Santos Populares

Neste tempo de festas de junho, Santo Antonio, Doutor da Igreja, São João, Profeta, São Pedro Apóstolo, renovam a fé católica e as crenças que alimentam a religiosidade popular. O ciclo junino é universal entre os sergipanos, havendo distinção apenas quanto ao volume da festa, que compreende a organização dos arraias, o corte e a aposição do mastro, a queima da fogueira e dos fogos, a culinária sem rival, que mistura milho e coco, os bailes populares e as quadrilhas, renovadas em seus enredos e figurinos, as simpatias, o trajo que imita o homem mais simples do interior, dentre outras características que abonam a tradição. Ao lado da parte eminentemente cultural, sobrevivem a antiguidade do culto agrário, da colheita do milho verde, com fragmentos do mito da Cocanha, ou da fartura e da abundância.

Além do calor das suas labaredas, que esquenta o ambiente e ameniza o frio do inverno, a fogueira encerra em si mesma um conjunto de antiguidades. Os mais antigos a tiveram como remédio contra os dragões, que infernizavam a vida comunal com seus vôos lançando espermas sobre as casas e pessoas, queimando ossos para afugentá-los com a fumaça. A fogueira faz recordar, também, que os ossos de João Batista foram queimados pelos infiéis, em Sebasta. Entre nós ela é um braseiro, típico para assar milho e carnes. É usada, ainda, como símbolo de amizade e de fortalecimento das relações sociais, através do compadrio e do apadrinhamento: São João dormiu/ São João acordou/ vamos ser compadre/que São João mandou.

O ciclo de festas juninas é parte relevante da psicologia social dos brasileiros do nordeste, mas não é o único instrumento agregador, que coloca as pessoas e as comunidades na linha próxima do panteão dos santos e divindades. O trezenário ou novenário, que era comum nas casas de família de Aracaju e do interior, tem cedido espaço para as festas públicas, mistas de devoção e de celebração. Nas ruas já raream os ajuntamentos, os arraias, ganhando espaço os espetáculos, que misturam ritmo e de certo modo interferem nos hábitos mais antigos e populares, como os autênticos forrós de latada, com sotaque regional dominante. Neste capítulo artístico, as festas juninas têm perdido identidade, por força dos shows alienígenas, descasados da tradição.

Fora do período junino e natalino, que são os dois mais abrangentes, as casas sergipanas guardavam um devocionário que o tempo tem apagado. Toda casa tinha, na parede, quadro com Jesus, ao lado dos donos da residência, do mesmo modo que tinha, também expostas, imagens de vários santos. As casas tinham, também, oratórios de madeira, repleto de imagens, de tamanhos variados, alimentando o compromisso religioso permanente, não apenas com o padroeiro ou santo da devoção. Uma rápida leitura no volume 1 dos Inventários judiciais do século XIX – 1811-1900, dentro do Catálogo da Documentação da Comarca de Aracaju (Aracaju: Arquivo do Poder Judiciário/Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, 2007), trabalho notável da professora Eugênia Andrade, fornece uma ampla informação sobre aspectos da religiosidade doméstica em Sergipe.

Nos Inventários são declarados 132 santos, a começar por São Brás,  em 1814, terminando com ele, em 1881, acolhidos nas casas sergipanas, postos nos oratórios, ou ao lado de cordões de ouro e prata, bentinhos de ouro, e outros talismãs que retratavam a fé, sendo, também, um pedaço da riqueza material, muitas vezes partilhada nos dotes e nas heranças. São Brás, Santo Bispo, pode ser tomado como uma referência dentre os demais santos venerados, é festejado em 3 de fevereiro, dia do seu martírio, em no ano 316, em Sebaste, cidade da Armênia ( onde, como já ficou dito, foram queimados os ossos de João Batista). São Brás é, no Brasil, padroeiro das doenças da garganta.

O recorde de imagens nos nichos das fazendas e casas sergipanas no século XIX pertence a Nossa Senhora da Conceição, 23, seguindo-se Santo Antonio, 20, Santo Cristo, 19, São Brás, 14, Santo Crucificado,10. Com menor incidência são citados: São João e São José empatados, 6, Espírito Santo e Senhora Santana, 5, Nossa Senhora da Piedade, 3, São Francisco, Senhor do Bonfim, Santa Luzia, São Gonçalo e Senhor da Cruz, 2, Senhor Ressuscitado, São Félix, São Benedito, São Sebastião, São Roque, Santa Quitéria, Menino Deus, Jesus, Maria e José, Nossa senhora do Rosário, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora do Carmo, todos 1. Tais citações não cobrem, evidentemente, todas as declarações de pertences religiosos, de todo o tipo, declarando devoção explícita aos santos. Muitos deles continuam reverenciados, como padroeiros, ou festivamente evocados e lembrados. 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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