MUSIQUALIDADE, por Rubens Lisboa

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantor: CAETANO VELOSO

CD: “ZII E ZIE”

Gravadora: UNIVERSAL

 

A capa é soturna, uma foto do famoso bairro do Leblon (RJ) em noite chuvosa. O som é seco, guiado por uma banda enxuta formada por Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo). Trata-se de “Zii e Zee” (que, em italiano, quer dizer: tios e tias), o novo CD de Caetano Veloso que acaba de chegar às lojas através da gravadora Universal.

Caetano dispensa comentários. É um dos grandes compositores de toda a história da MPB e, ao lado de Chico Buarque e Gilberto Gil, compõe o trio que certamente mais contribuiu com obras-primas para o nosso cancioneiro (e isso em um país que ainda possui, entre outros, Milton Nascimento, Lupicínio Rodrigues, Djavan, Noel Rosa, Roberto e Erasmo Carlos). Poderia estar deitado em berço esplêndido, colhendo os louros da fama e vivendo de projetos revisionistas de sua obra. Mas não! Inquieto, sempre buscou mergulhar em outras ondas. Esperto, sempre se mostrou antenado com as novas tendências. Inteligente, sempre voltou sua verve criativa para o que estava a perpassar o momento atual.

É nesses moldes que surge o novo álbum que, no todo, faz jus à foto da capa: não se trata de um disco alegre, como muitos dos trabalhos anteriores de Caetano. Foi gerado durante uma série de shows realizados pelo baiano famoso (devidamente batizada de “Obra em Progresso”), nos quais as novas canções foram sendo testadas junto ao público. A ideia era registrar músicas nascidas como sambas através de um tratamento sonoro mais pesado, de rock mesmo, daí o título inicialmente pensado para o projeto ter sido “Transambas” (nome que aparece sutilmente no centro esquerdo da capa; já na contracapa, os mais atentos deparar-se-ão com “Transrock”). Sob esse viés, os três jovens músicos que o acompanham desde o CD anterior, o bem recebido “Cê”, possibilitariam o sucesso da suposta ousadia.

O fato, todavia, é que os críticos do eixo Rio-São Paulo não receberam com bons ouvidos o novo trabalho do baiano. Alegam uma safra irregular de inéditas, louvando, no entanto, a pegada da banda. O ato de compor – tão solitário quanto mágico – não vem quando o artista assim deseja e, sim, quando os deuses da música lhe sopram aos ouvidos. Querer que Caetano lance, ano após ano, criações antológicas como “Nosso Estranho Amor”, “O Ciúme”, “Força Estranha”, “Vaca Profana” e “Esse Cara” é uma exigência inconcebível. Somente o fato de ele, depois de décadas de estrada, continuar produzindo e tentando buscar novas luzes para a sua música já deveria ser, por si só, um fato bastante louvável.

É certo que as novas canções apresentadas não possuem a força de outras já criadas pelo artista. Indo à contramão da maioria, no entanto, eu ouso afirmar que algumas delas são, de fato, muito bem concebidas e que o problema reside mesmo é na moldura, ou seja, acho que arranjos mais arejados poderiam fazer com que algumas das canções apresentadas tivessem um resultado mais facilmente assimilável. “Perdeu”, por exemplo, um dos melhores momentos do disco, soa desnecessariamente repetitiva, enquanto que “Diferentemente” poderia ganhar (e muito) em se utilizando de instrumentos percussivos característicos.

Caetano, não obstante as mais de seis décadas de vida, continua cantando muito bem. Sua voz permanece límpida e ele se arrisca até a registrar uma canção inteira em falsete, como é o caso de “Por Quem?”. Das treze músicas que fazem parte do repertório, dez são assinadas somente pelo artista. Há uma parceria dele com o já citado Pedro Sá (a mediana pseudobossa “Sem Cais”) e duas ótimas regravações: “Incompatibilidade de Gênios” (de João Bosco e Aldir Blanc) e “Ingenuidade” (de Serafim Adriano).

