SUPeração: como o Stand Up Paddle está ajudando o Mosqueiro

Histórias mostram que Stand Up Paddle já é mais do que um esporte no Mosqueiro: é oportunidade de ocupação e de inclusão (fotos: Igor Matheus/ Portal Infonet)

Quando surgiu em Sergipe em 2011 nas águas do rio Vaza-Barris, o Stand Up Paddle (ou “remada em pé”, ou ainda “SUP”, sua abreviação) era um sofisticado passatempo restrito aos que tinham dinheiro para gastar – e as razões para isso vêm em cifras. A prancha mais barata custava em torno de R$ 1,5 mil. O remo mais simples, R$ 200. O aluguel de material era R$ 100 a hora. O aluguel com instruções iniciais era ainda mais caro. Mas o vaivém das pranchas no rio atraiu também outro público: a juventude ribeirinha do povoado Mosqueiro, em Aracaju. E quase uma década depois, o SUP já não é apenas uma sensação entre turistas. Aproveitada como opção de empreendedorismo, emprego e inclusão pelo esporte, a modalidade tornou-se uma das principais engrenagens do desenvolvimento do próprio Mosqueiro.

O MOSQUEIRO
Localizada na Zona de Expansão de Aracaju, entre o rio Vaza-Barris e o povoado Areia Branca, a área conhecida como povoado Mosqueiro, habitada por cerca de 7 mil pessoas, é um pedaço da capital no qual o desenvolvimento ainda faz força para chegar. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o povoado ainda está em séria desvantagem em relação a Aracaju. Ladeado com a capital que o integra, o Mosqueiro tem quase metade do rendimento per capita, quase metade do abastecimento de água por rede, presença de rede de esgoto mais de 12 vezes inferior e quase o dobro de analfabetos [ver infográfico]. Em 2010, porém, a região ganhou um reforço: a Orla Pôr do Sol, uma estrutura voltada ao lazer aquático que colocou o povoado no mapa do turismo. Com a orla, vieram os turistas, as embarcações, os aficionados por esporte – e finalmente, uma modalidade que parecia ser mais uma moda passageira, mas acabou misturando-se à paisagem do lugar: o Stand Up Paddle.

“Remada com Faxina”: esporte, diversão e proteção ao meio-ambiente na mesma atividade (fotos: acervo pessoal de Otávio Assis)

REMANDO E LIMPANDO
Otávio Assis estava lá quando as primeiras pranchas de SUP surgiram no Vaza-Barris. Oito anos depois, ele faz da modalidade um estilo de vida. De remador diletante em 2011, Assis passou a dono de uma verdadeira coleção de pranchas – que passou a alugar –, instrutor e hoje comanda no próprio Mosqueiro um local que acumula as funções de “guarderia” – onde as pranchas são guardadas –, ponto de encontro dos amantes do esporte e até de restaurante. E para provar que tudo parece ficar mais prazeroso enquanto se rema, há cinco anos Otávio decidiu reunir amigos para… catar lixo no rio. Era o embrião de um dos projetos que mais movimentariam a juventude do local: o “Remada com Faxina”.

Otávio Assis: de remador por diversão a um dos líderes do SUP em Sergipe

“Toda quinta eu liberava pranchas minhas para uma garotada daqui que sempre me pedia para remar. Até que decidi levá-los para fazer essa faxina. Meu trato com eles era simples: primeiro limpávamos o rio. Depois eles brincavam com as pranchas, e no fim, todo mundo ganhava lanche”, detalhou Otávio. O negócio deu tão certo que passou a acontecer em dois dias: às segundas e terças-feiras, períodos de maior concentração de lixo no entorno do rio.

No seu auge, o “Remada com Faxina” chegou a reunir mais de 40 crianças e jovens com idades entre 7 e 18 anos. Hoje em dia, a ação atrai entre 10 e 30 participantes, todos da região. Segundo Otávio, a atividade gerou entre ele e a molecada um vínculo quase paternal. “Eu sempre procuro conversar com eles, ajudá-los ao máximo”. Em cinco anos de projeto, uma minoria dos participantes chegou a se perder para o lado do crime. Mas uma outra minoria, porém, abraçou de vez o SUP. Cinco meninas e dez meninos que trabalham atualmente com Otávio nas instruções, na manutenção das pranchas e até na jardinagem e na cozinha vieram todos das despretensiosas faxinas no rio. “Eles ganham diárias três vezes por semana. Alguns chegaram a comprar moto, bicicleta e passaram a ajudar em casa. Aos poucos, eles foram criando um senso de responsabilidade”, ressaltou Otávio.

Ramon de Jesus: das faxinas ao trabalho como instrutor de Stand Up e “faz-tudo”

Um desses jovens é Ramon de Jesus. Há três anos, ele trocou o surf pelas faxinas do SUP, pegou gosto, começou a ajudar Otávio em várias atividades e hoje em dia virou uma espécie de braço-direito. “Já são quase dois anos aqui e faço de tudo. Gadanho, molho as plantas, conserto as pranchas, dou instruções”, disse.

