Sergipe e o Conselheiro (VIII)

Foi o pesquisador carirense João Hélio de Almeida, no seu trabalho de conclusão de curso (Ciências da Religião) – UM PADRE À MARGEM DA HISTÓRIA: A trajetória do padre Felismino da Costa Fontes  – quem introduziu o nome do vigário de Frei Paulo no teatro do Catolicismo popular que marcou a última década do século XIX, quando os ânimos estavam atiçados pelos ventos da ciência e da política, renovando o conhecimento, justo quando o Brasil proclama a República, deixando para o passado toda a herança antiga do Império. Uma herança vasta e múltipla, que está na base da cultura nacional, com ênfase na cultura nordestina.

Era o tempo do Anticristo, do Fim do Mundo, das leituras simbólicas do Apocalipse, das Apostasias, que  gerava uma discussão que alcançava a Santa Missa e a autoridade do Papa. A fragmentação doutrinária deixava transparecer que a Igreja não se constituía uma unidade, com sua estrutura e seu poder de convencimento. Bastava uma voz discordante, notadamente de um Padre, que todo o arcabouço moral que sustenta a doutrina, para gerar dúvida e estabelecer o caos. A história do Brasil está repleta de exemplos, ilustrando lutas e confrontos dentro do mesmo espaço “sagrado.” No Nordeste ampliou-se, no curso do tempo, os conflitos que encobriam divergências.

No contexto teórico da Igreja, o Anticristo deveria aparecer na última hora, isto é, antes da segunda vinda do Cristo. Ao mesmo tempo diz que o Apóstolo diz que este Anticristo seria uma pessoa, também afirma que o espírito que  uma pessoa que nela se incorpora pois é também Anticristo e declara que já muitos deles têm vindo. A substância deste espírito é a negação de Cristo, ou da real encarnação do Filho de Deus, que não somente contraria a doutrina, como a põe em posição antagônica a todas as suas conseqüências.

Nascido em Itabaiana, em 1848,  Felismino da Costa Fontes descendia de pequenos comerciantes e proprietários rurais. Seguiu a carreira eclesiástica, ordenando-se em 1874, justo no ano em que Antonio Conselheiro tinha sua pregação ouvida pelos sergipanos de Estância. Seu sacerdócio notabilizou-se em Frei Paulo, principalmente nos três anos como Vigário – de 1886 a 1889 -, quando inimizou suas relações com a comunidade. De um lado, seus adeptos, que ficaram conhecidos como CAIPIRAS, e, do outro lado, a hierarquia do Clero, a começar pelo Vigário Geral de Sergipe, que em princípio acumulava suas funções com a de Vigário de São Cristóvão, e representava os interesses católicos, em nome da Bahia, até a criação da Diocese de Aracaju, em 1910.( Ao tempo do padre Felismino o Vigário Geral de Sergipe era o Monsenhor Manoel Raimundo de Melo.)

Padre Felismino da Costa Fontes, que não era único em sua rebeldia, protagonizou uma reação que obteve alcance social, a ponto de ser desautorizado pelo Vigário Geral, afastado de ordens, dominado fisicamente e levado para o Asilo São João de Deus, na Bahia, onde morreu, como informa Gervásio Prata – Monsenhor Daltro, Oração proferida na Cidade do Lagarto, em 7 de setembro de1947, ao ser inaugurado o busto em bronze, oferecido pelo povo à veneranda memória do Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro – na Revista da Academia Sergipana de Letras (Aracaju:Imprensa Oficial, 1948).

Os adeptos do padre Felismino – os Caipiras – eram conhecidos no final do século XIX e nas primeiras décadas do século. Carvalho Neto, no seu BREFAIAS E BURUNDANGAS DO FOLCLORE SERGIPNO, 1ª edição em 1965, 3ª em 2008, registra no Vocabulário popular o verbete CAIPIRA da seguinte forma: “Os adeptos do Padre Felismino, antigo da Freguesia d Frei Paulo, Sergipe, o qual, tendo enlouquecido, começou a pregar sobre o fim do mundo, iniciando uma Seita baseada no Apocalipse e na Missão Abreviada.” João Hélio de Almeida teve acesso as Cartas do Padre Felismino a alguns amigos e seguidores, dentre os quais João de Santa (João Alves de Oliveira).  Textos, comentários, Profecias, ilustram o bom trabalho sobre o Padre Felismino da Costa Fontes.

 Foi Gervásio Prata que, no trabalho já citado, atribuiu ao Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro a ação coordenada contra Antonio Conselheiro, impedindo a circulação de tropas em direção a Canudos, e conduzindo, pessoalmente, o Padre Felismino ao Asilo São João de Deus, na Bahia, onde  morreu, em data ainda ignorada. A Igreja em Sergipe baniu, entre os católicos,  a memória do Padre Felismino da Costa Fontes.

.


 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais