Dando prosseguimento às duas partes do texto Panorama do Licenciamento Ambiental no Brasil, apresentadas nas semanas anteriores, segue a terceira pate deste artigo, tratando sobre licenciamento ambiental e estudo prévio de impacto do meio ambiente.
Licenciamento ambiental e EIA/RIMA
A LPNMA define ainda os conceitos jurídico-ambientais de degradação, poluição e licenciamento ambientais. A degradação ambiental seria a deterioração da qualidade do meio ambiente (também chamado de impacto ambiental negativo) e a poluição seria a degradação praticada pelo ser humano, pessoa física ou jurídica, sendo ainda objetiva a responsabilidade pelo dano ambiental (arts. 3º e 14, §1º, da LPNMA).
O licenciamento ambiental, de acordo com a LPNMA , seu Decreto Regulamentador em vigor (Decreto 99.274/1990), a LC 140/2011 e a Resolução CONAMA 237/1997 é o procedimento administrativo exigido para empreendimentos ou atividades potencialmente ou concretamente poluentes, onde, mediante estudos ambientais e condicionantes na licença ambiental expedida, busca-se o controle preventivo pelo poder público para a tutela do meio ambiente. Este controle é efetivado pelos órgãos executores do SISNAMA e a competência desta atuação é hoje definida pela Lei Complementar 140/2011, permanecendo a Resolução 237/1997 vigente nos demais aspectos.
O termo “licença” ambiental nem sempre guarda relação com o conceito do Direito Administrativo de licença (ato unilateral, vinculado e definitivo), havendo controvérsia sobre sua natureza na Doutrina. Nesse sentido: Trennepohl et al ( 2008, p. 26 e 27) leciona que a licença ambiental, na maior parte das vezes, teria natureza de autorização administrativa. Para Figueiredo (2008, p. 183), a licença ambiental tem certo grau de discricionariedade e gera uma relação jurídica rebus sic standibus (p. 183). Para Antunes (2004, p. 138-139) a licença ambiental não se confunde com a licença ou autorização do Direito Administrativo, pois no primeiro caso não há definitividade (deve se renovada periodicamente) e, no segundo, porque não pode ser totalmente precária, tendo-se em vista os investimentos econômicos para implantação de empreendimentos. Fiorillo (2003, p. 66), aduz ainda que a licença ambiental seria um ato discricionário sui generis.
As licenças ambientais devem ser renovadas periodicamente, com o fito de manutenção de controle contínuo do poder público da harmonia entre a atividade licenciada e o meio ambiente. O licenciamento ambiental ordinário é dividido em três etapas inter-relacionadas que são apresentadas no quadro 1.
Etapa | Função do órgão ambiental licenciador |
---|---|
Licença prévia (LP) | Verificar se o empreendimento proposto pode ser implantado na localidade sem prejuízo do meio ambiente. |
Licença de instalação (LI) | Analisar se o projeto do empreendimento é compatível com o local aprovado, permitindo-se o início da implantação do empreendimento. |
Licença de Operação (LO) | Avaliar se o empreendimento foi instalado de acordo com a localização e projetos aprovados na LP e LI, autorizando-se o início da atividade licenciada. |
Fonte: COSTA, S. L., baseado no Decreto 99.274/1990.
É exatamente na fase preliminar do licenciamento ambiental, ou seja, na fase da licença prévia que o órgão ambiental integrante do SISNAMA exige do empreendedor estudos ambientais, definidos genericamente pela LPNMA como avaliação de impactos ambientais (AIA), às expensas deste, para subsidiar a decisão de concessão ou não de licença ambiental. A publicidade do licenciamento abrange tanto o acesso público aos conteúdos dos estudos ambientais (resguardando-se pontos específicos sujeitos a sigilo industrial) diretamente no órgão ambiental (art. 17, §3º, do Decreto 99.274/1990) ou ainda através de eventuais audiências públicas, com direito a participação no processo de licenciamento, como também na obrigatoriedade da publicação das licenças concedidas (art. 10, §1º, da LPNMA).
