Um sergipano desconhecido

Assim que conquistou a sua Emancipação política, desobrigando-se de trabalhar e de valer-se dos seus pendores para atender aos grandes da época – Bahia e Pernambuco -, que Sergipe mostrou-se capaz de formar uma civilização própria, a partir do potencial das suas terras para cultivar a cana de açúcar, criar gado, produzir uma riqueza e ser, em certa medida um lugar destinado a atrair investidores, aventureiros, e todo um conjunto de circunstantes que formam a bolha econômica, em torno da qual a vida se move. A Emancipação política de Sergipe liberou a terra e a gente sergipanas para fincar fortes estacas num processo cultural e social que ainda hoje repercute, com singularidades que dão ao território e à sociedade sergipanos difereciações que precisam ser conhecidas, estudadas e incorporas ao movimento da história.

Pequenos lugares, como Laranjeiras, que na segunda metade do século XVIII não passava de um pequeno ponto, dentre muitos que formavam o território da Freguesia de Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba, ganharam a pujança transformadora, graças a utilização das terras pretas e gordas do massapé, as mais apropriadas para o cultivo da cana e a produção de açúcar. Um pedaço não muito grande de terras transformou-se num rico parque açucareiro, gerando uma riqueza que marcou a Província e pontilhou as terras com nomes e sobrenomes que elevararam, pelo dinheiro e pela projeção política, intelectual e social, dezenas de famílias, muitas das quais formadas nas circunstâncias as mais díspares.

Na primeira metade do século XIX vivia em Laranjeiras o médico José Cândido Faria, nascido provavelmente na região de litígio territorial entre Sergipe e Bahia, formado em Montpelier, na França, especializado em cólera, flagelo que grassava no mundo, dizimando milhares de pessoas. Fundador, ao lado do célebre Dr. Bragança, do Hospital de Caridade, José Cândido Faria tinha clínica em Laranjeiras e naquela cidade casou-se com D. Josefa Aragonêz, espanhola que vivia com um irmão na cidade, valendo-se das oportunidades que a circulação da riqueza permitia. Com ela teve quatro filhos: Cândido (1849), Júlio (1852), Adolfo (1854) e Enrique (1855). Morrendo vítima da cólera que tratava, em 1855, o médico José Cândido Faria deixou viúva e quatro filhos. A família mudou para o Rio de Janeiro, onde cada um tomou o caminho da sobrevivência.

Cândido Faria estudou na Academia Imperial de Belas Artes, colaborou em jornais, como A Pacotinha, O Mosquito, O Lobisomem, Mefistófeles, A Vida Fluminense, O Figaro, Ganganeli, O Mequetrefe, O Diabrete, A Comédia Popular, A Galeria, Zigue-Zaque. Em 1878 Faria mudou-se para Porto Alegre, onde editou La Cotorra e colaborou com El Gráfico. Transferiu-se para Paris, onde fez os cartazes dos filmes da Casa Pathé e desenevolveu variada expressão de arte, glorificando a sua biografia. Cândido Faria deixou, em Paris, um filho artista: Jacques, que já nasceu em Paris, em final do século XIX. De Jacques nasceu Felipe Jacques Aragonez de Faria, jurista e músico, que tem feito o magnífico trabalho de recompor a saga da família Aragonez de Faria. Felipe é pai de Isabel e de Inez, artistas plásticas parisienses

Júlio tomou o caminho da engenharia e criou família no Rio de Janeiro. Enrique morreu em 1876. Adolfo foi também desenhista e litógrafo e como o irmão Cândido freqüentou a Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Participou do Mequetrefe onde deixou uma rica e notável contribuição, como um dos mais requisitados e influentes artistas brasileiros do seu tempo. Sua obra, sempre referenciada por autores como Herman Lima, autor de uma história da caricatura no Brasil, que, apesar de tratar das obras artísticas dos irmãos Aragonez, não revela a naturalidade dos artistas Cândido e Adolfo. Nascidos em Laranjeiras, vítimas da tragédia do cólera, os Aragonez de Faria construíram biografias que respondem aquela motivação presente em Laranjeiras, quando Sergipe está livre para construir sua economia e sua sociedade, tendo condições de atrair colaborações de várias partes do mundo, que ambientaram as suas participações.

Sergipe deve aos artistas nascidos em Laranjeiras, Cândido e Adolfo, pesquisa, estudo, incorporando ao rol dos sergipanos tais figuras que, superando a tragédia, fizeram de suas vidas exemplos singulares, aos quais podemos recorrer como um modo sergipano de superar a adversidade e construir alternativas de superação. A qualidade artística dos trabalhos de Cândido e de Adolfo Aragonez de Faria, nascidos em Laranjeiras, elevou o nome de Sergipe no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Paris, com repercussões que firmaram, na história da arte, uma contribuição especial que imortaliza os dois irmãos sergipanos. Depois de brilhar com seus desenhos e caricaturas, Adolfo Aragonez de Faria montou um atelier de fotografias, anunciado anos seguidos pelo Almanaque Laemmert do Rio de Janeiro, até os primeiros anos do século XX.

Legenda: A viagem da Princesa Isabel a Roma, tendo como personagens Pio IX, Barão de Penedo, a própria Princesa e um boneco de um índio representando o Brasil. O Mequetrefe, 1876. 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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