Marcelo da Silva Ribeiro amplia de forma magistral a sua presença na literatura sergipana, publicando LÁ DO LADO DE CÁ – O País da Tropicália, vigoroso ensaio sobre a cultura musical do Brasil, contextualizando fatos que marcaram a evolução da sociedade brasileira, com o tempero de uma pitada de memória, como uma escrita testemunhal de si, evocando a quadra de sua presença na Bahia, como aluno da velha e mítica Faculdade de Medicina, entre 1969 e 1974.
O ensaio, gênero atribuído a Montaigne (Essais, 1580) parece existir na fronteira entre a história, pela verdade que exprime, e a crítica, pela beleza literária cumprindo um papel conotadamente didático. O ensaísta é, por definição, um bom escritor, que processa a troca de idéias com o leitor. Marcelo da Silva Ribeiro tem, na sua obra, as medidas para vestir o capelo do ensaísta, oferecendo ao leitorado brasileiro, notadamente sergipano e baiano, uma lição marcada pelo ritmo do tempo, pelo andamento dos fatos, pela sintonia com a realidade.
LÁ DO LADO DE CÁ – O País da Tropicália é um documento essencial, que faltava ao Brasil e a bibliografia brasileira, para explicar as tramas e armadilhas que tomaram corpo e assustaram os brasileiros. Marcelo da Silva Ribeiro acende o lume das suas lembranças e com ele invade o silêncio, para contar, criticamente, a história dos nossos tempos modernos. É uma obra densa, bem ordenada, bem conduzida, munida de todas as atrações para ser lida e refletida. Não é livro para ser folheado por olhadelas fortuitas, mas ser relido, anotado, como algo que marca, fortemente, a fronteira de um tempo sem gentilezas e sem douçuras.
Parece que Marcelo da Silva Ribeiro reabriu a congregação da Faculdade de Medicina da Bahia para acompanhar, com olhar admirado, o desfile dos fatos, entre ruídos suspeitos e alegrias incontroláveis. E assim vai buscar, no passado da velha escola de médicos, os embates de religião e de ciência, de salvação e de evolução, que serviram de rotunda para reprovar as FUNÇÕES DO CÉREBRO, que o mulato Domingos Guedes Cabral levou como Tese para encerrar seu curso. Qual Torquato Neto, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Capinam, Gilberto Gil, Tom Zé, Guedes Cabral asilou-se em Laranjeiras (podia ir para qualquer lugar do Brasil), declarou-se livre pensador, foi Orador do Gabinete de Leitura de Maroim, preparou Laranjeiras para a pregação republicana e para a instalação da Igreja presbiteriana, antes de voltar para a Bahia e lá morrer, ainda muito jovem, com 30 anos, em 1883.
A música brasileira, seus autores, intérpretes, figurantes e platéias, aparece por um corte que Marcelo da Silva Ribeiro no cenário e no tempo da Bahia, recuperando um pedaço de vida cultural, artística e dos embates decorrentes da ruptura do regime democrático, que levou à luta, com as armas possíveis e disponíveis, uma geração de talento musical que renovou a história da música, dos espetáculos, do cinema, das artes plásticas, e que se debruçou sobre o Brasil, qual luta de David e Golias. O livro faz um mergulho, com todo o estilo, para melhor tratar a temática do ensaio, de modo a fazer da escritura pessoal uma referência, amalgamada nas relações que o tempo em que viveu em Salvador lhe permitiu faze-las e mantê-las, com intimidade necessária para corrigir equívocos, desfazer versões, restaurar a qualidade das informações.
Sem dúvida alguma LÁ DO LADO DE CÁ – O País da Tropicália não apenas será lido e reconhecido como o melhor livro de Marcelo da Silva Ribeiro, mas como um dos mais aplicados ensaios sobre a música popular brasileira. Tendo alguns títulos que obtiveram aplauso público, como o PT SAUDAÇÕES, tratando de sua experiência como político, nas entranhas de um partido contraditório, e como Deputado Estadual à Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe.
Bem escrito, correto nas fontes, fiel as recolhas de informações, bem ilustrado, o livro de Marcelo da Silva Ribeiro preenche o vazio ensaístico que havia em Sergipe, renovando a literatura sergipana e contribuindo para a releitura do Brasil, principalmente da segunda metade do século XX.