A pequena e subalterna Capitania de Sergipe Del Rei tornou-se uma pátria intelectualmente admirada, pelos vultos que deu ao Brasil e pelos exemplos que serviram de fundamentos da cultura brasileira. É sempre motivo de orgulho a evocação de figuras nascidas em Sergipe e que galgaram posições pioneiras e destacadas, contribuindo para alimentar um compromisso de valorização das ferramentas culturais, na construção da sociedade. Sergipe, que chegou a contar perto de 800 engenhos de açúcar, rapadura, alambiques, viu ruir a economia açucareira, eliminando influências de homens e famílias ricas, em grande parte esquecidos. Com os intelectuais – bacharéis, médicos, engenheiros, militares – sobreviveu uma memória que tem, ainda hoje, garantido o conceito adquirido pelos sergipanos. Essa riqueza imaterial, que aflora em outros campos, tem protegido a imagem de Sergipe, apesar dos percalços, que não são poucos.
Sergipe criou, em 1848, através da Lei 233 de 16 de junho, a sua Biblioteca Pública, inaugurada no dia 2 de julho do mesmo ano, num dos salões do Convento de Santa Cruz ou de São Francisco. A idéia era a de criar um suporte intelectual para o Liceu Sergipense, escola secundária criada um ano antes. Dirigida por um Bibliotecário, um Ajudante e um Amanuense (o que equivale, hoje, na burocracia, a Escriturário), ela logo reuniu 837 volumes, sendo 280 livros comprados e 557 doados. Mal de origem, o de não comprar livros, socorrendo-se nas doações recebidas, hábito que varou o tempo e consolidou-se. Ainda que seu público diário de leitores seja formado por estudantes, de nível médio e superior, o acervo da Biblioteca Pública Epifânio Dória aumentou, historicamente, por doações. As compras, quando ocorrem, são em pequeníssima monta. É como se o Estado sobreviva, nesta particular, da caridade pública. Vez por outra, para um carro e desce alguém, com caixas de livros usados, perguntando se a Biblioteca aceita a doação. Nada demais com os livros doados.
A Biblioteca Pública não é o único exemplo. A cultura, no geral, sobrevive com muitas carências. O dinheiro que tem sobrado nas programações de shows, tem faltado para a área cultural, embora, é bom repetir, a cultura tenha dado e mantido a grande imagem de identidade dos sergipanos. As justificativas de falta de recursos, desde a elaboração do Orçamento anual, são repetidas. O Arquivo Público do Estado de Sergipe, criado em 1923, por Lei do Presidente Maurício Graccho Cardoso, foi extinto pelo seu sucessor, o intelectual e diplomata Ciro de Azevedo, que alegou economia para extinguir aquele equipamento de guarda documental. Felizmente, depois de algum tempo, o Arquivo foi recriado e tem, desde então, prestado um enorme serviço à pesquisa no Estado. Ficou, no entanto, o péssimo e triste exemplo do Presidente Ciro de Azevedo, que morreu sem desfazer o seu equívoco. Ainda hoje, o Arquivo carece de câmara de expurgo, de climatização, de equipamentos adequados e de pessoal. Mas, pelo menos, sobreviveu.
O descaso para com a cultura tem levado governantes ao crime do não cumprimento da Constituição estadual e de outras leis, pelas quais deslizam boas intenções. Os constituintes de 1935, aprovando a Constituição de 16 de junho, consignaram, no artigo 12 do capítulo das Disposições Transitórias: “O Estado mandará coligir e publicar as obras esparsas de Fausto Cardoso, Gumercindo Bessa e de outros sergipanos ilustres, já falecidos.” A idéia parecia ter inspiração no presidente Graccho Cardoso que mandou reunir as Obras Completas de Tobias Barreto, publicando-as pela Editora Pongetti, do Rio de Janeiro, em 1926. Para tanto, o Estado de Sergipe contou com o trabalho eficiente do magistrado e intelectual Manoel dos Passos de Oliveira Teles, que além da eficiência técnica deixou um registro impecável, que intitulou de Missão Tobiática no Recife.
A edição das Obras Completas de Tobias Barreto prolongou a vigência de sua atualização, até 1989, ano do Sesquicentenário de Nascimento e Centenário de Morte do pensador, quando o então Presidente José Sarney, ocupante da Cadeira que tem como Patrono Tobias Barreto, na Academia Brasileira de Letras, mandou o Instituto Nacional do Livro fazer nova e atualizada edição. Participou do projeto o Estado de Sergipe, graças ao então Governador Antonio Carlos Valadares.
São muitos males, que permanecem no cotidiano em torno da cultura. Não tem faltado, contudo, dinheiro para as muitas festas e outras alienações.