Musiqualidade

R E S E N H A

Cantora: MARIENE DE CASTRO
CD: “COLHEITA”
Gravadora: UNIVERSAL

País conhecido como a terra do samba, o Brasil demorou praticamente três décadas para cair em si e constatar que precisava de uma real nova representante de seu mais genuíno gênero musical. Enquanto a década de oitenta do século passado cristalizava o chamado ABC do samba, formado por Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes, os anos seguintes deixaram uma lacuna nessa seara: Alcione mergulhou no perigoso mas rentável terreno das baladas românticas, Beth viveu dias complicados com problemas de saúde e Clara partiu prematuramente para o andar de cima.
Com a revitalização do famoso bairro carioca da Lapa, ponto boêmio da maior envergadura, alguns novos e promissores nomes femininos surgiram. Nenhum, contudo, que viesse a preencher a lacuna aberta há muito. Foi nesse ambiente de vacância que apareceu a cantora Mariene de Castro, estreando no mercado fonográfico com dois discos independentes voltados mais diretamente para o samba de roda (“Abre Caminho”, de 2004, e “Santo de Casa”, de 2010). A morena de voz grave (ela é contralto) e timbre bonito, meio rouco e bastante peculiar, logo chamou a atenção dos executivos da Universal que a contrataram para integrar o cast da gravadora.
Mariene, na infância, queria mesmo era ser bailarina. Na adolescência, resolveu aprender violão e canto e, assim, despertou para a música. Começou a carreira profissional como vocal de apoio para a Timbalada, Carlinhos Brown e Márcia Freire. Em dezembro de 1996, realizou, no Pelourinho, o seu primeiro show solo, impressionando dois produtores europeus que a levaram, em seguida, para se apresentar em várias cidades francesas. De lá para cá, vem colhendo os frutos de uma trajetória que agora chega ao quinto CD (sucessor de “Tabaroinha”, de 2012, e “Um Ser de Luz”, uma homenagem a Clara Nunes, de 2013). Sugestivamente intitulado “Colheita” (nome também de uma das mais bonitas músicas entre as quatorze que compõem o repertório, uma canção inédita que lhe foi presenteada por Nelson Rufino e que traz, como convidado especial, o entusiasmado Zeca Pagodinho), o álbum foi formatado por Max Pierre e comprova o amadurecimento do canto de Mariene que não foge de sua influência afro (presente em “Oxóssi”, de Roque Ferreira, compositor recorrente nos trabalhos da artista, e “Eu Carrego Patuá”, de Junhinho Thyball, Alexandre Chacrinha e Flavinho Bento), mas também mostra que sabe interpretar com propriedade melodias mais suaves (caso de “Nós Dois”, pouco conhecida pérola de Cartola, e “Retrato da Vida”, obra-prima resultante da parceria de Dominguinhos e Djavan). O disco alcança o seu ápice com a canção “A Força que Vem da Raiz”, outra de Roque Ferreira que traz a participação de Maria Bethânia. Quase todas as faixas foram gravadas com os músicos que fazem parte da banda que acompanha Mariene e aqui merece ser ressaltada a presença do acordeão, o qual termina por conferir uma super bem-vinda nordestinidade à sonoridade do trabalho, inclusive em sambas.
Há algumas derrapadas, é verdade: a releitura em ritmo de pagode romântico de “Impossível Acreditar que Perdi Você” (de Márcio Greyck e Cobel) é uma delas. Outra é a desnecessária regravação de “Samba da Bênção” (de Baden Powell e Vinicius de Moraes), nitidamente incluída somente para contar com a presença de Beth Carvalho, sua madrinha artística. Mas os pontos positivos superam e alguns momentos que merecem ser destacados são “Balancê (de Sara Tavares), “Me Beija” (de Arlindo Neto, Marquinhos Nunes e Renato Moraes) e “Aquarela da Amazônia” (de Toninho Geraes e Toninho Nascimento, iluminada com os ritmistas da bateria da escola de samba Portela).
Em suma, um CD legal que consolida o canto e o talento de Mariene de Castro!

N O V I D A D E S

* O cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro está pondo nas lojas, através da gravadora Som Livre, o seu novo projeto musical. Intitulado “Calma Aí, Coração”, trata-se do registro de show realizado na casa de espetáculos Vivo Rio, no Rio de Janeiro, em novembro de 2012, fazendo-se agora disponível nas versões DVD e CD, ambos contendo quatorze faixas. Mas enquanto somente no primeiro podem ser encontrados os números “Mamãe no Face”  e “Babylon/Alma Não Tem Cor”, apenas do segundo consta a regravação de “A Maçã” e a versão gravada em estúdio de “Price Tag” (grandes sucessos de Raul Seixas e Jessie J, respectivamente). A maioria das músicas do repertório é de autoria do próprio artista, algumas em parceria com Hyldon (a canção-título), Wado (“Zás”), Frejat (“Nada Além”), Kana (“O Amor Viajou”), Alice Ruiz (“Quase Nada”) e Lúcia Santos (“Último Post”), mas Baleiro também põe sua voz grave a serviço de releituras bastante pessoais para “Maresia” (de Paulo Machado e Antônio Cícero, gravada originalmente por Marina Lima) e “Disritmia” (de Martinho da Vila). A banda afiada destaca-se na execução dos arranjos que privilegiam uma sonoridade encorpada conforme se pode constatar, por exemplo, através da audição de “Funk da Lama”, o único tema inédito presente no set list.

