MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantora: ANA SALVAGNI

CD: “ALMA CABOCLA”

Gravadora: INDEPENDENTE

 

Paulista de Taquaritinga, a cantora Ana Salvagni cresceu convivendo com o mundo rural, cercada por uma família muito musical. Aprendeu piano ainda na sua cidade natal, tendo se mudado, anos depois, para Campinas onde estudou canto e participou de curso de regência. Em 1994, estreou no mercado fonográfico com o CD “Trilhas” (quando ainda integrava o duo Bem Temperado), o qual trazia uma sonoridade surpreendente, aliando o som rústico da rabeca com o refinamento do cravo. Em 1997, junto a José Eduardo Gramani, formou o duo Anagrama, com a proposta de experimentar repertórios da tradição oral brasileira e da renascença européia, tendo estreado, no ano seguinte, o show “Viola e Voz”, ao lado de Paulo Freire.

Foi somente em 1999, no entanto, que ela lançou o seu primeiro CD solo, o qual aliava canções populares tradicionais e de domínio público a composições de músicos da vanguarda paulistana, tais como Luiz Tatit, José Miguel Wisnik e André Abujamra. O segundo CD viria seis anos depois: “Avarandado”, cujo repertório se concentrou em canções, valsas e choros compostos entre 1930 e 1970.

Conforme se pode detectar através deste sucinto relato, Ana (que também é poetisa – em 2006, ela lançou o livro “Janela sem Tranca”) é daquelas artistas que buscam a música sem firulas, o que a faz passar ao longo das estratégias de marketing e, por conseguinte, das manipuláveis paradas de sucesso atuais. Isso, contudo, é o que a distingue da média em geral, fazendo com que o seu trabalho venha a merecer uma atenção especial daqueles que realmente se interessam pela música de qualidade.

No finalzinho do ano passado, ela lançou (de maneira independente) um novo álbum. Intitulado “Alma Cabocla”, o disco reúne dezesseis músicas de autoria de Hekel Tavares (a maioria delas ao lado de parceiros como Luiz Peixoto, Olegário Mariano e Joracy Camargo), profícuo e interessante compositor alagoano que passou grande parte de sua vida no Rio de Janeiro. Embora possua algumas poucas composições mais conhecidas (estão entre elas, por exemplo, “Leilão”, que mereceu belo registro de Fafá de Belém no começo de sua carreira, e “Você”, recentemente regravada por Maria Bethânia e Omara Portuondo, mas que anteriormente já tinha recebido registro definitivo na voz de Nara Leão, então sob o título de “Penas do Tiê” – ambas presentes no CD ora resenhado), Hekel não tem o seu nome projetado à altura do seu incontestável talento.

É objetivando amenizar essa injustiça que Ana abraçou a obra de Hekel, concentrando o repertório em composições do final da década de vinte e início da década de trinta, nas quais ele fez predominar uma linguagem popular de tons ruralistas, diferentemente de sua fase posterior, de viés mais erudito. A direção musical do disco foi dividida pela cantora com Edson Alves que resgatou com destreza tanto canções mais alegres (“Biá Tá Tá” e “Engenho Novo”) como outras de tom mais contrito (“Guacyra” e “Acalanto”). E músicos de ponta foram arregimentados para executar os arranjos, concisos, mas bastante eficientes. Estão lá, entre outros, Toninho Ferragutti (acordeão), Edmilson Capelupi (violão e cavaquinho), Nailor Proveta (clarinete), Toninho Carrasqueira (flauta) e Bré (percussão). Há, ainda, as apropriadas participações especiais de Renato Braz (em “Lavandeirinha” e “Moleque Namorador”) e de Filó (em “Favela”).

Ana possui uma bela voz, com fraseado límpido e emissão irretocável, atingindo o clímax nas interpretações precisas conferidas a “Sussuarana” e “Casa de Caboclo” (ambas – registre-se – com letras corajosas para o tempo em que foram criadas).

O terceiro CD de Ana Salvagni vem na hora certa para colocá-la no patamar dos grandes da nossa música popular brasileira. Corra e ouça!