Entre os diversos estudos ambientais que podem ser exigidos pelo Órgão licenciador do SISNAMA, o estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA) é um dos mais completos, complexos e, como não poderia deixar de ser, onerosos. Tal estudo foi regulamentado pelo CONAMA através da Resolução 01/1986, onde se definiu o conceito de impacto ambiental como:
"Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais. (art. 1º)".
Além disso, a Resolução CONAMA 01/1986 apresenta rol exemplificativo de atividades que dependerão de EIA/RIMA (art. 2º) e os requisitos mínimos do estudo de impacto ambiental (arts. 5º e 6º), os quais são apresentados abaixo:
I – Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;
II – Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;
III – Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;
IV – Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade;
V – Apresentar Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto;
VI – Analisar os impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais;
VII – Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas;
VIII – Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
O diagnóstico ambiental do EIA, indicado na Resolução CONAMA 01/1986, deve considerar no mínimo três dimensões:
a) o meio físico – o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas;
b) o meio biológico e os ecossistemas naturais – a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente;
c) o meio sócio-econômico – o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócioeconomia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. (art. 6º).
A Resolução CONAMA 01/1986, em seu artigo 9º, por sua vez, estabelece os requisitos mínimos do relatório de impacto ambiental , os quais são indicados a seguir:
I – Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais.
II – A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnicas operacionais, os prováveis efluentes, emissões, resíduos e perdas de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados.
III – A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto.
IV – A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e interpretação.
V – A caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização.
VI – A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderem ser evitados, e o grau de alteração esperado.
VII – O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos.
VIII – Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de ordem geral).
Como já observado, com o advento da Constituição Federal de 1988, o EIA/RIMA passou a ter status constitucional, sendo indispensável para empreendimentos que tivessem potencial de causar significativa degradação ambiental e enfatizando-se sua anterioridade à localização, instalação e operação do empreendimento, passando a ser denominado então estudo prévio de impacto ambiental, embora tenha se mantido o uso da sigla EIA na legislação e na literatura. Em 1990, o Decreto 99.274 ratificou, em seu artigo 17, §1º, os requisitos gerais do EIA/RIMA.
Vale frisar ainda que além dos casos previstos normativamente, caberá ao órgão ambiental competente para o licenciamento definir o risco de degradação ambiental pela localização (LP); instalação, construção, ampliação ou modificação (LI); operação (LO) de um dado empreendimento, justificando-se assim a necessidade do licenciamento ambiental e, em casos de possibilidade de significativa degradação ambiental, do próprio EIA/RIMA.
A Resolução 237/1997, em seu artigo 10, aponta roteiro do procedimento de licenciamento ambiental, aqui apresentado:
I – Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida. Certidão de uso e ocupação do solo emitida pelo município onde se se pretende localizar o empreendimento é obrigatória;
II – Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade;
III – Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;
IV – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos,projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;
V – Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente (Res. CONAMA 09/1987);
VI – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;
VII – Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;
VIII – Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade.
O exercício de atividade dependente de licenciamento ambiental sem a respectiva licença, com esta vencida ou ainda com inobservância das condicionantes estabelecidas pode constituir-se em ilícitos administrativo, cível e penal no Brasil. Ilícito administrativo previsto no artigo 66, do Decreto 6.514/2008, com previsão de pena de multa de até dez milhões de reais; ilícito civil, com a reparação do dano patrimonial e moral ao meio ambiente e ilícito penal, com previsão de pena privativa de liberdade de um a seis meses de detenção ou/e multa (artigo 60, da Lei 9.605/1998). Deve ser ressaltada a previsão da possibilidade de cumulação das sanções administrativa, civil e penal, isto sem prejuízo da responsabilização penal da pessoa jurídica (art. 225, §3º, da CF c/c art. 3º, da Lei 9.605/1998).
Na semana que vem será apresentada a última parte deste artigo, tratando sobre a modificação introduzida no sistema jurídico-ambiental brasileiro pela LC 140/2011.