Otávio lembra que, antes da chegada do SUP, o Mosqueiro não era muito mais do que um lugar rústico e sem movimento. E confiante no sucesso de sua iniciativa em orientar jovens, ele não hesita em arriscar o que seria da juventude local sem o esporte. “Com certeza estariam fazendo besteira. Quem sabe até acompanhariam os que morreram por causa do crime. O que sei é que teriam menos opções”. O faz-tudo Ramon reforçou o palpite. “Não vou mentir. Se não fosse o SUP acho que eu estaria no mundo das drogas, da malandragem. Não sei o que seria de mim. Conheço muita gente que foi para outro caminho e já vi muitos amigos morrerem. Não quero nada disso para ninguém”.

Marra de campeões: Dedé Nascimento e as grandes promessas do Stand Up no estado

TURMA DO DEDÉ
Em seis anos de experiência no SUP, André Nascimento se vira como instrutor, atleta, administrador de guarderia e até organizador ocasional de campeonatos. Mas foi como mentor de alguns jovens da região que ele virou o “tio Dedé”. E assim como as remadas dos turistas despertaram a curiosidade da molecada, a curiosidade da molecada despertou em André o desejo de trazê-los para o esporte. “Eles já atravessavam o rio a nado e conheciam a região. Alguns até sobreviviam da pesca. E como eram todos magrinhos, com muita resistência, comecei a fazer com eles uns trabalhos de treinamento para competições”.

Odilon Gomes, à frente,  e Denis Soares: talentos do Mosqueiro em aperfeiçoamento

Atualmente, oito meninos da região com idades entre 12 e 17 anos usam as pranchas regularmente para treinar. O uso do material é totalmente gratuito, mas o mentor exige outro tipo de pagamento: disciplina. “Ensino-os a tratar com cuidado todo o material, a manter as pranchas sempre cuidadas, lavadas. Quem não faz isso, paga flexões. É uma forma de fazê-los amadurecer”. O recrutamento já rendeu resultados surpreendentes. Uma das principais promessas locais, Odilon Gomes, de 17 anos, é aluno de Dedé há quatro anos, foi terceiro lugar no último estadual e chegou a competir de igual para igual com campeões brasileiros. “Tudo começou na curiosidade, e hoje o Dedé sempre me põe nos campeonatos”, contou Odilon.

Franklin Xavier: o menino curioso que virou instrutor e homem de confiança em guarderia de pranchas

Para tocar o barco – ou melhor, as pranchas – em uma guarderia que ajuda administrar na Orla Pôr do Sol, Dedé conta com o apoio de um jovem com história parecida com a dos meninos que ele mesmo coordena. Nascido e criado no Mosqueiro e filho de pescador, Franklin Xavier, 21 anos, começou como mais um menino curioso, foi atleta, virou instrutor de Stand Up e hoje é o homem de confiança na guarderia. “Eu tinha uns 14 anos quando o Stand Up chegou aqui. Antes disso, era tudo meio sem graça”, lembrou Franklin. Orgulhoso, Dedé fez questão de exaltar a ascensão do jovem que ele viu crescer. “No começo, ninguém imaginava que um dia ele pudesse chegar a instrutor. Hoje, ele tem a chave da guarderia”.

Vandson, à esquerda, e Erílio: da pesca para o SUP

DAS REDES PARA AS PRANCHAS
Eles cresceram pescando tainha no Vaza-Barris. Agora, “pescam” turistas. Nativos da região, Vandson Cardoso e Erílio Santos foram criados para usar o rio e o remo como meios de sobrevivência. Até que um dia eles foram apresentados a uma prancha de SUP. A curiosidade inicial transformou-se em atividade diária; a atividade diária transformou-se em ofício; e hoje os dois, sob a direção do marinheiro Erisvaldo Feitosa, tocam um negócio que atua há mais de três anos nos passeios realizados para a chamada “Crôa do Goré”, um pequeno banco de areia que surge na maré baixa do Vaza-Barris.

No passeio, eles alugam até 20 pranchas e dão instruções para os turistas. E graças a essa atividade, a dupla de ex-pescadores hoje em dia sobrevive integralmente do Stand Up, que chega a render R$ 1,2 mil por mês para cada um. “É mais uma opção de sobrevivência para nós. Uma forma de não estarmos fazendo besteira. Já temos filhos, e é dessa forma que estamos sustentando-os”, destacou Vandson. A experiência na pesca chegou a ajudar Erílio a aprimorar-se cedo: envolvido com Stand Up há seis anos, ele tem o mesmo tempo como instrutor. “No barco temos que ficar em pé para remar. Então como eu já sabia remar, não tive dificuldade para aprender SUP. Quando meu patrão me deu a prancha, praticamente já saí com ela”.

A relação do SUP com o Mosqueiro encontra aprovação em diversas frentes. Para Jorge Lins, sócio de um restaurante na Orla Por do Sol, a modalidade agrega muito ao turismo local. “O Stand Up traz para a Orla uma clientela diferente. Eles são muito fieis, estão sempre aqui. Além disso, a modalidade trouxe mais opções de trabalho”. Pai do atleta Odilon e ex-presidente da Associação de Moradores do Mosqueiro, Odilon Gomes também exaltou a presença da modalidade na região. “Sem o Stand Up, esses jovens estariam partindo para um lado ruim. Precisamos de mais incentivo para esportes como esse”. Dona de um antigo restaurante na comunidade – e ela mesma praticante de SUP -, Ana Santos também quer ver a modalidade crescer no local. “Se investissem pesado, esse esporte salvaria muito mais jovens”.

Por Igor Matheus

 

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