o problema, dizendo: “Não há porque escandalizar-se, se futuros criadores não tiverem um livro em sua forma impressa. Não se pode esquecer que houve épocas que não havia o livro, tal qual o conhecemos hoje.” Para ele, o verdadeiro perigo, a incógnita real, é se o escritor vai seguir sendo autor dos seus livros, alguém que mantenha uma relação especial com seus leitores.”
Os jornais estão no mesmo plano das preocupações e sofrem a concorrência dos noticiários on line das redes de televisão, e já muitas vezes das suas próprias páginas eletrônicas. Há uma espécie de produto híbrido, acessável na Internet, em linguagem diferenciada daquela velha conhecida dos textos jornalísticos. Vive-se, portanto, em tempo real, um processo de mudanças, que deve ser acompanhado, discutido, assimilado, pela importância cultural que ele contém.