Um Cartão e dois recados de LAMPEÃO

Não para de crescer a bibliografia sobre o ciclo do cangaço e a vida de Virgulino Ferreira da Silva e seus rapazes, ainda que sua morte, na grota de Angicos, município de Poço Redondo, tenha completado 72 anos, em 2010. Um livro novo, de excelente qualidade, foi publicado em São Paulo – Estrelas de couro, a estética do Cangaço, de autoria do especialista Frederico Pernambucano do Mello, da família e do convívio de Gilberto Freire. Os pesquisadores continuam revolvendo papéis, livros, tomando depoimentos de sobreviventes ou parentes dos cangaceiros, buscando esclarecer mais e melhor a saga do Capitão Lampeão.

Lampeão andou por Sergipe desde 1929, circulando sem embaraços, estabelecendo negócios e fazendo amizades com proprietários rurais e políticos, e em Sergipe morreu, num lance confuso e ainda pouco explicado. No imaginário do povo o Capitão não saiu ferido de balas das volantes ou da polícia, mas teria sido envenenado, a mando de alguns interessados no dinheiro que aplicava e que tinha não mão de várias pessoas. O tema da agiotagem, ainda pouco pesquisado, ganha reforço no livro de Frederico Pernambucano de Melo, reproduzindo o Correio de Aracaju, de 25 de junho de 1936 e a Gazeta de Alagoas, de 1º e 10 de julho de 1936, que tratam do espólio do cangaceiro Zé Baiano, morto em Alagadiço, povoado de Frei Paulo (SE) por Antonio de Chiquinho.

Com Zé Baiano, segundo os jornais citados, foi encontrado um punhal, lavrado em ouro e prata, calculado em um conto e duzentos mil reis; o chapéu, que continha 65 medalhas de ouro e 2 alianças na barbela e uma sacola contendo peças de ouro, com aproximadamente 900 gramas. Antes de morrer, Zé Baiano disse a Antonio de Chiquinho que além dos 6 contos e 25 mil reis, “tinha mais dinheiro espalhado em transações pelo sertão.” Num cartão, com foto de corpo inteiro, Lampeão escreveu a um fazendeiro de Sergipe autorizando a “que fizesse um negócio”, o que leva a crer na agiotagem, na compra de fazendas e de imóveis urbanos, sem escrituração que  tornasse o seu nome exposto como proprietário. Há quem acredite que o próprio Zé Baiano foi escalado para viver em Alagadiço, para cuidar das finanças do Capitão, espalhadas por aquela região produtiva. Em Alagadiço ninguém camufla a razão da morte de Zé Baiano, tirar-lhe o dinheiro que administrava, com uma carteira de créditos e débitos.

Tudo o que se refere a Virgulino Ferreira da Silva está mesclado de fantasia, o que termina impedindo que sua presença e suas relações de amizade em Sergipe sejam tratadas com o interesse de recompor a biografia do Capitão Lampeão. Há um ouvir dizer, entre alguns dos pesquisadores antigos e atuais, que prejudica em muito a compreensão do fenômeno do cangaço no território sergipano. As relações de Lampeão com o Governador e Interventor Eronídes Ferreira de Carvalho, filho de Antonio Carvalho, que vivia na margem do rio São Francisco, veio à tona pelo conjunto de fotografias, tiradas na Fazenda Jaramantaia, pelo próprio Interventor. Por coincidência, foi em plena Interventoria que Virgulino Ferreira da Silva morreu em Angicos, surpreendido e desprotegido, num episódio que circula como peças de um quebra-cabeça a ser definitivamente montado.

Virgulino Ferreira da Silva era audacioso em seus contatos. Certa vez mandou dizer ao Dr. Costa Rego, Interventor de Alagoas, que “eu tapo riacho, quanto mais rego.” A Elias Soares, Lampeão, ameaçado, mandou dizer: “Já comi toucinho com mais cabelo,” frase que passou a ser usada pelo povo, diante de ameaças e dificuldades. É rico o universo de frases atribuídas ao “rei do cangaço”, como é amplo o repertório de fatos atribuídos a ele e ao seu bando. A fama de Lampeão ajudou a que muitos nordestinos construíssem perfis e ganhassem notoriedade e crédito. O papel dos Interventores ainda é de entendimento difícil, muitas vezes confundido com a organização de volantes, milícias e batalhões chamados patrióticos. A imprensa concorre para fixar as aventuras dos cangaceiros, mas confunde o leitorado com informações dúbias, desconexas, que dentre outras façanhas atribuem a Lampeão a bi-locação, como era atribuída a Santo Antonio.

 Elias Soares é conhecido por duas faces: a primeira, como bandido, chefiando um grupo de cangaceiros, assustando e infernizando a vida das pessoas, como o fez em Aquidabã (Sergipe) em 1921, merecendo o registro preocupado do Presidente do Estado, Pereira Lobo, em Mensagem aos Deputados da Assembléia Legislativa. Nos últimos anos da década de 1930, Elias Barbosa comanda uma volante e é elogiado por perseguir Lampeão no Nordeste brasileiro, onde entre Cangaceiros e Volantes pouca diferença houve.

Pedro Morais, juiz de direito aposentado, pesquisador da temática do cangaço, prepara livro do qual leu algumas páginas na reunião do “CORECON”, atestando a vitalidade do assunto, a força dos personagens, e o cenário sergipano e nordestino que emoldura os tempos do Capitão Lampeão.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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