Com o crescimento das populações urbanas e a conseqüente ocupação do espaço das cidades pelo adensamento construtivo, aliado à falta de planejamento desta política urbana pelo município, agravaram-se nas últimas décadas, os problemas decorrentes desta ocupação desordenada, tais como a deficiência e até mesmo ausência de serviços e estruturas de saneamento ambiental (sistemas de esgoto, drenagem, gestão de resíduos sólidos, etc.), deixando-se a configuração da cidade ser definida, principalmente, pelo setor imobiliário.
Neste sentido, o plano diretor, norma básica que define o destino desta política urbanística municipal, deve prever institutos que estabelecem limitações ao interesse puramente especulativo e econômico construtivo, fazendo valer a supremacia do interesse coletivo sobre o interesse particular.
Vale frisar que de acordo com a Constituição Federal é da responsabilidade do município no âmbito do seu território garantir o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (art. 30, VIII, da CF), cabendo a este unicamente a execução da política de desenvolvimento urbano (art. 182, da CF).
Especificamente, em relação aos instrumentos de controle desta ocupação urbana, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) define e aponta a necessidade de utilização de alguns institutos multidisciplinares importantes, que devem constar do Plano Diretor, tratando o presente artigo do coeficiente de aproveitamento, variável de fundamental importância para o entendimento desses institutos.
Conceito
O coeficiente de aproveitamento, para que não haja dúvidas ou polêmicas literárias ou técnicas, foi definido pelo próprio Estatuto da Cidade em norma explicativa como “relação entre a área edificável e a área do terreno” (art. 28, §1º), ou seja, este coeficiente define o quanto foi ou será construído pelo proprietário de um terreno em relação à área deste.
Assim, se a área do terreno é de 200 metros e seu proprietário construiu 200 metros, o coeficiente de aproveitamento deste terreno é obtido pela divisão entre a área edificada e o tamanho do terreno, ou seja, 1 (200/200). Se este proprietário pretende construir 600m (o que somente será possível com a verticalização), o coeficiente será 3 (600/200). De outro lado, se nesse mesmo terreno, somente foram construído 20m, o coeficiente será de 0,1 (20/200).
Pela análise acima se verifica que quanto maior o coeficiente, maior será a área construída (como é o caso de edifícios) e, consequentemente, o adensamento construtivo e populacional. De outro lado, se for muito baixo, significa que terrenos urbanos podem não estar cumprindo sua função social. Isto costuma ocorrer para fins especulativos.
Limitações necessárias
Desta forma, faz-se necessária a limitação do coeficiente de aproveitamento pelo poder público para que se garanta que a qualidade de vida e o bem estar da população não sejam prejudicados. Esta limitação é efetivada, principalmente, no Plano Diretor do Município e é um dos pontos mais polêmicos e delicados desta norma, pois estabelece se sua cidade será uma cidade sem prédios, com equilíbrio entre edifícios e casas, uma selva de pedra, etc.
Espécies
O coeficiente de aproveitamento é um conceito técnico invariável, ou seja, sempre terá como base a relação entre a área edificável e o tamanho do terreno. Entretanto, com a finalidade de garantir a função social da propriedade o Estatuto da Cidade utiliza três níveis de coeficientes de aproveitamento, que funcionam como limites ao direito de propriedade. São estes os coeficientes de aproveitamento mínimo; básico/único e máximo.
Coeficiente de Aproveitamento Mínimo
O coeficiente de aproveitamento mínimo é um parâmetro utilizado para verificar, de forma objetiva, se a propriedade está sendo subutilizada para fins de aplicação do instrumento, já discutido nesta coluna*, do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.
Dessa maneira, para exemplificar, imagine-se que o coeficiente de aproveitamento mínimo estabelecido no Plano Diretor é de 0,20. Se a área de um determinado terreno é de 1000m2 e somente tem 150m2 construídos, este terreno é subutilizado, pois seu coeficiente de aproveitamento é de 0,15 (150/1000), já que deveria ter, no mínimo, 200m2 de área construída (200/1000).
Coeficiente de Aproveitamento básico e único
O proprietário de um terreno tem, como inerente a este domínio, o direito de construir em sua propriedade. Como vimos, este direito não é ilimitado, vez que deve se subordinar ao interesse da coletividade. Assim, cabe também ao poder público estabelecer um limite a este direito de construir. Uma das formas de se fazer isto é através do coeficiente básico. Existem outras, que não serão tratadas neste momento, embora se interrelacionem com o presente instituto como gabaritos, coeficientes de ocupação e de permeabilidade, recuos, afastamentos, etc.
Estabelecido o coeficiente básico como o limite do direito de construir em cada propriedade, este pode ser diferenciado para as diversas áreas do município (pois este limite depende das características de cada zona do município para suportar adensamento) ou ser uniforme para todo o município. Neste último caso denomina-se este coeficiente de aproveitamento básico de único (Estatuto da Cidade, art. 28, §2º).
De novo, para exemplificar, se o coeficiente único de um município foi estabelecido em 2, significa que cada proprietário pode construir até duas vezes o tamanho de sua propriedade. Se um dado terreno tem 500 metros de área, o direito de construir de seu titular está limitado a 1000 metros (1000/500).
Coeficiente de Aproveitamento Máximo
O Estatuto da Cidade consolidou alguns instrumentos da política de desenvolvimento urbano denominados de solo criado, como a outorga onerosa ou a transferência do direito de construir que permitem em determinadas áreas do município, em função de avanços tecnológicos e da compatibilidade com a infraestrutura implantada que o proprietário do imóvel possa edificar além do seu direito de construir, ou seja, além do coeficiente básico ou único.
Entretanto, para tanto, além de regulamentação específica, o proprietário será cobrado por esta construção adicional que também tem um limite – o coeficiente de aproveitamento máximo. O coeficiente máximo é sempre um limite acima do coeficiente básico ou único e, desta forma, como decorrência lógica, nunca poderá ser menor do que este.
Desta forma, para exemplificar, se em uma zona de um município qualquer o coeficiente básico é de 1 e o máximo é 2 e um determinado terreno tem 2000m2, significa que o proprietário pode edificar até 4000m2 de área construída (4000/2000 – coeficiente de aproveitamento máximo), devendo pagar ao poder público pelo exceder a 2000m2 (2000/2000 – coeficiente de aproveitamento básico).
No próximo artigo iniciaremos a análise destes institutos nos planos diretores em vigor e em discussão na Região Metropolitana de Aracaju.
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* Para maiores informações, vide artigo publicado pelo autor nesta coluna, no dia 14/07/2011, “Plano Diretor e instrumentos de controle da função social da propriedade”.