Nos anais da cultura sergipana estão registros, ainda que a cada dia tendam a cair de importância, de homens de jornal e de tribuna com fôlego e preparo de intelectuais. Nomes que brilharam no final do século XIX, como Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Prado Sampaio, ocupando as páginas dos diários, tratando de temas novos e de reflexões que iluminavam os caminhos abertos pela revolução cultural da Escola do Recife, sob a genial liderança de Tobias Barreto. Outros, pelas ruas, com suas vozes anunciadoras de novidades políticas e culturais. Durante as três ou quatro décadas do século XX os jornais estavam repletos de intelectuais jovens, afinados com as discussões do tempo, e já tocados pelo debate ideológico. Além dos que viraram o século, anota-se os nomes de Clodomir Silva, Mário Cabral, Omer Monte Alegre, João Passos Cabral, Maria Rita Soares de Andrade, os irmãos Walter e Aluysio Sampaio, João Nascimento, e de outros que animavam o mundo cultural da terra. Orlando Dantas, José Calasans, Gonçalo Rollemberg Leite, Manoel Cabral Machado, modernizaram ainda mais a imprensa, jornais e revistas que contaram, ainda, com outros grandes, que devem ser evocados e lembrados. Seixas Dória, quando deputado
Além dos escritores e dos jornalistas, tão próximos pela fixação, para a posteridade, dos que escreveram, Sergipe guardou a memória das ruas, os encontros cívicos, as lutas políticas, nas palavras de oradores que tanto excitavam, quanto comoviam as platéias atentas. O que ficou nos guardados dos sergipanos, nas páginas dos jornais velhos, ou na lembrança colhida pelo testemunho, apontam para a consagração de jornalistas atentos e oradores vibrantes, enfeitiçando as massas, marcando-as com o sopro da genialidade convertida em expressões semânticas, muitas vezes aureoladas por gestos tocantes de emoção. No século XX, e já se pode incorporar a década quase vencida do século XXI, correram nas ruas sergipanas os nomes de Fausto Cardoso, Homero de Oliveira, Seixas Dória e Luiz Garcia, para citar quatro dos maiores oradores de todos os tempos, aos quais se deveria, de plena justiça, juntar o nome de Marcelo Deda, a sensação mais recente da arte da palavra em voz alta. Ele recebendo homenagem na Câmara Municipal de Aracaju
Fausto de Aguiar Cardoso (1864-1906) teve uma vida curta e de lutas, e morreu pregando a revolução e reverberando que “A liberdade só se prepara na história com o sangue dos homens, o cimento dos tempos. E se ela não é o preço de uma vitória, não é liberdade; será tolerância, favor, concessão, que podem ser cassados sem resistência que se revista do Poder. Não gera caracteres nem cria personalidade. Enerva, dissolve, abate, humilha, corrompe e transforma os povos em míseras sombras.” Seu assassinato, em nome de uma causa que uniu parte significativa do povo sergipano, consagrou o poeta, o advogado, o político e especialmente o orador, como revelam os registros gráficos da Câmara Federal.
Homero de Oliveira Ribeiro, de família laranjeirense, viveu 52 anos (1858- 1910), mas com intensa atividade: redigiu e dirigiu o Correio de Aracaju, escreveu e publicou poesias, foi deputado no início da República e apresentou um Projeto de Constituição estadual, foi magistrado e presidiu o Tribunal de Justiça de Sergipe. Mas, ao morrer, o que se ouviu entre os órfãos da sua palavra, o que mais se leu, foi que ele era o grande orador do seu tempo, era todo inspiração e sabia hipnotizar o público com seus discursos.
Luiz Garcia ( 1910-2001) foi homem de jornal, como foi orador político e também soubesse usar os parlatórios dos Tribunais para manifestar, com sua palavra comedida, formando frases de esmerada concisão, adornando com gestos e hábitos o teor dos seus discursos. Deputado Estadual, Deputado Federal, Governador do Estado, chegou a Academia Sergipana de Letras pela voz, mais do que pelos escritos, ainda que tivesse sido um notável jornalista, do mesmo Correio de Aracaju que abrigou em suas páginas Homero de Oliveira.
Seixas Dória, nascido em 1917, arrebatou o Brasil com sua palavra, sua voz trêmula, seus gestos largos, seu lenço branco, e sua coragem intimidadora. Pequeno no porte, gigante quando tinha diante de si, o microfone e o povo atento. Sendo o mais contemporâneo dos grandes oradores, Seixas Dória conduz, com sua vida longa, a consagração que conquistou com sua oratória espetacular. Aos 93 anos, ainda surpreende os desavisados e afaga o ardor dos que o ouviram falar, nos áureos tempos das lutas políticas, e conquista aplausos e admiração, pela magia que conserva, como um bem íntimo e ao mesmo tempo público, que marcou sua vida política. Seixas Dória também ingressou, pela palavra, na Academia Sergipana de Letras, ilustrando uma das Cadeiras do Sodalício das Letras e sobrevive como um símbolo, um monumento de Sergipe.
Ainda que a palavra concorra com o signo e que a comunicação tenha perdido o charme da palavra poética, inflamada, cheia de verdades duras, ainda existem os encantadores de multidões, aqueles cujas palavras e gestos fascinam, apaixonam. Marcelo Deda, de 50 anos recentemente feitos, é o nome do grande orador do presente, que elevou o tom cultural do discurso, incorporando nele as lições da história e as reflexões que tornam a palavra um instrumento definitivo de afirmação da inteligência. Sua primeira linguagem foi a do cinema, a palavra em imagem e movimento, mas depois veio a política e com ela a arte de falar fez o monge, na analogia possível, que consagra o orador e acentua a qualidade das suas participações. Os discursos de Marcelo Deda justificam, plenamente, a inclusão do seu nome na galeria dos maiores oradores de Sergipe. Assim como João Alves Filho fez com os com seus livros, Marcelo Deda com seus discursos, entrevistas e outras falas, consagra um papel novo de governante.
Como no verso concreto, a Pa Lavra.