Sergipe e o Conselheiro

A presença, em Aracaju, do jornalista e escritor baiano Oleone Coelho Fontes, autor do livro NO RASTRO DAS ALPERCATAS DO CONSELHEIRO, apresentado num clube de Rotary e perante um grupo que reúne, todas as segundas feiras, no Auditório da SOMESE, provocou intenso debate, a começar pela fixação do Conselheiro em Sergipe, nos anos de 1873/1875, conforme noticiário dos jornais O RABUDO e TRIBUNA DO POVO, de Estância.

Silvio Romero, que viria a ser o genial historiador da literatura brasileira, quando Promotor de Estância (1873/1874), anotou dois fatos assemelhados, que levou ao conhecimento público no Rio de Janeiro, ao publicar os seus ESTUDOS SOBRE A POESIA POPULAR DO BRASIL, a partir de 1879, publicado em livro em 1888. Em Estância, Romero colaborou no jornal TRIBUNA DO POVO, dirigido pelo poeta José Maria Gomes de Souza. O primeiro fato, o CEU DAS CARNAIBAS, uma SANTIDADE que ele descreve assim:

“ …Tive o ensejo de estudar dois acontecimentos análogos, ainda que mais inocentes (a comparação era com a PEDRA BONITA OU REINO ENCANTADO, em Pernambuco, em 1836). Um passou-se no lugar denominado Carnaíbas, próximo a vila do Riachão, na Província de Sergipe. Dois pretos velhos alienados fizeram morada em uma casinhola onde havia uma Santa Cruz. …. Pois bem, os dois negros em um teatro deste entraram a fazer sermões e para logo viram grupar-se em torno de si enorme multidão. Estabeleceram o comunismo das mulheres e fizeram prédicas infamantes. Foi mister a intervenção da polícia para desmanchar-se o ajuntamento. O último fenômeno da espécie que tenho de apresentar teve um teatro ainda mais vasto. Um indivíduo criminoso do Ceará saiu a fazer penitência a seu modo e inaugurou prédicas públicas pela mesma forma por que os nossos enfastiados, sedentos de nomeada inauguram conferências… No seu percurso veio ter aos sertões da Bahia e fundou uma igreja em Rainha dos Anjos. Chamava-se Antonio e o povo o denominava e o povo o denominava o CONSELHEIRO. Passou por Sergipe, onde fez adeptos. Pedia esmolas e só aceitava o que supunha necessário para a sua subsistência, no que divergia dos nossos mendigos vulgares. Não tinha doutrina sua e andava munido de umas HORAS MARIANAS, donde tirava a ciência. Era um missionário a seu jeito. Com tão poucos recursos fanatizou as populações que visitou, que o tinham por Santo Antonio Aparecido. Pregava contra os pentes de chifre e os chalés de lã, e as mulheres queimavam estes objetos para satisfazer”.

O escrito de Silvio Romero é o primeiro registro sobre a santidade CEU DAS CARNAÍBAS, em Riachão do Dantas, onde correu processo, hoje depositado no Arquivo do Poder Judiciário. Exercendo a Promotoria, Silvio Romero colaborou no jornal TRIBUNA DO POVO com artigo sobre filosofia. O jornal funcionou nos anos de 1873 e 1874 e deu notícia da presença de Antonio Conselheiro nas cercanias, provocando reações da polícia e da justiça. De igual modo, o jornal O RABUDO, editado entre 1874-1876, tratou da presença incômoda, na região, do Conselheiro.

A tradição sergipana é a de que Antonio Conselheiro, antes de fixar-se em Monte Santo, fazia igrejas e cemitérios. São citados, dentre outros, a igreja e o cemitério de Tanque Novo, município de Riachão do Dantas, em Sergipe, a igreja do Mocambo, depois Nova Olinda e finalmente Olindina, na Bahia, infelizmente demolida, para ceder lugar a uma igreja maior, e algumas outras obras, o que realça seu compromisso com a organização religiosa do povo. Não há, no entanto, um levantamento que revele, com segurança, a geografia das andanças do Conselheiro, antes de Canudos.

Pena que Silvio Romero não tenha tratado das suas lembranças sergipanas, quando recebeu Euclides da Cunha na Academia Brasileira de Leras. Seu discurso, que recebeu o título de O BRASIL SOCIAL é uma das peças interpretativas mais completas do Brasil. O episódio de Canudos é tratado topicamente, sem merecer uma interpretação adequada, como o crítico sergipano tinha condições de fazê-lo. Certamente o seu republicanismo radical diminuía a importância de Canudos.

Muitos sergipanos tiveram participação e destaque na campanha de Canudos, como José de Siqueira Menezes, Pedro Freire de Carvalho, que mais tarde governariam o Estado de Sergipe, Manoel Pedro das Dores Bombinho, músico e rábula, autor de um livro – CANUDOS, HISTÓRIA EM VERSOS – que ficou inédito por várias décadas, muitos militares de diversas patentes, médicos, comerciantes, fornecedores, e jagunços que saíram de várias partes do Estado para o palco da guerra.

Visto como “o último quilombo”, por José Calasans, Canudos é mais um capítulo da história do Brasil que tem vínculos com Sergipe, o que sugere pesquisa e debate sobre o impacto e o os efeitos do episódio que marcou o final do século XIX e que ainda hoje motiva estudos.    

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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