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: MORAES MOREIRA

CD: “A HISTÓRIA DOS NOVOS BAIANOS E OUTROS VERSOS”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Natural de Ituaçu, na Bahia, Moraes Moreira começou tocando sanfona de doze baixos em festas de São João, batizados e casamentos. Após concluir o científico, mudou-se para Salvador, inscrevendo-se no Seminário de Música e entrando em contato, em seguida, com Tom Zé, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão. Com estes dois últimos veio a integrar os Novos Baianos, o qual também contava com as presenças de Pepeu Gomes, Baby Consuelo e Dadi. O grupo, que deixou seu legado na nossa música e até hoje tem canções regravadas por grandes nomes (como “A Menina Dança”, por Marisa Monte, e “Dê um Rolê”, por Zizi Possi), viveu no apogeu da fase hippie mundial e foi o ícone desse estilo alternativo de vida em terras brazilis.

Em 1975, Moraes optou por seguir em carreira solo e enveredou-se pelos ritmos ligados ao carnaval: frevo, samba e marcha-rancho. Em 1978, emplacou o primeiro grande sucesso, a canção “Pombo Correio”, até hoje exigida pelo público no repertório dos shows que realiza com frequência. Em seguida, vieram outros hits, tais como, por exemplo: “Festa do Interior” (gravada por Gal Costa), “Bloco do Prazer” (na voz de Nara Leão) e “Pão e Poesia” (na interpretação de Simone). Após o boom daquele período, ele chegou ainda a lançar ótimos discos, mas viu seu nome ser injustamente relegado a um segundo plano, principalmente por uma mídia voraz que se mostra cada vez mais imediatista.

Com o objetivo de rever sua carreira (que este ano está completando quatro décadas), Moraes, em junho do ano passado, realizou uma apresentação na tradicional Feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, cujo registro acaba de chegar às lojas, através da gravadora Biscoito Fino, nos formatos CD e DVD. O roteiro foi explicitamente dividido em dois blocos: no primeiro deles, o artista revisita seus tempos nos Novos Baianos, relembrando canções como “Acabou Chorare”, “Ferro na Boneca” e “Preta Pretinha”. No seguinte, ele envereda pelas músicas que marcaram sua trajetória solo e desfia “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira”, “Sintonia” e “Chame Gente” (que surge ligada à antológica “Vassourinhas”). Há também espaço para “Eu Também Quero Beijar”, canção que ficou famosa na interpretação do parceiro (já citado) Pepeu Gomes e que aparece agora, pela primeira vez, na sua voz. A voz do cantor, por sinal, é um ponto que merece registro. Infelizmente, no trabalho ora resenhado ela se mostra cansada, sem o viço de outrora. Em alguns momentos, inclusive, fica até complicado para um ouvinte menos atento reconhecer que é Moraes quem está cantando.

Rodeado por bons músicos (Cezinha na bateria, Alexandre Caldi no sax e flauta e Repolho na percussão), o destaque maior do trabalho fica mesmo por conta do filho Davi Moraes, conforme se detecta já na capa quando se explicita a sua participação especial. É dele o primeiro plano da instrumental “Um Bilhete pra Didi”.

Alguns dos melhores momentos do CD ficam por conta de “Brasil Pandeiro” (de Assis Valente) e da inédita “Spok Frevo Spok” (parceria com Fernando Caneca), uma merecida homenagem ao cultuado maestro da homônima orquestra de frevo.

Já no DVD (que conta com algumas faixas a mais que o CD), Moraes lembra histórias, amigos e cenas que marcaram o desbunde da década de setenta, baseando-se em texto do livro “A História dos Novos Baianos e Outros Versos”, que conta o percurso do grupo através de um cordel.

Moraes fez parte de um momento bastante importante da nossa música e tem, de fato, muita história para contar. Tomara que prossiga inspirado e que, doravante, ainda venha a nos presentear com grandes músicas como várias daquelas que criou até agora…

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     Hoje à noite (segunda, dia 30) tem apresentação de Thiago Ribeiro na Rua da Cultura. Sergipano de talento incontestável, o rapaz é um dos grandes atuais intérpretes masculinos do Brasil, além de compor e tocar violão com maestria. Imperdível!

