Luiz Antonio Barreto
Na década de 1970 Sergipe mobilizou seu potencial e mostrou-se capaz de apresentar-se, aos olhos do País, como uma reserva de cultura, desde as formas intuitivas do folclore, até a arte refinada de pessoas e de grupos. Foi naquela década que surgiram o FESTIVAL DE ARTE DE SÃO CRISTÓVÃO e o ENCONTRO CULTURAL DE LARANJEIRAS, que abriram alas para o SEMINÁRIO DO GADO E DO COURO, em Lagarto, e os ENCONTROS CULTURAIS DE ESTÂNCIA E DE PROPRIÁ, cada evento com sua história. Houve, assim, uma mobilização que foi capaz de chamar a atenção para o perfil cultural do povo sergipano, alcançando as regiões do Estado e oferecendo uma possibilidade de discussão esclarecedora sobre a capacidade de gerar abordagens e entender a formação social sergipana.
O FASC nasceu para celebrar o Sesquicentenário da Independência do Brasil. Naquela década, em plena ditadura, os Estados foram convocados a festejar a Independência. O regime fechado, que vigiava os artistas e censurava as artes, parecia fazer uma pausa para mobilizar o País, deixando para cada Estado a tarefa a ser escolhida e submetida a uma Comissão, criada no âmbito do Palácio do Governo. A criatividade de professores e artistas, como Clodoaldo de Alencar Filho, Aglaé Fontes. João Oliva Alves, com seus filhos Luiz Eduardo e Terezinha, e algumas outras pessoas, além dos integrantes da Comissão e das Sub Comissões, que incluía a participação militar, com destaque para o Coronel Reni Reis Damasceno, respondeu com a idéia de um festival artístico, a ser realizado na vestuta cidade histórica de São Cristóvão, para onde, mais tarde iria o Campus da UFS. O FASC, que contou com muitos outros talentos em sua organização, foi um espetáculo grandioso, o maior já produzido em Sergipe, ocupando as igrejas e as ruas como grande ribalta, pela qual desfilavam os sergipanos e brasileiros.
Na esteira do FASC, embora sem sua influência direta, surgiu o ENCONTRO CULTURAL DE LARANJEIRAS, direcionado para pesquisar, estudar e promover o folclore, homenageando as tradições laranjeirenses, religiosas e estéticas. O primeiro ECL ocorreu em maio de 1976 e foi um choque de arte e de cultura popular para uma população acostumada apenas as festas religiosas. Foi a primeira vez, em Sergipe, uma das raras do Brasil, que o povo mostrou sua cara, seu corpo em evolução coreográfica, seus cantos, seus modos de expressão artística, povoando as ruas com um colorido nunca visto daquela forma, com seu cortejo, seu variado repertório, sua fascinante empatia com o público. Não havendo espaço para as apresentações, pois Laranjeiras estava, em parte, no chão, como ruínas, serviu-se de um circo para reunir o público. Naqueles dias de maio, a pesquisa, os estudos e a divulgação do folclore atingiram o seu clímax, repetido por décadas seguidas.
Lagarto, com sua tradição de fazendas de gado, motivou, no mesmo ano de 1976, a organização do SEMINÁRIO DO GADO E DO COURO, para estudar a contribuição da pecuária à vida econômica e social de Sergipe. O sucesso do ECL garantiu ao SEMINÁRIO DO GADO E DO COURO uma credibilidade, manifestada pela presença de estudiosos, de várias partes do País. Depois surgiram o ENCONTRO CULTURAL DE ESTÂNCIA, para destacar a vida urbana sofisticada que marcou, em várias épocas, a civilização sergipana, de que Estância o melhor mostruário, e o ENCOTRO CULTURAL DE PROPRIÁ, voltado para a discussão sobre o baixo rio São Francisco, onde conflitos de terra sufocavam as aspirações mais justas da população marcada da zona ribeirinha. Sergipe montava, dessa forma, um lastro de cultura, através da sua própria história e das múltiplas manifestações estéticas que revelavam o mais claro perfil da vida local, com os traços da sergipanidade. O retrato do passado aponta para a importância da montagem dos encontros e demais eventos, enquanto o flash do presente revela a perda contínua das potencialidades locais e a presença, avassaladora, dos espetáculos comerciais.
O FASC não existe mais, o SEMINÁRIO DO GADO E DO COURO não prosperou, vitimado pela descontinuidade, o ENCONTRO CULTURAL DE ESTÂNCIA também não firmou um compromisso permanente e o ENCONTRO DE PROPRIÁ, depois de uma vazante recomeça, graças a junção da Prefeitura, com a Diocese e com a UNIT, garantindo a volta dos debates e das manifestações ribeirinhas, cujo ponto alto é, no estuário do velho rio, a procissão de Bom Jesus dos Navegantes. O ENCONTRO CULTURAL DE LARANJEIRAS completou, na semana, mais uma edição e está perdendo, nitidamente, a sua função, na medida em que abandona os grupos autênticos, colocando-os ao lado de grupos de imitação e de projeção do folclore, e das bandas midiáticas. O tripé pesquisa, estudo e divulgação do folclore é apenas uma lembrança do que não existe mais, um retrato na parede, que o tempo está esmaecendo. É uma pena que Sergipe tenha sempre que viver do passado, suporte fragilizado que sustenta, a um tempo, os ganhos e as perdas.