Como toda obra reflete o momento do artista, parece que Caetano se encontra em momento introspectivo, numa fase de questionamentos e de rever conceitos. As letras de “Lobão Tem Razão”, “Tarado ni Você” e “A Base de Guantánamo” expressam isso de forma irrefutável. Já as mazelas e belezas de um Rio de Janeiro tão cantado quanto decantado surgem, lado a lado, através dos inspirados temas “Lapa” e “Falso Leblon”, respectivamente. Entre os momentos mais palatáveis estão as agradáveis faixas “A Cor Amarela” (com pinta de hit) e “Menina da Ria” (que evoca Portugal).

O provocador e polêmico Caetano Veloso segue caminhando contra o vento e isto não deixa de ser muito bom! Quem sabe, no próximo CD de inéditas, uma nova pérola surgirá, tirada com talento irrefutável de sua infindável caixinha de surpresas…?

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantor: RODRIGO BITTENCOURT

CD: “MORDIDA”

Gravadora/Selo: INDEPENDENTE/NATAXA ARTES

 

De quando em vez, a nossa música popular se vê sacudida por um talento que traz novas baforadas a um ambiente via de regra acomodado. Isso, infelizmente, não ocorre com muita frequência, mas se deu assim, mais recentemente, com Chico César, Zeca Baleiro, Moska e Marcelo Camelo, por exemplo. E eis que, depois do (re)conhecimento (de certa forma tardio) de Rodrigo Maranhão, surge nos meios musicais um bem-vindo burburinho sobre o nome de um seu xará, um outro Rodrigo, desta vez o Bittencourt.

Já militando há alguns anos no cenário carioca indie, o artista debutou no mercado fonográfico em 2003 quando lançou o CD “Canção Para Ninar Adulto”, despertando, desde então, interesse nos mais aficcionados pela boa música. Seu som (se é que pode ser qualificado) descamba para o que se convencionou chamar de pop. No entanto, muito mais que aprisionado por essa tola classificação, o que Rodrigo tem de fato tentado fazer é mostrar (com talento e competência) a sua verve criativa, diferentemente de muitos outros (mais famosos) de sua geração que (por falta de criatividade ou excesso de acomodação) preferem produzir um feijãozinho com arroz bem insosso.

Rodrigo necessitou, todavia, ser avalizado pela cantora Maria Rita para ver despertado um real interesse em torno de seu nome. É que a filha de Elis Regina abriu (e batizou) o seu último bom CD com uma canção de autoria dele (“Samba Meu”). Pegando o embalo, ele pôs nas lojas, logo em seguida, o seu ótimo álbum intitulado “Mordida”, o qual leva a assinatura de Nilo Romero na produção musical e começa a ter algumas canções executadas pelas rádios mais antenadas.

O disco é composto por onze faixas, nove delas assinadas pelo próprio artista. Há somente uma regravação (“In Bloom”, de Kurt Cobain, em versão mais suave) e uma canção inédita resultante de parceria entre o já citado Nilo e a famosa cantora Ana Carolina (“As Pequenas Coisas”). Ambas, no entanto, soam menores quando comparadas ao restante do repertório, escasso se for considerado em quantidade, mas bem recheado em se tratando de beleza e inspiração.

Rodrigo prima pelo ecletismo e, mesmo optando por não diversificar em ritmos o seu trabalho autoral (não espere ouvir baiões, frevos nem afoxés), consegue fazer com que o disco soe plural, o que é um mérito e tanto. Cada faixa surge emoldurada em contexto próprio e, via de regra, traz um arranjo que faz com que o ouvinte se transporte com facilidade para o universo criado pelo autor. As letras são inteligentes, com achados muitas vezes surpreendentes que terminam por capturar a atenção até das pessoas mais desavisadas. Não é à toa, portanto, que o trabalho de Rodrigo vem recebendo grandes e merecidos elogios de publicações (até do Japão!) especializadas em música.

Dono de uma voz com sotaque pra lá de carioca (um charme!), ele sabe fazê-la soar diferente de acordo com o que a emoção da música requer. Sagaz, soube se cercar de músicos de ponta, tais como Sacha Amback (teclados), Billy Brandão (guitarra), Vidaut (bateria), Damien Seth (programação) e Carlos Malta (sax). Também o time de colaboradores é de primeira linha pois podem ser encontradas, nos créditos do disco, parcerias dele com Jorge Mautner (o ótimo rock “Coleção de Amores”), Tavinho Paes (“Aquele Canalha!”, com batucada no meio) e Nilo Romero (a bem sacada “Não É Pecado”). Dentre os destaques estão a setentona “Esmalte”, o funk “Nego 10” e a melancólica “Solitude”. Mas nada supera as excelentes “Ipanema Inn” e “Cinema Americano”, ambas músicas de inspiração ímpar.