* Captado durante apresentação realizada em setembro do ano passado no Imperator (RJ), o novo DVD da cantora e compositora carioca Isabella Taviani chegará em breve ao mercado através da gravadora Coqueiro Verde Records. O repertório do projeto (que também será comercializado na versão CD ao vivo) trará músicas inéditas como o bolero “Ao Telefone”, o samba-rock “Galega Brasileira”, o funk “Queria Ver Você no meu Lugar” e a balada “Se Assim For”. Zélia Duncan se faz presente como convidada especial.

* Com voz límpida e bem colocada, a cantora Juliana Perdigão (também uma exímia instrumentista na área dos sopros) faz de "Álbum Desconhecido", seu primeiro CD, um ótimo cartão de visitas para a sua arte. Composto por treze faixas, o disco é aberto com a instrumental "Perdigonzer" (de Flávio Henrique) na qual a artista executa flauta, clarinete e clarone. O repertório tem como referência os arranjos muito bem elaborados e contempla criações de artistas da nova cena indie nacional. Pablo Castro, por exemplo, se faz presente como compositor em dois momentos, "Casa Grande" (que melodicamente remete a regiões já desvendadas por Caetano Veloso) e "Arrepio". Já Makely Ka é o responsável por "Fio Desencapado", a qual, lembrando grandes momentos de Guinga, se consolida como um dos destaques ao lado do samba "Gangorra" (de Maurício Ribeiro e Zefere), que conta a presença de Romulo Fróes, e de "Cada Voz", canção propagada na voz de Tulipa Ruiz, a autora. Seu irmão, aliás, o produtor e guitarrista Gustavo Ruiz, assina com Juliana a etérea "Miroir" que traz a participação afetiva de Gabriel Bresão. Um ouvinte mais atento se lembrará da emissão de Gal Costa em "Vendaval" (de Thiakov), mas o fato é que Juliana já mostra possuir personalidade artística definida, o que se pode constatar através de suas interpretações para "Céu Vermelho" (de Brisa Marques, Vítor Santana e João Pires) e "Cidade Baixa" (oportuna marcha arranjada por Nailor Proveta, de autoria do já citado Romulo Fróes em parceira com Nuno Ramos). Uma cantora promissora que estreia com um CD bastante interessante!

* O espetáculo “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos” está tendo suas canções gravadas no estúdio carioca da gravadora Biscoito Fino para ser lançado, em CD duplo, ainda neste primeiro semestre. No repertório, temas atemporais, a exemplo de “Gota d'Água”, “Não Sonho Mais” e “Vida”.

* Pop da melhor qualidade! É o que se pode dizer de “Estado de Nuvem”, o CD de estreia na carreira solo do cantor e compositor pernambucano Bruno Souto, após dez anos integrando, como vocalista, a banda Volver. Trata-se de um álbum independente (produzido por ele ao lado do guitarrista Regis Damasceno) que apresenta ao público um talentoso artista. Bom cantor e inspirado compositor, Bruno conta com a participação especial de Luz Marina na bela “Por Quê?”, um dos destaques do repertório inédito e autoral composto por dez faixas. Outros dos melhores momentos ficam por conta de “Eu e o Verão” e especialmente da deliciosa pseudobrega “Dentro”. A ficha técnica do disco conta com a presença de músicos de ponta da cena indie contemporânea, a exemplo de Ricardo Prado nos teclados e Guizado no trombone. Vale a pena conhecer!

* O segundo CD do cantor e compositor Diogo Poças está pronto e deverá chegar às lojas ainda neste mês de março sob a produção de Leonardo Mendes. A canção-título é “Imune”, um estilizado samba de gafieira (composto pelo artista com Marcos Tanaka e Jesse Santo) que conta com a participação especial de sua irmã, a cantora Céu.

* O terceiro álbum da cantora e compositora pernambucana Isaar está chegando ao mercado. Composto por onze faixas, intitula-se “Todo Calor” e traz o frevo como ritmo recorrente no repertório, embora misturado com outros ritmos e levadas. Essa garota é muito boa e merece lugar de destaque entre os que ainda batalham por um espaço maior!

* Artista tão talentoso quanto inquieto, o cantor e compositor catarinense Carlos Careqa pôs nas lojas recentemente seu mais novo projeto musical. Intitulado “Palavrão – Música Infantil para Adultos”, o CD (o nono da carreira), produzido por ele ao lado de Marcio Nigro e Mario Manga, é composto por treze faixas autorais e supostamente tem como público-alvo a gurizada. Mas o fato é que, utilizando-se de temas pouco comuns às crianças, o trabalho surge mesmo como uma espécie de crítica à hipocrisia adulta. Careqa usa sua verve criativa para, inclusive e por vezes, beirar o escatológico, como, por exemplo, em “Exame de Fezes”, “Rap do Peido” e “Meleca”. Resvalando para outro terreno pouco convencional ao universo das canções voltadas para a primeira idade, ele descreve sobre os prazeres da masturbação em “Hora do Banho”, entrega a diferença entre os órgãos sexuais em “O Menino e a Menina”, adentra em seara raramente explorada em “Autofelacio”, relata um troca-troca entre meninos em “Eu e Reginaldo” e sugere até tentativa de abuso em “o Diamante Azul do Vovô”. Com arranjos bem elaborados, todos embebidos em atmosfera infantil, o recém-lançado disco conta com as participações especiais de André Abujamra e Bruna Caram.

* E o Café do Museu da Gente Sergipana, brilhantemente dirigido pela incansável agitadora cultural Adriana Hagenbeck, se prepara para receber mais um grande nome da música sergipana: desta feita será Zéq’ Oliver que lá estará, apresentandando o show “Zék’ Oliver canta Clássicos" a partir das 20 horas do próximo sábado, dia 29 de março. Realmente imperdível vez que se trata de um grande intérprete, desses que prende o ouvinte pela emoção. A gente se vê por lá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as sextas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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