E a dor do outro que na foto ficou bonita? Ficou bonita a dor e o outro, eu sei. O dedo passa agitado pelos inúmeros posts de dor, mas post não tem sentimento. Empatia é mais. É ir até o outro ferido e se ferir também. Não temos feito mais nada disso, e o pouco que fazemos achamos ser o bastante, mas, no íntimo, sabemos que nosso pouco também é nada. Noves fora nada! Mas tudo é over, incluindo, as joias da jornalista que deu a notícia da morte. E over é meu sofrimento pelas redes sociais, que na escala da verdade ultrapassou os limites. Queria rasgar o celular ao ver que as tantas notícias físicas ruins se tornaram físicas. Apenas notícias que deram lugar a outra dor e outra dor e outra e outra.
Às vezes acho que sou apenas eu que penso que nossos sentimentos estão cabendo só na tela do celular. E morrem neste pequeno espaço também. E vamos compartilhando, mostrando nossa indignação e aflição. Mas nada parece ter peso de verdade, porque quando a gente descansa o visor do celular, o bipe já alerta na tela que tem mais uma nova desgraça esperando nossos compartilhamentos, mas não damos mais abraços e talvez não queremos mais abraços. É preferível abraçar de longe, pelo vidro… e mesmo assim lá vamos nós motivados por nossas ideias de uma merda de mundo-pessoal-ideal compartilhar, marcar, “arrobar” o próximo e pronto, resolvido. Abraço (não) dado.
Mas cá dentro tá tudo meio bagunçado. Sabe quando até o silêncio incomoda? Estamos assim: silenciosamente segurando o celular, com nossas cabeças baixas, digitando sofrimentos que até nos cabem, mas que na verdade não estão em nossas mãos. As bandeiras das manifestações se tornaram LCD brilhosas, que deixam todo e qualquer sofrimento externo mais vívido e bonito, porém, nada palpável. Como se o sofrimento fosse algo pra se segurar, talvez até seja, mas temos braços de vento, leves, vazios.
O que mais me surpreende é que enquanto você posta a sua última dor, o seu amigo posta um copo de cerveja gelada. Tudo ali bem junto: a cerveja, os tiros no carro da família, a morte do jovem que era inocente, os tapas que a mulher ganhou do ex, o pastor pedófilo, o sol do resort que sua vizinha está passando férias, a festa open bar que todo mundo foi, menos vocês que optou por acompanhar numa live a vida. E que vida levamos?
Como filtrar o cérebro para absorver tanta coisa, enquanto você cruza uma pequena parte da cidade dentro de um uber em direção ao seu cabeleireiro? Você não teve tempo pra chorar, pois o uber já chegou ao seu destino e a corrida deu apenas sete reais e oitenta, oitenta, centavos. Meu caro, ninguém estará com você na hora de rezar. Se não há público pra olhar seu sofrimento, então posta seu desabafo na rede social e ganha like! A fé realmente morreu no último filtro que você escolheu pra postar a imagem da mulher que mora lá longe e acabou de perder o filho no desastre ecologicamente-criminoso.
Queremos apenas sermos os primeiros a postar, levantar campanha, que nunca foi campanha, lá pros trending topics, mas no máximo essa campanha toda não passará de mais uma notícia vaga, sem apuração, relatada pela jornalista que, bem maquiada, não vê a hora do jornal acabar, pra ela comer um sushi. Que saudade que tenho de quando a minha mãe pegava algo de minhas mãos pra me castigar. Ninguém tira o celular de nossas mãos e estamos terrivelmente condenados ao exagero tanto na dor quanto na alegria sintética que exibimos nos finais de semana. Na verdade, nada importa mais: a dor do outro, a fé que nunca foi forte, o grito que vem lá de longe; nada importou.
Muito menos esse texto, não tenho vaidades quanto a isto!