Nos últimos artigos1 apresentamos o conceito do coeficiente de aproveitamento e como o mesmo vem sendo regulamentado em outras cidades do país. A partir deste artigo, analisaremos esta limitação nos planos diretores dos municípios da Região Metropolitana de Aracaju, iniciando-se com Nossa Senhora do Socorro.
Caracterização
Nossa Senhora do Socorro é um município da ainda não regulamentada Região Metropolitana de Aracaju2. Possui uma área de 156.770 Km² e, de acordo com o IBGE, tem 160.829 habitantes, sendo 155.836 na área urbana e apenas 4.993, na área rural.
Sua Lei Orgânica entrou em vigor em 05/04/1990 e não trata do coeficiente de aproveitamento (como deve ser). Seu Plano Diretor atual (Lei Municipal 557) é de 10/12/2002, encontrando-se em processo de revisão iniciado no final de 2009, por provocação do Ministério Público Estadual, haja vista que, de acordo com seu próprio texto, deveria ter sido revisado até 2007.
Em função da ausência de planejamento municipal da macrodrenagem3 do município, encontram-se suspensos por decisão judicial todos os empreendimentos construtivos de impacto no município, tais como loteamentos, condomínios e conjuntos habitacionais.
Plano Diretor atual
O plano diretor em vigor no município em vez de, partindo de um diagnóstico atualizado, estabelecer o projeto de uma Nossa Senhora do futuro, limitou-se, na maior parte de seu texto, a ser uma cópia da legislação federal, sendo, desta forma, inútil para o fim a que se destinou, não passando de letra morta e deixando o município desprotegido4.
Até dispositivos do Estatuto da Cidade que regulamentam matéria processual, assunto de competência exclusiva da União (art. 22, da CF), como aqueles que tratam do procedimento de usucapião especial, foram replicados no plano Diretor em vigor:
Plano Diretor de Socorro: “Art. 8º – As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.[…]
§ 2º – A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. […]”.
Estes dispositivos acima e outros que tratam da usucapião coletiva, somente para exemplificar, são cópia literal dos artigos 10, 11, 13 e 14 do Estatuto da Cidade.
Para agravar esta situação, em uma de suas versões iniciais apresentadas, a revisão do plano diretor de Nossa Senhora do Socorro, ainda em andamento, não tinha corrigido alguns desses vícios do plano anterior.
Coeficientes de Aproveitamento
Diante do quadro acima, como era de se esperar, não houve uma regulamentação satisfatória do coeficiente de aproveitamento no município pelo Plano Diretor.
O coeficiente de aproveitamento mínimo, ou seja, aquele que delimita quanto deve ser obrigatoriamente construído em cada área foi estipulado em 0,2 para todo o município, ou seja, todo lote ou gleba deve ter edificações que correspondam no mínimo a 20% da área do terreno, sob pena de aplicação do instrumento do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios5. Por falta de regulamentação e norma específica, tal instrumento nunca foi aplicado.
Em relação ao direito de construir, delimitado pelo coeficiente de aproveitamento básico (o plano em vigor utilizou-se da nomenclatura “coeficiente de aproveitamento único”, pois aplicável a todo município), não teve seu limite estabelecido.
De outro lado, em relação aos instrumentos do solo criado, o coeficiente de aproveitamento máximo não foi estipulado, limitando-se o artigo 15 a apresentar conceituação genérica e equivocada, pois se refere a “índices urbanísticos” (que poderia abranger coeficientes de ocupação e permeabilidade, por exemplo) e “coeficiente definido para a área” (que coeficiente?), deixando-se claro, que quem elaborou este plano diretor não sabia o que estava fazendo e, quando não se limitava a copiar a norma federal, cometia erros graves como estes:
“Art. 15 – Outorga Onerosa é a autorização para edificar além do permitido pelos índices urbanísticos, concedida pelo poder público municipal, com ônus para o proprietário.
§ 1º – O limite máximo construtivo é a duplicação do coeficiente definido para a área” (grifo nosso).
O município foi dividido somente em duas zonas, variáveis, segundo o plano diretor, pela característica de sua infraestrutura: zona de adensamento preferencial (ZAP) e zona de adensamento básico (ZAB), sendo a primeira caracterizada pela disponibilidade de infraestrutura e a segunda, pela sua deficiência.
A primeira crítica a ser efetivada é que o município tem áreas com aspectos diferenciados que não se enquadram em nenhum dos dois conceitos. Em verdade, trata-se de um município complexo com características bem diversificadas, pois existem, como ressalta o próprio plano, o Complexo Jardim, Taiçoca e a Sede Municipal, isto sem citar a área rural do município, cada uma destas áreas com especificidades que não cabem em uma classificação binária de ZAP ou ZAB.
A segunda crítica e confirmando o desconhecimento da função dos coeficientes de aproveitamento básico (ou único) e máximo por aqueles que elaboraram o plano diretor é a permissão dada no artigo 42, de autorizar o “adensamento até o limite do coeficiente único de aproveitamento” apenas na ZAP, sem especificar, no entanto, qual é este coeficiente.
Qualquer que seja a área do município (ZAP ou ZAB) os proprietários têm o direito de edificar em seus terrenos. O plano diretor tem que estabelecer é até que limite será este direito de construir (coeficiente básico ou único) e se será possível o solo criado (coeficiente de aproveitamento máximo), que, de acordo, com o artigo 42 do Estatuto da Cidade é conteúdo obrigatório do plano Diretor.
No próximo artigo trataremos do texto atual da revisão do plano diretor de Nossa Senhora do Socorro, já em fase final de análise no executivo municipal para ser remetido à Câmara de Vereadores de Nossa Senhora do Socorro.
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1 Vide artigos publicados pelo autor nesta coluna, nos dias: 25/08/2011, “O que é Coeficiente de Aproveitamento, ponto fundamental para o planejamento urbanístico” e 01/09/2011, “Planos Diretores de outras capitais brasileiras e limitação de construções”.
2 Vide artigo publicado pelo autor nesta coluna no dia 30/06/2011, “Compatibilização do Plano Diretor com o sistema jurídico municipal”.
3 Vide artigo publicado pelo autor nesta coluna no dia 18/08/2011, “Drenagem sustentável? Espere a próxima chuva”.
4 Vide matéria publicada no site da Associação Sergipana do Ministério Público, dando conta de providências adotadas pelo MPSE em função desta ineficiência normativa do atual Plano Diretor de Socorro.
5 Vide artigo publicado pelo autor nesta coluna no dia 14/07/2011, “Plano Diretor e instrumentos de controle da função social da propriedade”.