Santo Souza |
É certo que a poesia tem perdido o encanto e os leitores, mas sobrevive como um lastro de sentimento e de reflexão, básico à história humana. Em todas as sociedades a poesia cumpre um papel aglutinador, lúdico, estético, aparentado com a identidade que os povos conquistam no curso da história. Pobre ou rica, a sociedade faz da palavra fragmento de versos e com eles edifica a sensibilidade diante da vida e do mundo que não se explicam em si mesmos. A regra vale para a terra sergipana, berço de grandes poetas e de outros literatos, entre os quais ocupa lugar destacado SANTO SOUZA.
Nascido há exatamente 93 anos (o dia do aniversário é 27 de janeiro), em Riachuelo, fez do cheiro das moendas de açúcar a referência identificadora do lugar, como exaltou os engenhos com seus nomes poéticos. Filho de uma mulher que emergiu da escravidão, SANTO SOUZA foi batizado como José, nos caminhos da vida trocou SANTOS por SANTO e fez do seu nome uma legenda, pela capacidade que teve de entender o mundo e a vida que há nele. Poeta, sempre poeta, trabalhou em muitos ofícios, aprendeu a simplicidade da vida escorrendo pelos fatos e emoções, antes de traçar, com o escopo simbólico das palavras, o discurso com o qual faz a interpretação das coisas do mundo e da vida.
O poeta, com sua obra de mestre, bastou-se no manejo das palavras, desfilando em livros todo o saber que sua reflexão criou. Os livros do poeta são verdadeiros códigos, onde os velhos segredos e longínquas mitologias ganham, revelados, a intimidade dos leitores. O poeta negro de Riachuelo deposita, há várias décadas, nos ouvidos dos sergipanos, a magia que a sua poesia foi capaz de guardar para as posteridades. Livros e mais livros, órficos como uma centelha reveladora, ferramenta decodificadora dos prantos vencidos do passado. SANTO SOUZA é a sua poesia e quase centenário poeta faz da poesia o seu itinerário, a sua comunicação, a construção de sua própria identidade.
SANTO SOUZA ocupa todas as geografias por onde tem vivido, mas é universal com sua obra vasta. O molde de um prêmio Nobel de Literatura lhe cai bem, lhe será justo, e atrelará a geografia da sua história pessoal de sergipano, universalizado na decodificação de todos os saberes transformados em versos e estrofes belos. Aliás, por ser resultado de um talento e uma competência majestosas, a honraria de há muito lhe é devida. E como seria bom ver Riachuelo enfeitada para a festa, testemunhar o poeta calçando os sapatos da sua humildade, empetecado para receber uma homenagem que de há muito lhe pertence. Quem quiser conferir a magnitude da obra santosozeana que abra qualquer dos seus livros, em qualquer página, e leia em voz alta o que está escrito. Não há quem não ouça o efeito das palavras rasgando a nossa ignorância. SANTO SOUZA faz leitura universal das civilizações, mesmo morando na Rua Rio Grande do Sul, no Bairro Siqueira Campos.
Aos 93 anos, rodeado de filhos, e de outros descendentes, o poeta celebra a vida longa e imprevista. Suas saudades de Fia, a mãe, de Mariana, a companheira esbarram na alegria dos sobreviventes, náufragos como ele, na solidão das ausências. Dia de festa para o poeta, risos e abraços, versos libertos pelos cômodos da casa, amigos e admiradores trocando visões de críticos, enquanto uma pequena e velha biblioteca guarda os saberes do mundo, e guarda a ideia emocionada do poeta com seus livros. Os sergipanos, irmãos de penúria e de angústia, que sobreviveram equilibrados na linha do tempo, também estão em festa, porque o poeta não se pertence, não é da casa nem da família, mas sendo de tudo um pouco, ele é um mago com suas palavras penetrantes, reveladoras, lindas como os arco de cores que se formam e se dissipam no transe emocionante da beleza. Do alto do pedestal de sua obra mística, SANTO SOUZA é porta-voz de sofrimentos e angústias, desconfianças e suspeitas, tendo em seu favor a oficina das palavras, moldadas na observação, fundidas no calor das crenças, como armas penetrantes que tomam a reflexão e agasalham a sobrevivência.