De Volta ao Que Temos

A cultura, como experiência, plena de sensações e de valores, é o instrumento permanente que identifica o ser humano. Desde os mais tenros tempos, quando o choro e o riso podem ser as expressões únicas do ser, a arquitetura da casa, cada cômodo com sua função, revela modos que têm sobrevivido universalmente, nos espaços que acumulam peças, objetos, imagens, e tudo o mais que as famílias guardam como testemunho do tempo. Forma-se, no cotidiano da vida doméstica, um acervo tanto familiar, quanto pessoal, de riqueza graduada pelas posses dos seus responsáveis.

A casa sergipana, principalmente no interior, dividia muito bem os cômodos, hierarquizando a presença das pessoas e dos grupos. A casa não começa na soleira da porta da frente, mas na calçada, que ainda que seja pública, é a plataforma onde a criança brinca, a moça conversa, os mais velhos põem cadeiras e acompanham a lentidão do tempo a passar. Na casa existem divisões claras: a sala de visitas, os quartos, a sala de jantar, a dispensa e a cozinha, acrescidos das casas de banho, como dizem os portugueses. Cada parte da casa tem sua intimidade, sua circulação, e sua importância, funcionando
como a representação de um código a ser seguido pelos moradores e pelas visitas.

Circular pelo interior da casa, entrar e sair dos cômodos representa uma intimidade dada a poucos, parentes e amigos. A distinção, no entanto,não quebra a regra, que vale para a maioria das pessoas. Na sala de visitas, no alto da parede, um quadro do Sagrado Coração de Jesus estabelece a reverência. Junto dele, fotos do patriarca, da dona da casa e de outros membros veneráveis da família. Ainda se vê, em muitas salas, a frase JESUS REINA NESTE LAR, como uma insígnia da fé e de devoção. Era comum, hoje não é mais, em cada casa houvesse um oratório, apetrechado de imagens e de objetos, como a representar, em miniatura, o compromisso da fé. Em certas casas havia, ainda, um lembrete: DEUS LHE (ou TE) DÊ EM DOBRO TUDO AQUILO  QUE ME DESEJARES, espécie de antídoto contra o mau olhado, a inveja, e outras coisas mais.

Nos quartos, amontoados, objetos do uso diário, roupas de cama, decorações, que preservam a alcova como um lugar recatado, guardado, onde poucos visitam. Os demais quartos são distribuídos com filhos, quando novos reunidos nos mesmo espaço, quando crescidos ficam separados, quando moças, mais separados ainda, como se a divisão da casa obedecesse a um critério moral, um código comportamental, guardado para conhecimento único dos seus moradores. Ainda que as outras casas reproduzissem  o mesmo formato. Cada casa, ou cada família, tem seus guardados e com eles remontam, na imaginação, cenas da vida, as festas de padroeiro, batizados, casamentos, crismas, momentos de alegria partilhados além da família, ou, na dialética da vida, as cenas tristes, as perdas, também repleta de significados.

A fotografia, desde o século XIX, tem sido o documento mais precioso, que leva cada pessoa ao seu passado, à sua história, e que testemunha hábitos não apenas próprios, mas dos demais que formam comunidades. A foto é o retrato propriamente dito da realidade, com integral e confiável integridade, para servir elos tempos afora, como uma didática contínua, que tanto mais envelhece mais tem o que mostrar, como imagem verdadeira, cheia de sentimentos. É sempre emocionante estar-se frente a fotografias, tanto mais antigas mais portadoras das lembranças guardadas na intimidade pessoal.

A fotografia é um processo de retorno ao que temos e ao que somos. Robério Santos, militante da causa cultural em Itabaiana, tem, como fotógrafo, a dimensão do trabalho que fixa e guarda imagens. É se sua autoria o livro JOÃOZINHO RETRATISTA, O mestre da Fotografia, lançado pela InfoGrafics, durante a Bienal de Itabaiana, em 29 de outubro. O pequeno grande livro alerta para o descaso para com a memória, mas não perde a gentileza, que destacar algumas fotos que recriam, na distância do tempo, realidade passadas. Robério Santos tem feito um trabalho exemplar, cascavilhando os guardados de casas de amigos da sua Itabaiana, recuperando pedaços de vidas, juntando cacos e glorificando aqueles que ampliaram o foco da vista e viram a casa com seus moradores, e mostraram o mundo com suas paisagens.

O acervo, em grande parte, de JOÃOZINHO RETRATISTA está salvo e devolvido aos personagens, com seus modos de vestir, seus adereços, suas poses, e toda uma atmosfera que revela o ritmo lento da vida. Robério Santoa não é um solitário em seu trabalho, é um exemplar zelador de tudo o que se torna público e perene, pela via preferencial da cultura. Este é um caminho que serve a todos os sergipanos, de todos os lugares.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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