Longe de uma incensada (e modorrenta) estética cool, Rodrigo Bittencourt dá sua mordida nada óbvia, credenciando-se como um dos mais promissores artistas da atualidade.

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     O primeiro show comemorativo do meio século de carreira de Roberto Carlos com a presença de convidados ilustres acontecerá no dia 26 deste mês no Teatro Municipal de São Paulo. Na oportunidade, várias cantoras dividirão o palco com o Rei, a exemplo de: Alcione, Ana Carolina, Claudia Leitte, Daniela Mercury, Fafá de Belém, Fernanda Abreu, Gal Costa, Ivete Sangalo, Luiza Possi, Marisa Monte, Paula Toller e Zizi Possi, além da apresentadora Hebe Camargo e da atriz Marília Pêra. O evento deverá ser devidamente registrado para lançamento, ainda este ano, nos formato CD e DVD. Maria Bethânia foi a única que declinou do convite.

 

·                     Chega às lojas, enfim, a trilha sonora do espetáculo “O Teatro Mágico” da companhia Segundo Ato. Antes, praticamente somente vendido durante os espetáculos da trupe (que recentemente realizou duas apresentações aqui em Aracaju), o CD apresenta dezenove temas que passeiam pelos mais diversos estilos. Capitaneando todo o trabalho está o criativo Fernando Anitelli, autor das canções e intérprete de fino estilo. Pelo menos quatro delas são de rara excelência: “Sonho de Uma Flauta”, “Eu Não Sou Chico (Mas Quero Tentar)”, “Abaçaiado” e “Xanéu n° 5” (estas duas últimas trazendo as participações especiais de Silvério Pessoa e Zeca Baleiro, respectivamente). Muito legal!

 

·                     Neste ano em que se completam cem anos do nascimento de Carmen Miranda, chega às lojas a coletânea dupla “Carmen Miranda 100 Anos – Duetos e Outras Carmens”. O CD 1 reúne gravações raras feitas pela cantora entre 1931 e 1934 com nomes como Mário Reis, Francisco Alves e Lamartine Babo. Já o CD 2 traz algumas cantoras “herdeiras” do espírito de Carmen interpretando sucessos da Pequena Notável. Estão lá, entre outras, Gal Costa, Rita Lee, Adriana Calcanhotto e Elba Ramalho. As faixas com Elza Soares e Maria Alcina são gravações inéditas.

 

·                     Max de Castro se encontra em um estúdio paulista preparando seu novo CD. Quem já ouviu garante que vem coisa muito boa por aí.

 

·                     No comecinho do mês de junho estará chegando às lojas o novo dos Titãs. Intitulado “Sacos Plásticos”, a produção do álbum ficou a cargo de Rick Bonadio e marca a estreia da banda na gravadora Arsenal Music. A primeira faixa de trabalho é “Antes de Você” que faz parte da trilha sonora da telenovela global “Caras & Bocas”.

 

·                     O cantor e compositor de sambas Moyseis Marques (que estreou muito bem no mercado fonográfico em 2007) está finalizando o seu segundo disco que chegará às lojas ainda neste primeiro semestre sob a produção de Paulão Sete Cordas. O repertório é primordialmente inédito, mas já está confirmada a regravação de “Subúrbio”, tema da safra mais recente de Chico Buarque.

 

·                     A canção “Filosofia de Vida”, de Martinho da Vila, fará parte, na voz de Ana Carolina, da trilha sonora do documentário que será lançado ainda este mês e que vai contar a vida do famoso sambista. Falando no artista, “O Pequeno Burguês” é o título do seu mais recente projeto que chegou recentemente às lojas, nos formatos CD e DVD, através da gravadora MZA Music. Gravado ao vivo durante show realizado no Teatro Fecap, em São Paulo, o registro mostra um pouco da trajetória do artista que, no ano passado, completou sete décadas de vida.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


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