 

·                     Nesta terça e quarta-feira (dias 31/03 e 1º/04) estará se realizando, a partir das 21 horas, no Teatro Tobias Barreto, mais uma edição do projeto MPB Petrobrás. Desta feita, quem se fizer presente assistirá a uma bela apresentação de Renato Teixeira, autor de, entre outras, pérolas como “Romaria” e “Tocando em Frente”, gravadas por Elis Regina e Maria Bethânia, respectivamente. O show de abertura ficará por conta dos nossos músicos Mosquito e Heitor Mendonça.

 

·                     E na sexta e sábado (dias 03 e 04 de abril) será a vez de Patrícia Polayne mostrar suas novas composições e dar uma prévia do que virá no seu primeiro CD que já começa a ser formatado. A artista estará apresentando o show “Para o Infinito” no Viva Ará Café, localizado à Rua Américo Curvelo, 969, no Grageru. Ótima pedida!

 

·                     A TV Atalaia, em parceria com a Rede Record, estará realizando, nos meses de abril e maio próximos, o Festival de Música “Tons e Sons de Sergipe”. As eliminatórias acontecerão em Itabaiana, Estância e Socorro e caberá a Aracaju sediar a grande final. Os interessados poderão se inscrever até depois de amanhã (dia 31 de março), acessando o site da emissora e escolhendo qual a categoria em que se melhor se encaixam (“terra” – compositores sergipanos, comprovadamente, residentes em qualquer um dos municípios do Estado; “universitária” – compositores sergipanos ou não, residentes em Sergipe, que sejam comprovadamente universitários; “estudantil” – compositores sergipanos, residentes em qualquer um dos municípios do Estado, que sejam comprovadamente estudantes do ensino médio, da rede pública ou particular). Uma iniciativa pra lá de louvável!

 

·                     O novo título da série Letra & Música do selo Discobertas – já nas lojas – é voltado para o cancioneiro de Bob Dylan. Entre nomes bastante conhecidos, como Caetano Veloso (“Jokerman”), Gal Costa (“Negro Amor”) e Renato Russo (“You See Him Say Hello”), aparecem artistas iniciantes, a exemplo de Luanh (“If Not For You”), Jomar Schrank (“Don’t Think Twice, It’s All Right”) e a banda Profiterolis (“Lay Lady Lay”). Ainda presentes estão Mallu Magalhães (“It Ain’t Me Babe”), Vitor Ramil (“Joquim”) e Evandro Mesquita (“Knockin’ On Heaven’s Door”).

 

·                     Pegando carona na boa receptividade da minissérie “Maysa – Quando Fala o Coração”, a gravadora Som Livre (a quem atualmente pertence o acervo da extinta RGE) relançou recentemente quatro discos originais da polêmica cantora, gravados entre 1959 e 1961, inéditos no formato CD. São eles: “Maysa É Maysa… É Maysa, É Maysa!”, “Voltei”, “Maysa Canta Sucessos” e “Maysa, Amor… e Maysa”. Falando nisso, a trilha sonora da citada minissérie também já se encontra disponível (em CD duplo) e, apesar de trazer na capa foto da atriz Larissa Maciel, se trata de uma excelente compilação de gravações feitas pela própria Maysa, a qual abrange fonogramas que vão de seu primeiro até o último álbum.

 

·                     Mercedes Sosa está gravando um projeto de duetos com vários artistas, incluindo o brasileiro Caetano Veloso, a colombiana Shakira e o uruguaio Jorge Drexler. Serão dois discos que chegarão separadamente ao mercado ainda este ano.

 

·                     E como tudo é mesmo cíclico, a nova tendência mundial reza pela revalorização do vinil. Sendo assim, a banda mineira Skank, sempre antenada, promete para os seus milhares de fãs que, muito em breve, tanto o primeiro quanto o último álbum do quarteto serão reeditados no antigo formato e chegarão às prateleiras das lojas. Quem viver, verá!

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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